Texto: Alberto Díaz Añel
Tradução e adaptação: Tiago Marconi
Do cientista maluco de H.G. Wells ao Sars-CoV-2, nem sempre podemos ver os inimigos
No mesmo ano em que Bram Stoker publicava seu romance ‘Drácula’, o grande escritor britânico H.G. Wells apresentava uma história sobre um novo monstro, que justamente não se caracterizava por horrorizar suas vítimas com seu aspecto assustador.
Em 1897, nasce ‘O homem invisível’, romance do autor de ‘A máquina do tempo’ e ‘A guerra dos mundos’. Como no romance de Mary Shelley, ‘Frankenstein’, o protagonista dessa história é um cientista, conhecido apenas como Griffin, que depois de sua descoberta perde o juízo ao tentar revertê-la. Algo muito parecido com o que aconteceu com Victor Frankenstein.
Na história, Griffin consegue que seu próprio corpo mude o índice de refração para concidir com o do ar, tornando-se invisível ao olho humano ao não absorver nem refletir a luz visível. Na física, o índice de refração de um meio é um valor que nos diz o quanto diminui a velocidade da luz nesse meio comparada com essa mesma velocidade no vácuo.
Por exemplo, o índice de refração da água é 1,33. E o que isso quer dizer? Que no vácuo absoluto a luz viaja 1,33 vezes mais rápido que na água. Essa diferença entre o ar (cujo índice de refração é quase igual ao do vácuo) e a água faz com que vejamos de forma diferente os objetos nesses meios. O exemplo típico é o de afundar parcialmente um lápis em um copo d’água. Os índices de refração diferentes vão fazer com que o objeto pareça diferente dentro e fora da água, dando a impressão de que o lápis está “quebrado”.
Claro que os experimentos de Griffin (não explicados em detalhes por Wells, como Mary Shelley não explicou os de Victor Frankenstein) de fazer com que um corpo humano tenha um índice de refração próximo a 1 não seriam possíveis na vida real, algo que muitos cientistas se ocuparam de explicar durante o último século. Nos últimos anos, a ciência teve alguns sucessos na arte de fazer desaparecer coisas, mas sempre enganando o olho humano.
Porém, afora a fantasia de H.G. Wells, o que torna algo invisível? A invisibilidade pode ser definida como a qualidade de um corpo físico visível de não ser visto em condições de luz normais. E como pode algo não ser visto? Como assinalamos mais acima, em geral é preciso enganar o olho (o que não é muito difícil de fazer), seja ocultando o objeto, iluminando-o (ou escurecendo-o) de uma maneira especial, ou através da camuflagem, coisa que nós humanos aprendemos a usar mas que existe há milhões de anos na natureza. Alguma outra forma de ser invisível ao olho humano? Sim, tendo um tamanho muito, mas muito pequeno.
E o que é pequeno para o nosso olho? Para se ter uma ideia, a grossura de um fio de cabelo pode ir de 0,06 a 0,12 milímetros. Ou seja, aproximadamente a décima parte de um milímetro. E podemos vê-lo a olho nu. Abaixo desse tamanho, muitas coisas permanecem invisíveis a nossos olhos, ainda que saibamos que existem graças à ajuda de todo tipo de lentes e aparelhos, de uma simples lupa a um poderoso microscópio eletrônico.
Por isso, não vermos algo não significa que não exista, e muito menos que não nos possa causar danos. Por exemplo, é impossível para nós ver a olho nu uma bactéria ou um vírus, mas, por pequeninos que sejam, podem chegar a ser mortais.
As bactérias têm muitos tamanhos, que variam entre 0,5 e 5 micrômetros, que seria algo como a décima parte de nossas próprias células. Para que tenham uma ideia, um micrômetro é a milésima parte de um milímetro, ou seja, a maior bactéria seria umas vinte vezes menor do que o diâmetro do mais grosso fio de cabelo. E é por isso que não podemos vê-la a olho nu.
E os vírus? Sendo muitíssimo mais simples do que uma célula (já falamos disso em uma publicação anterior), seus tamanhos estão entre os menores da natureza. Podem variar entre os 20 e os 400 nanômetros. O coronavírus Sars-CoV-2 que nos persegue tem um diâmetro aproximado de 100 nanômetros. E quanto seria isso? Se tivermos em conta que em um milímetro há um milhão de nanômetros (sim, um milhão!), o Sars-CoV-2 seria mil vezes menor do que um fio de cabelo!
Para tornar mais didático, suponhamos que um fio de cabelo tem a largura da torre de um dos edifícios mais emblemáticos do mundo, o Empire State, em Nova York. Sim, aquele edifício onde sobe o King Kong, o gorila gigante que fará parte de nossas futuras publicações. Em sua torre o edifício tem uma largura de aproximadamente 60 metros, então imaginem um cabelo dessa grossura.
Um glóbulo vermelho do sangue, medido nessa mesma escala, seria um pouquinho menor do que um Fiat Uno antigo. Podem imaginar um uninho lado do Empire State? Bom, é pequeno assim que fica um glóbulo vermelho do lado de um fio de cabelo.
E uma bactéria, de que tamanho seria? A Escherichia coli é uma das bactérias mais comuns que vive em nossos intestinos e nos ajuda a digerir alimentos, ainda que algumas variantes possam nos adoecer gravemente. Em nossa escala gigantesca, a Escherichia coli seria do tamanho de um triciclo infantil.
E, agora sim, passemos ao protagonista de grande parte de nosso cotidiano nestes dias de pandemia, o Sars-CoV-2. Na escala que estamos lidando, o vírus causador da pandemia de covid-19 seria do tamanho de um Fiat Uno… só que em versão Hot Wheels! Sim, esses com que brincávamos (ou brincamos) quando crianças e que cabem na palma da mão.
Então, se o edifício Empire State fosse a única coisa que pudéssemos ver a olho nu, todo o resto (o Uno, o triciclo e o carrinho de brinquedo) seria invisível para nossos olhos, e só poderíamos vê-lo com a ajuda de um microscópio.
É por isso que não devemos nos descuidar apesar de não vermos nossos inimigos. Seja um cientista maluco que usa seu poder de invisibilidade para destruir, seja um diminuto vírus que, apesar de sua simplicidade, pode nos causar muitos danos se nos pegar desprevenidos. Por sorte, não estamos falando de Griffin, e máscara, distanciamento e lavar as mãos bastam para manter à distância nosso atual inimigo invisível.
Ciência Monstruosa é um projeto do pesquisador e comunicador científico argentino Alberto Díaz Añel, que o Ciência na rua está adaptando para o português. Toda sexta-feira, publicamos um texto aqui e nas nossas redes sociais. Confira abaixo os já publicados.
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