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Mês das mulheres – Carmel da Silva Ramos

A terceira pesquisadora destacada na série é da área de filosofia

Foto: arquivo pessoal

Sim, claro, quem faz pesquisa em filosofia não é cientista, mas é pesquisadora num campo fundamental ao entendimento do próprio conhecimento – científico, inclusive –, em suas interrogações renovadas sobre o ser, o tempo e as instituições. Daí porque Carmel da Silva Ramos, 27 anos, doutoranda em filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integra provocativamente a lista de 10 brilhantes jovens cientistas, não stricto sensu, destacadas pelo Ciência na rua para assinalar o mês das mulheres.

E, diga-se logo, não é só por conta de seus estudos em filosofia moderna, aquela do século XVII tão vigorosamente presente nos programas de pós-graduação em filosofia de modo geral, que Carmel se junta à turma. Mas também por sua participação ativa, intensa, num esforço nacional e internacional que, há cerca de uma década, redes de filósofas vêm fazendo para incluir importantes e injustamente desconsideradas antecessoras suas no cânone filosófico.

Assim, sua tese de doutoramento, que pretende concluir neste ano, a despeito dos transtornos da pandemia, tem por título, por enquanto, “Spinoza e a questão da exterioridade. Uma leitura do Tratado Teológico-Político”. Orientada pelo professor Ulysses Pinheiro, ela se encaixa perfeitamente no declarado interesse de Carmel por “filosofia, com ênfase em ética, política e história da filosofia moderna” (como consta em seu currículo da plataforma Lattes).

“Trata-se de recuperar as discussões acerca da conexão entre o campo teológico e político desenvolvidas por Carl Schmitt, Jacques Derrida e Giorgio Agamben ao longo do século XX para reinterpretar o texto de Spinoza, publicado no século XVII. De modo amplo, a tese procura se perguntar sobre o que significa, hoje, abordar o objeto religioso”, entrega o resumo no Lattes.

Mas em paralelo, a doutoranda participa de um projeto de extensão coordenado por Carolina Araújo, professora da UFRJ e uma das fundadoras da Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, em 2020, cujo objetivo é precisamente consolidar essa rede, “por meio da participação de graduandos na pesquisa e elaboração de verbetes sobre mulheres filósofas em diferentes locais e momentos históricos”.

Vale registrar, no entanto, que já no trabalho de conclusão da graduação (TCC) e na dissertação de mestrado, Carmel, sempre sob orientação de Ulysses Pinheiro, desenvolvia suas pesquisas de olhos postos em mulheres filósofas longamente escanteadas. O TCC, “Descartes e Elisabeth: diálogos morais à luz da noção primitiva de união”, já lidava com as cartas da princesa Elisabeth da Boêmia, entre 1643 e 1649, ao filósofo do “cogito, ergo sum” (“penso, logo existo”), formato narrativo que hoje é proposto pelas filósofas feministas como legitimamente filosófico, uma vez que as mulheres não tinham então outra forma para expressar suas ideias.

A dissertação de mestrado, “Conservar a vida e não temer a morte: filosofia prática na correspondência entre Descartes e Elisabeth”, aprofundaria a análise desses escritos. E valeria uma menção honrosa para a autora no Prêmio Filósofas de destaque acadêmico de 2020, concedido pela Rede de Mulheres Filósofas em parceria com a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof).

Filha de um administrador que concluiu a universidade particular se equilibrando entre estudos, emprego e manutenção dos dois filhos pequenos, Rômulo, e de Vera Lúcia, representante comercial que agora, aos 60 anos, está finalmente na universidade, estudando Serviço Social, e irmã de Ricardo, estudante de ciência política, Carmel, nascida em Niterói, mas criada na vizinha São Gonçalo, vê a si mesma como uma legítima representante da classe média baixa. Afinal, ela observa, viajou pela primeira vez para fora do país para o estágio sanduíche de doutorado na Universidade Paris 8 – Vincennes-Saint-Denis, orientado por Charles Ramond. Diretamente da casa dos pais na pobre São Gonçalo para Paris.

É ao gosto pela leitura muito constante desde pequena, com ensino fundamental feito numa escola particular, em São Gonçalo, e, sobretudo, aos novos horizontes que lhe foram abertos no ensino médio, numa unidade nova em Niterói do tradicional Colégio Pedro II, público, que ela atribui em parte seu encaminhamento para a filosofia. O Pedro II foi mesmo um desafio, com trabalhos e provas complexos a que ela não estava acostumada, e uma enorme dificuldade, principalmente na área de exatas, no primeiro ano, em 2008. Entretanto, as coisas melhoraram no ano seguinte, e os “excelentes professores de humanidades, filosofia inclusive”, fizeram um bom trabalho.

E depois, veio a UFRJ, antenada aos novos ventos que sopravam na relação entre mulheres e filosofia, completando o caminho que permitiria a Carmel da Silva Ramos plantar bem os dois pés no campo que escolheu. Nota de fim de texto: ela lidera o lançamento, no segundo semestre, da revista Seiscentos (referência ao século XVII), segunda revista acadêmica dedicada ao período, que se somará aos “Cadernos Espinosanos”. Juntará artigos de pesquisadores seniores com outros de doutorandos, aberta a uma metodologia menos ortodoxa, sem abandonar o rigor, ela diz. A primeira terá como tema justamente filósofas do século XVII e discussão de metodologia para que elas possam entrar no cânone filosófico.

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