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Sérgio Mascarenhas, um mestre renascentista
Física

por | 1 jun 2021

Maria Vicentini*

Há exatamente 13 anos saí de Salvador, deixei o trabalho na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) e me mudei para Ribeirão Preto, onde morava minha mãe, cuja idade demandava minha presença e cuidados, Ela não concordava em se mudar para a Bahia, então, fui a seu encontro.

Na busca por contatos de trabalho, Mariluce Moura, que era diretora da revista Pesquisa Fapesp, nos colocou em contato, o professor Sérgio Mascarenhas e eu. Assim, em maio de 2008 comecei com ele uma trajetória de trabalhos, ideias e aventuras pela terra do conhecimento. Eu sempre dizia que ele era o “mestre renascentista”, porque transitava com desenvoltura e embasamento teórico tanto pelas ciências duras, como pelas humanidades e pelas artes.

Detalhe da pintura “A escola de Atenas”, de Rafael Sanzio – via Flickr

Suas apresentações emblematicamente começavam pelo quadro “A Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio – com Platão apontando para o “céu” e Aristóteles para a “terra” no esforço de ilustrar que a ciência precisa de “fazejamento”. Precisa transitar do plano das ideias para o da ação prática.

Outro símbolo paradigmático a que o professor Mascarenhas sempre recorria era o deus Janus bifronte, da mitologia romana, cujas pequenas esculturas de Alfonso, aliás, ele dava de presente os palestrantes do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, campus de São Carlos (IEA-USP) que ele fundara, enquanto era seu coordenador.

O deus Janus era o exemplo que o professor Sérgio usava para falar das “duas grandes dimensões para as quais está voltada a mente”, e sempre arrematava afirmando, “uma nação que esquece o seu passado não tem futuro”, como o professor Alfredo Bosi escrevera no prefácio de seu livro, Os olhares de Janus (edição da Embrapa, em 2009). Em 2018, ele publicaria Novos Olhares de Janus (Funpec), coletânea de suas crônicas publicadas em jornais da cidade de Ribeirão Preto e uma semente para seu projeto sobre “Encontros notáveis com homens de ciência”.

Mas além das contribuições em muitos campos que fermentavam nessa mente brilhante, nos últimos anos seu conhecimento esteve intensamente voltado para a física médica, especialmente para sua pesquisa sobre o monitoramento não invasivo da pressão intracraniana, que tinha apoio expressivo da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, Fapesp, Ministério da Saúde e OPAS – Organização Panamericana de Saúde. Acompanhei todo o processo de viabilização desse projeto até a criação da empresa Braincare – que desenvolve o protótipo do aparelho em uso em diversos hospitais no Brasil, nos Estados Unidos e em Portugal.

O professor, contudo, era dono de uma mente alerta sempre disposta a novos desafios, e como sua colaboradora já em plena pandemia o ritmo intenso de trabalho continuava online. Tenho listados sete projetos e discussões em andamento dos últimos três meses e até uma solicitação da última semana. Entre eles, o projeto de telemedicina com interação não invasiva na área de gastroenterologia, o levantamento da sua colaboração com Anísio Teixeira no INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o abstract para a SBPmat (Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais), a ideia de municipalização da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) a ser discutida no Senado Federal. E um novo método para diagnóstico de hipertensão arterial com cálculo tensorial em cardiologia e neurologia. Havia o contato que ele queria urgente com Samuel Pinheiro Guimarães sobre a publicação Quinhentos Anos de Periferia. E também um projeto sobre seu encontro com Abdus Salam no ICTP (Centro Internacional para Física Teórica, na sigla em inglês) em Trieste, na Itália, com quem trabalhou durante 12 anos, e que teria como ilustrador o seu amigo Altan de Aquileia e Cesareo, da Sardenha. E ainda, em fase de conclusão, a sua última crônica, Os dois tipos de mortos.

Tudo isso, sempre acrescentando em seus e.mails: “Antes que termine meu prazo de validade nesta vida”.

 

*Maria Vicentini estudou filosofia, foi funcionária do Ceped, da Fapesb e do Instituto Anísio Teixeira, em Salvador, trabalha atualmente com edição de livros e acompanhamento de projetos e até ontem, por 13 anos, foi secretária executiva de Sérgio Mascarenhas.

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