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Vale de rio australiano servirá de “laboratório natural” para captura de carbono
Geociências

por | 13 out 2020

Decomposição da olivina absorveria pequenas quantidades de poluição de dióxido de carbono

Geocientistas da Universidade de Sydney, na Austrália, descobriram um laboratório natural para testar alegações de que o carbono capturado durante a erosão e o intemperismo de rochas comuns pode ser uma estratégia viável de mitigação contra o aquecimento global. Esse laboratório é o vale do rio Tweed, em Nova Gales do Sul, no sudeste do país. Intemperismo, vale lembrar, é o processo de desintegração e decomposição de rochas pela ação de agentes atmosféricos ou biológicos.

Visualização da região da várzea do Vale do Tweed em um dos cenários simulados. Áreas vermelhas indicam depósito de sedimentos, áreas azuis indicam erosão.

“Quando rochas comuns, conhecidas como olivinas, se deterioram quimicamente, elas absorvem dióxido de carbono para formar carbonatos, que são carregados para os oceanos”, contou Kyle Manley, pós-graduando da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos, que começou a pesquisa enquanto estudava em Sydney. “Nesse sentido, vales de rios são como sumidouros de carbono”.

Os carbonatos gerados no processo se transformam depois nas conchas de animais marinhos e corais. No decorrer de milhões de anos, as sobras do processo formam enormes estruturas submarinas de carbonato. Ocasionalmente emergem, como os Penhascos Brancos de Dover, na Inglaterra.

Para combater o aquecimento global, há quem proponha que a decomposição da olivina e sua captura de carbono deveriam ser instrumentalizadas para absorver milhões de toneladas de carbono da atmostfera. “Mas essas ideias não foram testadas em larga escala”, diz Manley.

Pesquisa publicada na revista Frontiers in Earth Science permitirá aos cientistas testar essas alegações na área de drenagem do rio Tweed, uma região de 1326 quilômetros quadrados, e em outras que servem como sumidouros de carbono.

Tristan Salles, coautor do artigo, da Universidade de Sydney, explicou que foram simulados sete cenários até os anos de 2100 e 2500 para saber quanto carbono seria absorvido em diferentes condições climáticas. “Em todos os cenários, estimamos que milhões de toneladas de dióxido de carbono seriam absorvidas – mas isso é uma gota no oceano da poluição esperada para as próximas décadas e séculos”.

Os cenários também descrevem uma interação complexa entre intemperismo e elevação do nível do mar, que verá o oceano invadir a costa do rio Tweed. No entanto, em algumas áreas, o intemperismo abundante depositará grandes quantidades de sedimento em sua várzea. “As temperaturas globais mais altas provavelmente resultarão em mais chuva nessa parte da Austrália, o que vai acelerar bastante o processo de intemperismo das rochas olivinas”, contou Salles. “Nossa modelagem mostra que, em algumas partes da planície costeira do Tweed, entre 3,8 e 6,5 metros de sedimento poderiam ser depositados.”

A partir do modelo inicial da drenagem do rio Tweed, os cientistas estimaram entre 57 milhões e 73 milhões de toneladas de dióxido de carbono absorvidos por ano pelo intemperismo de olivina no fim deste século. A estimativa média feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a emissão de carbono em 2100 é de aproximadamente 70 bilhões de toneladas por ano, ou seja, um lugar como a área de drenagem do Tweed absorveria menos de 0,1% do total.

Os cientistas usaram dados de modelagem do governo australiano, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças no Clima (IPCC), da agência governamental Geoscience Australia e do projeto Three Dimensional Great Barrier Reef (3DGBR).

“Ninguém está sugerindo que o sequestro de carbono via intemperismo de olivina vai resolver nossos problemas”, disse Dietmar Müller, co-autor da pesquisa. “Mas, como há propostas para aumentar artificialmente esse processo de intemperismo para absorver poluição de carbono, é importante entendermos o quão viável seria”.

Os cientistas dizem que a modelagem deles ajudará a identificar outras regiões onde a mudança climática poderia criar ambientes em que o sequestro de carbono aumentado naturalmente poderia ocorrer.

“O que descobrimos é que a proporção e a magnitude do aumento do nível do mar é o que vai controlar onde, quando e quanto sedimento é depositado em determinada região”, diz Manley. “A mudança climática vai desequilibrar esses sistemas fluviais, então ainda há muito trabalho para entender como eles operarão como sumidouros de carbono”.

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