Texto: Alberto Díaz Añel
Tradução e adaptação: Tiago Marconi
O monstro da Lagoa Negra e as “escamas” em humanos
Hoje vem nos acompanhar um monstro que talvez não seja tão famoso para muitos, mas lá pelos anos 50 do século 20 (não faz tanto tempo assim) desbancou o protagonismo monopolizado, sobretudo no cinema, por outras criaturas como Drácula, o lobisomem, a múmia e o monstro de Frankenstein.
A criatura (ou o monstro) da Lagoa Negra foi o primeiro monstro famoso que se movia como peixe n’água (literalmente). Nascida na selva amazônica, com forma humana, mas com aspecto misturado de peixe e réptil, ainda que se comportasse como anfíbio, pois podia respirar tanto dentro como fora da água.
Se algo o caracterizava (afora a cara aterrorizante e o gosto por belas mulheres) eram as escamas que cobriam seu corpo. Mas vocês sabiam que existem pessoas que têm escamas? Bem, não são iguais às dos peixes e alguns répteis, mas se assemelham bastante.
Quem tem a pele “escamosa” em todo o corpo, como nosso amigo da lagoa negra, são os que sofrem de uma doença conhecida como ictiose. Ictio vem justamente do grego ikhtys, que quer dizer peixe.
E como pode uma pessoa ser cheia de escamas como a criatura amazônica? Primeiro devemos levar em conta que as células de nossa pele, que é a primeira linha de defesa do nosso corpo, produzem uma proteína conhecida como queratina. Ela também é muito abundante nos pelos, nas unhas e em penas de aves e chifres e cascos de mamíferos.
A parte mais externa da pele, chamada epiderme, vai se renovando periodicamente e possui uma abundante quantidade de queratina, que ajuda em grande parte a que nossa pele seja tão impermeável. A regulação da produção dessa proteína permite que a capa de epiderme seja fina o suficiente para torná-la flexível e adequadamente grossa para funcionar como barreira a ameaças externas (bactérias, por exemplo).
Em quem sofre de ictiose, a produção de queratina se descontrola e se torna excessiva, o que faz a pele engrossar muito mais do que o normal. Isso, por sua vez, faz com que ela perca elasticidade e comece a quebrar com os movimentos, dando a impressão de que está coberta de escamas. Nessas pessoas, a pele não só perde sua elasticidade, mas, ao se quebrar, deixa descoberta a capa que está por baixo – a derme, e isso permite a entrada de microorganismos que podem produzir infecções, já que se rompe a barreira protetora.
Claro, não são verdadeiras escamas, como as dos peixes, já que essas não possuem queratina, mas são formadas por substâncias muito relacionadas com as que formam ossos e dentes. Mas as escamas dos répteis (como crocodilos, tartarugas e cobras, por exemplo) contêm queratina como a nossa pele.
E não podemos esquecer do único mamífero com escamas de verdade (não como as da ictiose), formadas também por queratina. Infelizmente esse bicho passou por um momento de má fama durante a pandemia de covid-19, já que o culparam injustamente de ser o responsável por passar o Sars-CoV-2 para humanos. Sim, estamos falando do pangolim.
E as escamas do monstro da lagoa negra? Se ele fosse real, elas provavelmente seriam formadas por queratina, seja pela forma humanóide ou pelo aspecto reptiliano do monstro. Mas, lamentamos decepcioná-los (alerta de spoiler!): segundo os arquivos de Hollywood (onde a criatura realmente nasceu), suas escamas eram compostas por espuma de borracha.
Ciência Monstruosa é um projeto do pesquisador e comunicador científico argentino Alberto Díaz Añel, que o Ciência na rua está adaptando para o português. Toda sexta-feira, publicamos um texto aqui e nas nossas redes sociais. Confira abaixo os já publicados.
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