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Ciência monstruosa: podemos matar o que não está vivo?

Se falamos de monstros, não poderíamos considerar vampiros, múmias e zumbis como “vivos”. No entanto, para os primeiros, existem vários métodos comprovadamente eficazes para “matá-los”, como estacas ou a luz solar. As múmias são um pouco mais complicadas, mas ultimamente parece que um tirambaço de escopeta ou golpe de espada podem transformá-las em pó. E, sem saber ler egípcio antigo, recitar um texto arcaico pode devolvê-las para o além. Quanto aos zumbis, seu ponto fraco parece ser a cabeça, então cortá-la ou explodí-la em pedaços seriam os métodos mais convenientes.

Imagem: 1tamara2 / Pixabay

Isso quer dizer que poderíamos “matar” algo “não vivo” (também podemos “matar a fome”, mas isso é outro assunto). Portanto, tudo bem dizer que o álcool etílico 70% é capaz de matar o coronavírus que nos aflige e é o causador da pandemia de covid-19. Ainda que o correto seria dizer que o estamos inativando ou no máximo destruindo.

E por que toda essa confusão? Por acaso os vírus não são seres vivos como as bactérias, as plantas, os animais e nós mesmos? Bem, sim. Mas não. Talvez algo intermediário.

Uma das muitas características que um ser vivo deve ter é a da reprodução, ou seja, poder fazer cópias de si mesmo.

Adaptado de scientificanimations.com

No nosso caso, isso ocorre através da reprodução sexuada. Para os vírus, é um pouco mais complexo (ou simples, dependendo do ponto de vista). Eles não podem juntar dois vírus e produzir virusinhos aos quais devem ensinar como viralizar. Tampouco uma partícula viral pode se dividir para resultar em outros dois vírus como fazem as bactérias e nossas próprias células.

O problema dos vírus é sua simplicidade. A maioria deles, basicamente, é material genético (na forma de DNA ou RNA) protegido por uma cobertura de proteínas e, em alguns casos, uma capa de lipídios (gorduras). Falta a complexa maquinaria necessária para poder duplicar seu material genético e para produzir suas coberturas protetoras. E como fazem para se multiplicar tão rápido e causar tanto dano?

Bem, para que gastar energia, materiais e espaço juntando toda essa maquinaria (não à toa estão entre os menores organismos do planeta) se podem “pedir emprestada” (roubar) a célula que infectam? É isso que os vírus fazem, se aproveitam da célula para se reproduzir. Ou, para sermos menos taxativos, “pegam vida emprestada”.

Primeiro enganam a célula para entrar. Possuem em sua superfície proteínas (a mais famosa atualmente é a Spike, do Sars-CoV-2) que imitam “chaves” que encaixam perfeitamente em outras proteínas “fechaduras” que ficam na superfície da célula. Dessa maneira, abrem caminho para entrar na célula, liberar seu material genético e obrigá-la a multiplicar esse material dezenas de milhares de vezes.

A partir desse material, se fabricam as coberturas proteicas, e então os numerosos vírus se juntam e saem da célula, destruindo-a. Em alguns casos, como o Sars-CoV-2, continuam roubando a célula, levam um pedaço de suas membranas, que é o que constitui a capa extra de lipídios que envolve os vírus.

Por sorte, essa capa gordurosa em volta do coronavírus que atualmente nos ameaça é afetada pelo sabão e pelo álcool etílico, e é justamente nesse envoltório que se encontra a “chave” que permite ao nírus entrar nas células. Portanto, se rompemos a capa de gordura, não tem chave, e, se não tem chave, ele não vai poder entrar para se multiplicar e seguir infectando outras células.

imagem: mohamed_hassan / Pixabay

Então é correto dizer que algo “mata o vírus”? Na realidade, sendo rigoroso em termos biológicos, não seria apropriado. Mas se podemos matar um vampiro, uma múmia ou um zumbi, por que não poderíamos matar um vírus? Em todo caso, se vamos ser rigorosos, comecemos a inativar vírus, aniquilar vampiros, destruir múmias e abater zumbis. Mas não tudo ao mesmo tempo, porque seguramente sairíamos perdendo, a menos que alguns super heróis nos ajudem. Pelo menos para o coronavírus, está de bom tamanho lavar sempre as mãos com sabão ou álcool em gel, usarmos máscara e nos mantermos a pelo menos dois metros de distância de outras pessoas.

Ciência Monstruosa é um projeto do pesquisador e comunicador científico argentino Alberto Díaz Añel, que o Ciência na rua está adaptando para o português. Toda sexta-feira publicaremos um texto aqui e nas nossas redes sociais.

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