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Ciência monstruosa: à flor da pele

Texto: Alberto Díaz Añel
Tradução e adaptação: Tiago Marconi

O monstro da Lagoa Negra e as “escamas” em humanos

Cartaz em inglês do Filme ‘O monstro da Lagoa Negra’ (Creature from the Black Lagoon, Universal Pictures, 1954)

Hoje vem nos acompanhar um monstro que talvez não seja tão famoso para muitos, mas lá pelos anos 50 do século 20 (não faz tanto tempo assim) desbancou o protagonismo monopolizado, sobretudo no cinema, por outras criaturas como Drácula, o lobisomem, a múmia e o monstro de Frankenstein.

A criatura (ou o monstro) da Lagoa Negra foi o primeiro monstro famoso que se movia como peixe n’água (literalmente). Nascida na selva amazônica, com forma humana, mas com aspecto misturado de peixe e réptil, ainda que se comportasse como anfíbio, pois podia respirar tanto dentro como fora da água.

Se algo o caracterizava (afora a cara aterrorizante e o gosto por belas mulheres) eram as escamas que cobriam seu corpo. Mas vocês sabiam que existem pessoas que têm escamas? Bem, não são iguais às dos peixes e alguns répteis, mas se assemelham bastante.

Foto de cena PB de 'O monstro da Lagoa Negra': o monstro, à direita, estendendo os braços e encarando uma mulher, à esquerda, que grita.

‘O monstro da Lagoa Negra’ (Universal Pictires, 1964)

Quem tem a pele “escamosa” em todo o corpo, como nosso amigo da lagoa negra, são os que sofrem de uma doença conhecida como ictiose. Ictio vem justamente do grego ikhtys, que quer dizer peixe.

E como pode uma pessoa ser cheia de escamas como a criatura amazônica? Primeiro devemos levar em conta que as células de nossa pele, que é a primeira linha de defesa do nosso corpo, produzem uma proteína conhecida como queratina. Ela também é muito abundante nos pelos, nas unhas e em penas de aves e chifres e cascos de mamíferos.

A parte mais externa da pele, chamada epiderme, vai se renovando periodicamente e possui uma abundante quantidade de queratina, que ajuda em grande parte a que nossa pele seja tão impermeável. A regulação da produção dessa proteína permite que a capa de epiderme seja fina o suficiente para torná-la flexível e adequadamente grossa para funcionar como barreira a ameaças externas (bactérias, por exemplo).

Foto: duas canelas com a pele rachada por ictiose.

Ictiose (Foto: Gzzz – CC BY-SA 4.0)

Em quem sofre de ictiose, a produção de queratina se descontrola e se torna excessiva, o que faz a pele engrossar muito mais do que o normal. Isso, por sua vez, faz com que ela perca elasticidade e comece a quebrar com os movimentos, dando a impressão de que está coberta de escamas. Nessas pessoas, a pele não só perde sua elasticidade, mas, ao se quebrar, deixa descoberta a capa que está por baixo – a derme, e isso permite a entrada de microorganismos que podem produzir infecções, já que se rompe a barreira protetora.

Fotos: em sentido horário: cobra laranja e amarela com detalhes pretos; peixe rosado; tartaruga marinha; filhote de jacaré quase totalmente dentro da água, só com os olhos e nariz para fora.

(Fotos – crocodilo: Engin Akyurt, cobra: Karsten Paulick, tartaruga: Free Photos – via Pixabay; peixe: David Clode – via Unsplashed)

Claro, não são verdadeiras escamas, como as dos peixes, já que essas não possuem queratina, mas são formadas por substâncias muito relacionadas com as que formam ossos e dentes. Mas as escamas dos répteis (como crocodilos, tartarugas e cobras, por exemplo) contêm queratina como a nossa pele.

E não podemos esquecer do único mamífero com escamas de verdade (não como as da ictiose), formadas também por queratina. Infelizmente esse bicho passou por um momento de má fama durante a pandemia de covid-19, já que o culparam injustamente de ser o responsável por passar o Sars-CoV-2 para humanos. Sim, estamos falando do pangolim.

Foto: pangolim se sustentando em tronco de árvore.

(Foto: Piekfrosch – CC BY-SA 3.0)

E as escamas do monstro da lagoa negra? Se ele fosse real, elas provavelmente seriam formadas por queratina, seja pela forma humanóide ou pelo aspecto reptiliano do monstro. Mas, lamentamos decepcioná-los (alerta de spoiler!): segundo os arquivos de Hollywood (onde a criatura realmente nasceu), suas escamas eram compostas por espuma de borracha.

Foto PB "de making of" de 'O monstro da Lagoa Negra': ator ainda sem a máscara tendo a fantasia ajustada por dois homens.

Ben Chapman em ‘O monstro da Lagoa Negra’ (1954, Universal Pictures)

Foto "de making of" de 'O monstro da Lagoa Negra': mulher com roupas elegantes, sentada em um banco alto em frente a uma mesa inclinada para desenho, segurando e olhando para uma máscara do monstro em um ateliê com outras máscaras e partes do monstro nas paredes.

Milicent Patrick, designer de maquiagem de ‘O monstro da Lagoa Negra’ (1954, Universal Pictures)

 

Ciência Monstruosa é um projeto do pesquisador e comunicador científico argentino Alberto Díaz Añel, que o Ciência na rua está adaptando para o português. Toda sexta-feira, publicamos um texto aqui e nas nossas redes sociais. Confira abaixo os já publicados.

Vampiros: quanto mais longe, melhor (publicado em 3 de julho)
Vampiros e doenças do sangue (publicado em 10 de julho)
Os lobisomens e o crescimento dos pelos (publicado em 17 de julho)
Podemos matar o que não está vivo? (publicado em 24 de julho)
Como o corpo se defende? (publicado em 31 de julho)
O essencial é invisível aos olhos (publicado em 7 de agosto)

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