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Tomates avisam ao tomateiro que estão sendo atacados
Botânica

por | 21 jul 2021

Pesquisadores constataram alterações na atividade elétrica da planta quando seus frutos foram comidos por lagartas

Foto: kie-ker / Pixabay

Quando uma lagarta faminta começa a saborear um tomate no pé, o fruto envia sinais elétricos para o restante da planta, informando a situação e possivelmente disparando estratégias de defesa. Foi o que constataram pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, após experimento que rendeu um artigo científico publicado na revista Frontiers in Sustainable Food Systems. A descoberta nos ajuda a entender mais sobre a comunicação interna das plantas e poderá ter impactos futuros na agricultura.

“O conhecimento sobre a comunicação planta-fruto é vasto, mas o contrário, fruto-planta, é muito limitado”, explicou a pesquisadora Gabriela Niemeyer Reissig, do Laboratório de Cognição e Eletrofisiologia Vegetal da UFPel, primeira autora do artigo, em entrevista por e-mail ao Ciência na Rua. “Constatamos que o fruto, como parte viva e integrante da planta, é capaz de transmitir sinais elétricos para outras partes. Tanto o fruto verde quanto o maduro são capazes disso.”

O experimento se baseou tanto em análise dos sinais elétricos, com o uso de eletrodos, quanto em análises bioquímicas posteriores, para avaliar alterações nas substâncias presentes nas plantas.

Tomateiro com eletrodos e lagarta (foto do artigo científico: https://doi.org/10.3389/fsufs.2021.657401)

Após cultivarem os tomates, os pesquisadores conectaram eletrodos aos respectivos pedúnculos (pedúnculo é a haste que sustenta o fruto) para medir a atividade elétrica normal da planta por duas horas. Isso foi feito em diferentes plantas, com frutos em diferentes fases de amadurecimento. Posteriormente, foram introduzidas lagartas da espécie Helicoverpa armigera, com um pedaço de plástico (com furinhos para ventilação) cobrindo os frutos para impedir os animais de atacar outras partes da planta. O monitoramento apontou alterações no eletroma (a soma de todas as atividades elétricas de qualquer ser vivo, neste caso, as plantas), o que demonstrou que a hipótese dos cientistas estava correta: os tomates estavam avisando ao restante da planta sobre o ataque. Para evitar interferências elétricas externas, essa parte do experimento foi feita numa gaiola de Faraday (um invólucro feito de material condutor), com alguns eletrodos não conectados às plantas servindo de controle.

Depois de 24 horas das medições eletrofisiológicas, frutos maduros e folhas foram colhidos da planta, e patiu-se para a análise bioquímica, com a medição da quantidade de algumas substâncias (enzimas antioxidantes, peróxido de hidrogênio e anion superóxido) nas plantas atacadas. As proporções dessas substâncias foram comparadas com a de uma planta “sem lagartas”, que serviu de controle. Os pesquisadores constataram diferenças, o que sugere que a planta recebeu os avisos do fruto e se preparou para o ataque. “No entanto, não podemos estabelecer uma relação direta do sinal elétrico com a resposta de defesa observada. Outros sinais também podem estar envolvidos. Análises mais específicas teriam que ter sido realizadas para comprovar isso. Usamos estas análises como um marcador de estresse”, ponderou Reissig. Também usou-se machine learning (aprendizado da máquina) para identificar padrões nas medições elétricas e comparação de médias nas análises bioquímicas.

Até então, o único trabalho conhecido pela equipe que apresentava resultados semelhantes era um artigo de 1988, em que se observou a transmissão de sinais elétricos do fruto da abobrinha para o pecíolo (a haste que prende a folha ao galho) da folha subjacente, mas que não tinha essa sinalização fruto-planta como foco principal. “O fruto geralmente é visto apenas como um dreno, e pouco estudo é feito neste sentido”, contou a pesquisadora. Por ser um “dreno”, ou seja, puxar a seiva da planta para si, a comunicação pelos meios mais conhecidos (hormônios, peptídeos etc.) fica comprometida. “Foi por isso que pensamos na possibilidade da comunicação por meio de sinais elétricos, pois estes não dependem da direcionalidade do fluxo da seiva, podendo seguir ‘contra a corrente'”.

Representação esquemática do experimento (imagem do artigo científico: https://doi.org/10.3389/fsufs.2021.657401)

Reissig explicou ainda que vários trabalhos envolvendo análises eletrofisiológicas estão surgindo na literatura, “seja na ciência de base, tentando entender o que são esses sinais e levando a questões extremamente complexas, como cognição e consciência em plantas, ou em ciência mais aplicada como foi o nosso trabalho”. Em ambos os casos, afirmou, o futuro caminha para para uma produção agrícola mais inteligente e sustentável.

“Estamos finalmente começando a entender como as plantas lidam com a informação do meio em que está inserida e como isso pode impactar em lavouras totalmente robotizadas, onde quem controla todo o processo são as próprias plantas. Se soubermos traduzir um sinal de ‘sede’, a irrigação pode ser acionada. Identificando um sinal de ataque, como fizemos no nosso trabalho, um drone caçador pode ser ativado e eliminar toda a praga antes que ela se espalhe, sem [usar] uma gota de agrotóxico. Enfim, com a tradução da informação gerada pela planta – ou seja, a planta como um biosensor – as aplicações só vão ficar limitadas à criatividade humana.”

Um resultado inesperado do experimento foi a verificação de uma diferença na atividade elétrica entre frutos verdes e frutos maduros. Mais do que isso: os cientistas conseguiram treinar uma machine learning para identificar o estágio de amadurecimento do tomate a partir apenas de seu sinal elétrico. Um novo artigo tratando especificamente disso está em processo de revisão e poderá ser publicado em breve.

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