Laura Segovia Tercic*
“Vírus de rico”. Esse foi um dos apelidos que o novo coronavírus ganhou quando chegou ao Brasil. Isso porque os primeiros infectados foram viajantes recém-chegados da Europa e dos Estados Unidos. Mas, à medida que a covid-19 foi se espalhando, alcançou as comunidades das periferias das cidades e outras regiões do país, onde, além de a população ter de se preocupar com o que se vai comer no dia, em ir trabalhar com tudo fechado, em estudar sem escola, e com quem vai cuidar dos mais novos da família sem a creche, ainda tem mais essa de ter que se preocupar com uma nova doença.
Para muitos economistas, esta é a pior crise desde “A Grande Depressão” de 1929, e filósofos, sociólogos e historiadores, como Lilia Schwarcz ou Lejeune Mirhan, estão dizendo que é uma crise tão grande que iniciará uma nova ordem mundial. Ou seja, o mundo será completamente transformado depois dela, inclusive dando origem a um Renascimento Digital.
Mas para quem já “come o pão que o diabo amassou” na sociedade brasileira – um ditado popular muito interessante, por sinal – esquecer o isolamento social e ir curtir um sábado à noite dançando Sem Culpa do Dukevi, sem culpa, parece o justo. Outro ditado bem interessante diz: “a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco”. Pois parece que as pesquisas das áreas das humanas estão comprovando alguns desses conhecimentos de vó.
Como essas pesquisas são feitas? Há maneiras de transformar em números aquilo que observamos em nossas casas, ruas e bairros. Isso é essencial na hora de tomar decisões importantes, como em situações de epidemias ou outras que afetam os empregos e as vidas das pessoas. Uma dessas maneiras é o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sabe quando aparece aquela moça ou moço “chato” com uma longa lista de perguntas sobre quantos moram na casa, quem é casado com quem, quem sabe ler e escrever, e muitas outras? Viram a gente do avesso, né? Só falta perguntar para que time o cachorro torce.
Essas respostas depois viram as informações e estudos que ajudam a entender quais são as regiões que têm mais chance de ser afetadas por várias situações, como pela crise do novo coronavírus .
Outras formas de gerar números para entender as situações de vida das pessoas e poder fazer algo a respeito são documentos como os boletins de ocorrência nos distritos policiais ou quando se marca entrada em postos de saúde e hospitais. Ou seja, quando os DPs registram algum crime que tenha acontecido, isso vira informação para o governo. E as informações sobre doenças – seja a covid-19, seja tuberculose, AIDS ou qualquer outra – também são melhor enxergadas pelo sistema de saúde quando são informadas.
Todos esses números podem inclusive ser traduzidos em mapas. Apesar de estar faltando muita informação sobre a pandemia (a tal da Subnotificação), já que há falta de testes e por outras dificuldades do nosso país, já temos o suficiente para saber onde há mais mortes na cidade de São Paulo, por exemplo. Como mostra o mapa abaixo.
É possível avaliar quem irá sofrer mais pelo risco de perder o emprego, pela fome e por conta da própria doença, se a pandemia não for controlada. E tudo indica que ela não será controlada se os governos liberarem cedo demais as medidas de isolamento social. Ou se não destinarem, como alguns países têm feito, vagas de hospitais particulares para quem usa a rede pública de saúde, já que os hospitais públicos estão ficando lotados.
Um estudo do grupo chamado Rede de Pesquisa Solidária usou aquelas informações que um dia foram coletadas em meio a um cafezinho com o funcionário do censo, com os agentes de saúde ou nas delegacias, e concluiu que quem está com maior risco de perder o emprego por causa da covid-19 são os que trabalham na informalidade (sem carteira assinada, vendedores ambulantes, motoristas de aplicativos tipo Uber, etc), os habitantes de regiões periféricas das cidades, os habitantes das regiões Norte e Nordeste no Brasil, as mulheres e os negros. Se for mulher negra e mãe solteira, então, aí…
Já contamos nesta série do Ciência na rua sobre o que alguns cientistas, como os que trabalham em áreas da virologia, biotecnologia, epidemiologia, bioquímica ou farmácia, podem contribuir para a compreensão e controle da doença causada pelo novo coronavírus. Mas não basta buscar informações com um cientista que sabe tudo sobre vírus ou apenas correr para os experts em vacinas e remédios. Sobre vírus de gente, é importante saber o que estão dizendo os cientistas de gente.
Para os sociólogos Graça Druck e Muniz Sodré e para o filósofo Slavoj Žižek, a crise da pandemia da covid-19 expôs algo que já existia antes: a crueldade da desigualdade social que o capitalismo promove. Mais do que expor, ela intensificou os problemas dessa desigualdade.
Então, mesmo sendo difícil, para impedir o espalhamento desse vírus cada um deve fazer o máximo que estiver ao seu alcance. Porque se a pandemia não for levada a sério por cada um individualmente, evitando os bailes-funk e outras aglomerações, e também pelos líderes do governo, aí a corda irá arrebentar. E não arrebentará igual para todos.
* Com colaboração de Mateus Bravin Lopes
Laura Segovia Tercic é bióloga e pós graduanda no curso de jornalismo científico do Labjor, Unicamp.
Este é o quinto artigo da série “Explicando a covid-19 para adolescentes”, produzida pelo Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos. Confira os textos anteriores!
Afinal, o que é um vírus?
A origem do novo coronavírus
A batalha contra os vírus
Por que ficar em casa é a melhor maneira de controlar o vírus?