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Os trolls e as chances da democracia

Webinar com os cientistas políticos André Singer e Bruno Bolognesi discutirá os possíveis rumos da república

O quarto webinar da série “Novos estudos para decifrar o Brasil contemporâneo”, organizada pelo Instituto Ciência na Rua, vai reunir os cientistas políticos André Singer e Bruno Bolognesi para debater “Os trolls e as chances da democracia”, na quinta-feira, 21 de outubro, das 11h às 12h30, com transmissão ao vivo pelos canais no YouTube do Ciência na Rua e Bob Fernandes.

A inspiração direta para o título do webinar é um artigo de Singer publicado no caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo de 19 de setembro passado, “Após marcha troll de Bolsonaro sobre São Paulo, democratas precisam isolar direita lunática”. Mas esse texto naturalmente finca raízes em seus variados estudos sobre forças e grupos políticos atuantes na configuração do estado brasileiro que resultaram, em anos recentes, nos livros Os sentidos do lulismo (2012) e O lulismo em crise (2018).

Singer, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), incluiu, no capítulo “Três partidos brasileiros”, uma análise inovadora sobre o quadro partidário do país, nele estabelecendo uma surpreendente linha de continuidade desde 1945 até o presente, apesar das interrupções produzidas pela ditadura de 1964-1985, e da pulverização que nesse momento eleva a mais de três dezenas o número dos partidos na cena política nacional.

Exatamente partidos políticos e a reconfiguração da direita no país constituem o campo das pesquisas de Bruno Bolognesi, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde coordena o Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários (LAPeS). Seu artigo mais recente a esse respeito, em coautoria com Ednaldo Cordeiro e Adriano Coem, enviado como pré-print para a SciELO, é “Uma nova classificação ideológica dos partidos políticos brasileiros”.

Baseado num survey feito em 2018 com cerca de 500 cientistas políticos brasileiros, Bolognesi procura mostrar, com gráficos e tabelas, como partidos foram se “endireitando” mais e mais, ou seja, caminhando nos anos mais recentes no sentido da extrema-direita, em cuja ponta, aliás, ele situa o DEM.

Já no texto referido da Ilustríssima, Singer, depois de lembrar as análises sobre a situação alemã de 1932 feitas por León Trotski, em quem, apesar das duras críticas, até Winston Churchill reconhecia aguda inteligência, observa, com cuidado para evitar comparações impróprias, que “Bolsonaro faz parte de uma constelação global em desenvolvimento, que ninguém sabe onde vai dar. Ela tem traços fascistas, mas não é a reedição do velho fascismo italiano e alemão. Por isso, proponho chamá-la, provisoriamente, de “autocratismo com viés fascista”. A fórmula, algo canhestra e que talvez precise ser modificada adiante, pretende contribuir para uma compreensão, que se revela urgente, do momento brasileiro.”

Na busca por caracterizar esse momento, ele acrescenta que “líderes autocráticos do século 21 perceberam que podiam utilizar as redes sociais para operar desde uma espécie de “role-playing game” permanente, no qual fantasia e realidade se misturam, confundindo tudo e todos”. As noções de troll e de pós-verdade são acionadas antes que Singer proponha que “o repúdio à informação fidedigna é um traço do autocratismo em marcha, pois ele precisa distorcer os fatos até amalucar o público.” Assim amalucados, “os aderentes a Bolsonaro acreditam fazer parte de um povo oprimido, cuja “liberdade” está ameaçada por uma coalizão que vai de Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), passando pela China e a Faria Lima.”

Coalizão, claro, inexistente, feita de forças alheias umas às outras ou mesmo contrapostas, parte de “uma visão sem pé nem cabeça”, dado que “quem quer acabar com a liberdade é o bolsonarismo, que pede intervenção militar para estabelecer uma ditadura no país”. No entanto, diz Singer, “internalizado o delírio, resulta inútil tentar o esclarecimento”.

Recomenda que a sociedade não corra riscos. “A oposição democrática precisa usar qualquer espaço disponível para resistir, emparedar e reduzir o autocratismo a uma franja lunática e isolada”. Analisa outras situações internacionais comparáveis até conduzir o artigo à proposta de uma frente ampla urgente das oposições. “No Brasil, o melhor meio de barrar o autocratismo seria o impeachment de Bolsonaro. Para tanto, é indispensável criar uma unidade ativa entre forças de esquerda, centro e direita, que de resto possuem visões antagônicas de como dirigir a nação caso o presidente seja impedido”.

Para ele, o imediato passo necessário “é o mútuo reconhecimento das profundas diferenças que dividem essa possível frente democrática, sobretudo no que diz respeito ao programa econômico. Sem legitimar as distinções, a confiança recíproca não se estabelece, e o entusiasmo se esvai”. Viria em seguida o momento de “determinar com clareza quais são os pontos unificadores, fora dos quais é garantida a todas as correntes a liberdade de seguir com os respectivos pontos de vista, a serem disputados democraticamente nas eleições”.

A série de webinars no campo das ciências humanas e sociais que o Ciência na Rua iniciou em 15 de setembro passado tem partido de textos de pesquisadores que abertamente buscam contribuir para aprofundar o debate da situação espantosa em que o Brasil se encontra e, a partir de sua compreensão mais profunda, propor saídas táticas e estruturais para além apenas do impeachment ou das eleições de 2022.

Assim, foram ao ar (e seguem disponíveis no YouTube) os webinars “Partido militar, milícias… E o estado?”, com Bruno Paes Manso (Cebrap), Piero Leirner (UFSCar) e a jornalista Flavia Lima (Folha de S. Paulo); “Os novos jagunços e o ideal da pátria cristã”, com Gabriel Feltrán (UFSCar), Christina Vital (UFF) e o jornalista Lucas Veloso (TV Cultura e Estadão); e “As marcas da maldade na política”, com João Carlos Salles (UFBA), Tessa Lacerda (USP) e o jornalista Tomás Chiaverini (Podcast Rádio Escafandro).

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