Matheus Antonino Vaz e Mateus Bravin Lopes
Pandemia derrubou a economia mundial, e crise na saúde pública é o maior desafio para sua retomada
A pandemia de covid-19 afeta a economia em todo o mundo de várias maneiras. Depois de surgir na China e paralisar parte do país, segunda maior economia do planeta, o novo coronavírus afetou fortemente a Europa e os Estados Unidos, maior potência econômica do mundo, e seus efeitos são sentidos em todo o globo. Agora, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a América do Sul se tornou o novo epicentro da doença – região onde o vírus mais se espalha – e o Brasil é o país mais afetado.
Desde a lojinha de roupas do bairro que precisou fechar as portas e o restaurante que agora só pode vender marmitas para viagem até as grandes indústrias que precisaram dispensar seus funcionários e parar a produção, quase todos os setores foram muito afetados – cada um à sua maneira.
Um dos efeitos diretos da paralisação da economia durante a pandemia é o crescimento do desemprego. No Brasil, desde março, mais de metade da população em idade de trabalhar (14 anos ou mais) está fora do mercado de trabalho. Segundo um levantamento feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em reportagem do jornal O Globo no domingo, 14, somente 48,8% dos brasileiros em idade de trabalhar estavam ocupados na segunda quinzena de março, e 48,5% no mês de abril.
A consultoria de risco Marsh – um tipo de empresa que realiza estudos sobre economia e mercado – publicou em março deste ano um relatório sobre os efeitos de epidemias nas empresas. O relatório aponta que, apesar da pandemia de covid-19 ser, graças ao avanço da medicina, menos mortal do que outras, como a da gripe espanhola que afetou o mundo há cerca de 100 anos, seu impacto na economia mundial será muito mais forte.
Isso porque, hoje em dia, a produção da indústria é globalizada. Ou seja, é como um quebra-cabeça em que cada pecinha vem de um canto do planeta. Para um carro ser montado no Brasil, por exemplo, ele precisa de um sistema de airbag que vem do Japão, componentes eletrônicos fabricados na Alemanha e partes do câmbio feitas na França. Se uma dessas peças está em falta, toda a cadeia de produção precisa parar. Wuhan, a cidade que registrou os primeiros casos de covid-19 no mundo, é um pólo de indústrias do setor automotivo. A paralisação das atividades dessas empresas afetou toda a rede de distribuição de equipamentos e componentes necessários para a produção de carros em fábricas de outros países. Além das fábricas precisarem fechar as portas por causa das medidas de isolamento, o transporte de mercadorias está muito mais difícil, uma vez que muitos países ainda estão em quarentena.
Assim, fica ainda mais complicado importar essas peças. E, com concessionárias fechadas e clientes sem interesse em fazer um investimento alto em um carro, as vendas também caem: no Brasil, houve redução de 80% só no último mês de abril, em relação à abril de 2019. E a produção de veículos praticamente parou, caindo 99,4% no mesmo mês.
A pandemia ainda não acabou
Muita gente pensa que foi o isolamento físico que causou prejuízo na economia do Brasil e do mundo, mas na verdade é a pandemia do vírus que desestabiliza tudo e, por consequência, a produção, compra e venda de mercadorias e serviços entre os países e dentro dos países.
Oferta e demanda sofreram alterações, o número de compras de supermercado e de restaurante pela internet aumentou, assim como de equipamentos de limpeza como aspiradores de pó. Algumas atividades não pararam, são as chamadas de essenciais, e estão relacionadas com produção de alimentos, transporte, saúde, limpeza etc. Uma dessas atividades é o jornalismo, importante pela divulgação e atualização de informação, sobre coronavírus ou outros assuntos.
O problema na saúde pública é grave, os hospitais estão lotados (ou quase lotados) por causa da covid-19, há falta de leitos e filas de espera. Mesmo casos que não têm ligação com o vírus, como acidentes de trânsito, cirurgias de emergência e tratamento de câncer e outras doenças, são afetadas pela situação dos hospitais nesse cenário pandêmico. Além de tudo, há a falta de médicos e enfermeiros, o adoecimento, afastamento e até mesmo morte de alguns desses profissionais pelo coronavírus, e ainda casos de desvio de dinheiro na compra de equipamentos e na construção de hospitais de campanha, como se descobriu no Rio de Janeiro.
No Brasil, os casos continuam a crescer. Reabrir o comércio sem considerar medidas sanitárias faz com que o vírus continue infectando pessoas e diminuindo as chances dos hospitais voltarem à normalidade. É uma situação complicada, porque, com o comércio e empresas fechadas, muitas pessoas perdem sua renda, e por isso o auxílio do governo é tão necessário e urgente. Muitos países que sofreram bastante com o coronavírus estão hoje reabrindo o comércio e voltando com várias atividades. Mas isso só foi possível porque tiveram um período suficiente de isolamento físico para controle da doença. Este infelizmente não é o caso do Brasil.
O desafio de reerguer a economia
Talvez você tenha pensado que, para lidar com o problema financeiro aqui, bastaria imprimir mais dinheiro e distribuir entre a população. O problema é que, para essa medida não causar inflação, ou seja, aumento persistente do preço dos produtos, dificultando a compra de alimentos e produtos básicos, é necessário mudar a legislação e criar uma nova relação entre Banco Central, Tesouro Nacional e Casa da Moeda, um processo longo e complicado. O ministro da economia diz estar estudando junto com outros economistas a viabilidade disso, mas esta não é a solução para a crise, seria uma maneira de suavizá-la.
Alguns economistas acreditam que a queda provocada pela pandemia vai ter uma reviravolta na mesma velocidade, é o que chamam de “recuperação em V”. Assim como a letra V que tem um ponto alto na esquerda, uma descida íngreme na primeira “perninha da letra” até a parte mais baixa (o fundo do poço) e uma subida simétrica à descida na segunda perninha da letra. Alguns economistas dizem que essa subida seria mais lenta, o que levaria a um V distorcido, ou mais rápida, algo parecido com um U; outros dizem que haverá outra recaída depois da recuperação, se assemelhando à letra W, com duas recaídas e duas retomadas intercaladas. Mas fica muito difícil prever isso quando a doença está fora do controle. O cenário mais garantido de retomada da economia é em 2021, com a possível circulação da vacina pelo mundo e o aumento da atividade na economia mundial.
A transmissão viral é o problema-chave para retomada da economia. Hoje, falta uma coordenação do governo federal com os estados e municípios em busca de um método único de ação. Mesmo com o isolamento decretado, o presidente insiste em ir na contramão dos governadores e lideranças do resto do mundo e defender o isolamento apenas das pessoas em grupo de risco. As principais medidas que têm dado certo em outros países e que aqui não estão sendo realizadas são: fazer testagem em massa, isolamento físico acima de 70% e proporcionar infraestrutura para cuidar de todos os doentes. O primeiro investimento deve ser na saúde pública, que só é possível com o auxílio emergencial (para permitir o isolamento), engajamento da população e trabalho eficiente dos governos e ministério da saúde. A retomada da economia sem antes superar a crise de saúde pública é uma fantasia.
Este é o sétimo e último artigo da série “Explicando a covid-19 para adolescentes”, produzida pelo Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos. Confira os textos anteriores!
Afinal, o que é um vírus?
A origem do novo coronavírus
A batalha contra os vírus
Por que ficar em casa é a melhor maneira de controlar o vírus?
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