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A origem do novo coronavírus
Covid-19

por | 12 maio 2020

Alan Felipe e Laura Segovia Tercic

Legenda: cartum, com uma cientista negra, de cabelos presos, óculos e jaleco branco, sentada a uma bancada com um microscópio, de onde sai um balão de diálogo; dentro do balão, um coronavírus verde com rosto humano, deitado sobre um divã roxo, diz: "ainda não sei de onde eu vim, doutora", enquanto segura com a mão esquerda uma imagem com morcego e um pangolim.

Arte: Raquel Abe

Nova York parece uma parada obrigatória para os filmes de extraterrestres que pretendem contar a história de uma grande ameaça à humanidade. Talvez você já tenha visto alienígenas explodirem o Empire State em Independence Day, destruírem o metrô no MIB – Homens de Preto ou atacarem as pessoas através de um portal aberto pelo Loki no primeiro Os Vingadores.

Na vida real, Nova York de fato está sendo palco de uma invasão. A cidade já ganhou o posto de primeira no mundo em número de vítimas do novo coronavírus e o cenário das ruas vazias parece apocalíptico. Só que a ameaça não vem do espaço.

Que o novo coronavírus veio da China todos sabem, mas algumas pessoas estão criando conspirações de dar inveja aos roteiristas de cinema. Para elas o Sars-CoV-2 (nome oficial do novo coronavírus) foi criado em laboratórios chineses com a intenção de ser uma arma biológica para começar uma grande guerra. Outros ainda acreditam que o vírus foi desenvolvido pela indústria farmacêutica para poder lucrar ao vender remédios depois.

Criar um vírus novo inteiro em laboratório pode parecer ficção científica, mas a verdade é que isso é totalmente possível. Não só é possível, como já tem sido feito há tempos pela biotecnologia, área da biologia que desenvolve técnicas de manipulação genética de seres vivos para a fabricação de produtos para a agricultura, medicina, engenharia ambiental, indústria farmacêutica entre outros.

Já existiram armas biológicas na História, mas a maioria dos cientistas não usa a biotecnologia com a intenção de dominar o mundo, e sim para inserir genes em bactérias, produzir vacinas que protejam contra o vírus de alguma doença específica, entre outras atividades que fazem bem para a sociedade. E também não se cria um vírus do nada (a partir de uma lista de ingredientes como para um bolo). Esses vírus são gerados a partir de outros vírus já existentes na natureza, e aí os cientistas modificam algumas partes de seu material genético.

O material genético de vírus tem essa facilidade incrível de mudar. Bem mais fácil do que ocorrer mutações importantes em humanos (as mutações de X-men seriam impossíveis, até onde sabemos). E isso pode acontecer naturalmente ou artificialmente.

Apesar das teorias conspiratórias, pesquisas recentes já demonstraram que o novo coronavírus, o causador da covid-19, surgiu de maneira natural. Isso porque os cientistas analisaram os genes desse vírus e de seus parentes mais próximos e não encontraram nenhuma marca artificial de alteração em laboratório, o que mostra que o novo coronavírus veio a partir de algum outro na natureza de forma espontânea.

Os vírus são considerados microorganismos não-vivos que existem no planeta desde a época das primeiras células. Nem todos os microorganismos causam doenças. Alguns vêm em paz.

A maior parte das viroses que infectam humanos veio de outros animais. Ou por convívio muito próximo nosso com eles, ou por ter havido alguma mudança natural de material genético dos vírus desses animais que possibilitou que entrassem também em nossas células. Por exemplo, o HIV, que causa a AIDS, é um vírus de chimpanzés, a gripe aviária veio de aves, o vírus ebola provavelmente veio de morcegos, o vírus da febre amarela (apesar de ser transmitido por mosquitos) provavelmente veio de algum primata da África há muito tempo atrás e a MERS veio de camelos. Também existem novas variedades de vírus que surgiram dentro da própria população humana, por pequenas mutações, como acontece volta e meia com os vírus de Influenza, que causam a gripe comum. E é por isso que todo ano tem vacina nova para a gripe, em vez de só uma na vida. Porque essas pequenas mudanças fazem o vírus enganar nosso sistema imune

Não é só por mutações que é possível surgir novas variedades de vírus. Um jeito bem mais rápido de isso acontecer é quando dois tipos de vírus diferentes estão dentro da mesma célula de um animal contaminado e lá ocorre uma mistura dos materiais genéticos dos dois. Como se pegássemos peças de dois carros diferentes para formar um. É provável que tenha sido isso o que aconteceu com o vírus da gripe espanhola, em 1918, a primeira de duas pandemias de H1N1 (sendo que a segunda foi em 2009). Um porco estava ao mesmo tempo com vírus de gripe de galinha e vírus de gripe de humanos. Os dois vírus então tiveram seus genomas misturados dentro de uma das células do porco e assim surgiu um novo H1N1, capaz de nos infectar. Sim, isso também parece ficção científica, mas pode acontecer.

Os parentes mais recentes do novo coronavírus surgiram de outros coronavírus que viviam em animais, só que até hoje não se descobriu direito de qual espécie. A origem exata está sendo pesquisada e novas respostas virão com o tempo.

Alguns cientistas já suspeitam que uma variedade de coronavírus de morcegos sofreu mutações que o capacitaram a infectar o pangolim, um pequeno mamífero asiático simpático, parecido com um tatu e presente em mercados chineses. No pangolim, por sua vez, o vírus novamente se transformou e pôde afetar o ser humano. Como se fosse uma espécie de “telefone-sem-fio” biológico.

É mais comum que os vírus de animais com sistemas parecidos com o do nosso organismo, ou seja, vírus de outros mamíferos, tenham maiores chances de adaptação para nos afetar. Alguns podem então pensar que acabar com porcos, morcegos e macacos seja a solução para evitar que novos vírus surjam sem controle. Mas na verdade é justamente o contrário: respeitar o ambiente desses animais e dar o espaço necessário para que se criem na natureza diminui as chances de grandes ameaças à nossa saúde. Porque assim o contato desequilibrado com eles é evitado. Vírus novos sempre irão surgir, mas não são coisa de outro mundo.

 


Alan Felipe é jornalista e pós graduando no curso de jornalismo científico do Labjor, Unicamp.
Laura Segovia Tercic é bióloga e pós graduanda no curso de jornalismo científico do Labjor, Unicamp.

Este é  o segundo artigo da série Explicando a covid-19 para adolescentes, produzida pelo Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos.

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