Elton Alisson, do Rio de Janeiro, Pesquisa para Inovação
A produção científica brasileira no campo da matemática tem ganhado projeção mundial nos últimos anos. Em 2014, o matemático brasileiro Artur Ávila conquistou a medalha Fields, a mais prestigiosa distinção da área, e em 2018, o país ingressou no grupo de elite da União Matemática Internacional (IME), ao lado das outras 10 nações mais avançadas na área.
O impacto científico das pesquisas feitas por pesquisadores vinculados ao Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), por exemplo, já é superior ao das universidades de Harvard, Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos, e a instituição é o maior centro de formação de mestres e doutores em matemática do país, de acordo com Marcelo Viana, diretor-geral da instituição.
Esse conhecimento gerado pela instituição e outras no país precisa, agora, ser incorporado ao setor produtivo brasileiro, a fim de gerar novos negócios, inovações em produtos, processos e serviços, além de empregos qualificados.
A avaliação foi feita por participantes do 1º Workshop Matemática e Indústria, realizado nos dias 13 e 14 de fevereiro no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro.
O evento foi uma iniciativa do Impa em parceria com o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e teve como objetivo apresentar às empresas as oportunidades e soluções oferecidas pela pesquisa acadêmica. Participaram pesquisadores da Petrobras, Equinor, McKinsey, Stone, Hotel Urbano, Via Varejo, Bayer, Shell e Repsol, entre outras.
Na avaliação de Viana, o Brasil tem grande potencial para tirar proveito dos benefícios que a matemática pode trazer à economia, uma vez que possui excelentes instituições de pesquisa na área.
“O Brasil dispõe de excelentes instituições e experiência no campo da matemática para realizar esse potencial. E duas dessas instituições estão representadas neste evento, que são o Impa e o CeMEAI”, avaliou.
Um dos egressos do Impa é Artur Ávila, que fez doutorado e hoje integra o quadro de professores da instituição.
“Preferimos que nossos egressos permaneçam no Brasil, mas somos uma instituição que exporta doutores para diversos países”, afirmou Viana.
Uma das contribuições que os matemáticos formados nas instituições brasileiras têm dado às empresas é fazer previsões sobre o comportamento de estruturas, como edificações, ou do escoamento de petróleo em um campo de exploração a partir da descrição de fenômenos físicos – prática conhecida como modelagem matemática.
Mais recentemente, por meio da combinação da estatística com computação de alto desempenho, os matemáticos também têm contribuído para prever processos que não têm descrição física.
“A onda de inteligência artificial que vivemos agora só foi possível em função da interação entre a computação, a matemática e a estatística”, avaliou José Alberto Cuminato, diretor do CeMEAI.
A interação entre a academia e o setor produtivo só será possível se envolver essas três áreas, apontou Cuminato.
“Por isso o nome do CeMEAI faz referência às ciências matemáticas, e não simplesmente à matemática”, afirmou.
Matemática e negócios
Inaugurado em 2011, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação na Universidade de São Paulo (ICMC-USP), campus de São Carlos, o CeMEAI foi pioneiro no país ao estimular a interação entre as ciências matemáticas e o setor industrial.
Algumas das inspirações do centro foram o University Consortium for Industrial Numerical Analysis, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, fundado nos anos 1980 e atualmente nomeado Knowledge Transfer Network (KTN), que Cuminato conheceu ao fazer doutorado na instituição, e o Fraunhofer Institute for Industrial Mathematics, na Alemanha.
“Fomos os primeiros a falar em ciências matemáticas como um negócio no Brasil, em um momento que isso soava como um palavrão”, contou Cuminato. “Aprendemos ao longo dos anos que é um nicho muito importante para ser explorado pelos matemáticos.”
Os pesquisadores do centro têm realizado nos últimos nove anos projetos com pequenas, médias e grandes empresas de diversos setores, como financeiro, de saúde, têxtil, avícola, aeronáutico e de óleo e gás. Atualmente, a principal colaboração do centro é com a Petrobras.
“Nossa meta é depender cada vez menos de recursos públicos. Conduzimos dois grandes projetos em parceria com a Petrobras, que nos trouxeram recursos equivalentes ao investido pela Fapesp no centro”, afirmou Cuminato.
Um dos projetos é voltado a aprimorar a confiabilidade de válvulas de segurança de subsuperfície (DHSV, na sigla em inglês). Componente crítico nos poços de petróleo, essas válvulas aumentam a segurança operacional na exploração do combustível ao evitar erupções ou fluxos descontrolados do poço, que podem transbordar para o meio ambiente.
Controlado da superfície, na plataforma de petróleo, o equipamento apresenta alta taxa de falha. “O objetivo do projeto é investigar a origem das falhas nesse componente, de modo a auxiliar os fornecedores a aprimorar o produto”, explicou Francisco Louzada Neto, coordenador de transferência tecnológica do CeMEAI.
O outro projeto desenvolvido em colaboração com a Petrobras é focado no planejamento da operação, simulação de testes e garantia da confiabilidade do Annelida – robô com formato semelhante ao de uma centopeia, cuja função será desobstruir dutos de petróleo.
A ideia é que, ao identificar a obstrução de um duto por hidratos ou parafina, por exemplo, o robô faça a remoção por uma reação controlada de aquecimento.
“Em suma, nosso objetivo é dar suporte matemático e estatístico às equipes de desenvolvimento do robô, medindo e garantindo sua confiabilidade”, explicou Louzada.
Unindo esforços
A parceria com pesquisadores do CeMEAI e de outras universidades e instituições de pesquisa em matemática no país tem permitido à Petrobras diminuir os custos e aumentar a aquisição de dados com confiabilidade por meio de modelagem, afirmou Danilo Colombo, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes), da Petrobras.
“A interação com a academia nos permite ter acesso a grupos com abordagem multidisciplinar e foco em análise de dados, que possibilitam extrair os melhores resultados de testes de simulação de equipamentos para perfuração e completação de poços [preparação para a produção], que são muito caros e não podem apresentar erros”, disse Colombo.
Os aportes em projetos de pesquisa colaborativos com universidades feitos pela empresa e por outras indústrias petrolíferas no Brasil ocorrem por meio da chamada “Cláusula de P&D” – política setorial que destina entre 0,5% e 1% do faturamento bruto da produção nacional de petróleo para pesquisa e inovação.
Os investimentos são fiscalizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Esses recursos, que não são públicos, mas investidos diretamente pelas empresas sem passar pelo Tesouro Nacional, aumentaram mais de 20 vezes em comparação com o montante disponível no ano em que a cláusula foi criada, em 1997”, disse Alfredo Renault, superintendente de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da ANP.
“Há um potencial enorme para ampliação dessa parceria entre universidades e instituições de pesquisa e o setor de petróleo em pesquisas relacionadas, principalmente, à redução de custos e ao aumento da segurança operacional. A seleção dos projetos passa pelo crivo da aplicabilidade”, afirmou Renault.
Celeiro de talentos
Uma das principais fontes de talentos na área no país é a Olimpíada Brasileira de Matemática, organizada anualmente pelo Impa com apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). A edição de 2019 contou com a participação de quase 20 milhões de estudantes e registrou o recorde de participação dos municípios. Apenas 16 cidades não tiveram representantes no certame por não terem escolas públicas ou privadas que ofereçam vagas na segunda fase do ensino fundamental (do sexto ao nono ano) ou no ensino médio.
“A Olimpíada Brasileira de Matemática é uma fonte inesgotável de talentos”, afirmou Viana. “Há inúmeros exemplos de carreiras de sucesso trilhadas por medalhistas dentro e fora da academia. Apenas uma minoria faz carreira em universidades, como deve ser”, avaliou.