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Mês das Mulheres – Jaqueline Godoy Mesquita
Dia internacional da mulher

por | 4 mar 2021

A matemática, natural de Roraima e professora da UnB, é a quarta pesquisadora destacada na série

Duas curiosidades, pelo menos, chamam muito a atenção na trajetória da premiada matemática Jaqueline Godoy Mesquita, 35 anos, natural de Boa Vista, Roraima, e criada desde os 5 anos em Brasília, incluindo longo período no Guará, uma das cidades satélites da capital do país. Primeiro, a longa resistência de seus pais, que a desejavam médica, à sua dedicação profissional à disciplina. “Só na defesa da dissertação do mestrado, em 2009, eles começaram, enfim, a me apoiar e hoje estão superfelizes com minha trajetória”, ela conta.

Em segundo lugar, impressiona o caráter intensamente lúdico que o desafio de resolver problemas matemáticos, em especial aqueles ligados a equações diferenciais funcionais com retardo [explicaremos adiante], tem para ela. “Penso que adoro matemática porque me sinto desafiada lidando com ela. Ao ter uma ideia e tentar prová-la com argumentos lógicos, é como se eu estivesse juntando as peças de um quebra-cabeças, completamente entretida no jogo”.

E tão mergulhada segue nesse jogar/pensar que muitas vezes dormia, acordava com uma ideia aparentemente luminosa para o problema, anotava, voltava a dormir e conferia ao levantar-se, na manhã seguinte. “Às vezes fazia sentido, às vezes não”, ela diz. O fato mesmo é que é capaz de passar muito tempo focada num problema, dias às vezes, mesmo meses. E quando a solução vem, quando chega seu “momento Eureka”, como ela chama, o sentimento de júbilo que se segue é quase inenarrável. “Nossa!!! Consegui provar!, é isso que me vem!”

Esse mergulho no problema inclui até o marido, o advogado Luís Goes Mesquita, que conheceu em Brasília e com quem se casou em 2010 – numa vida cheia de curiosidades, é apenas mais uma que ela tenha descoberto tardiamente, quando foi conhecer a família do futuro marido, que ele fora seu vizinho em Boa Vista. A inclusão dele no processo de captura da solução de um problema matemático se dá quando ela pede que ele ouça atentamente sua exposição, mesmo que não entenda nada. “É que de repente, falando com ele, vêm novas ideias para encontrar a solução que busco”, explica.

Antes de prosseguir nas pistas do relato fascinante de Jacqueline, digamos logo que ela é graduada em matemática (2007) pela Universidade de Brasília (UnB), mestra e doutora (2012) em matemática pela Universidade de São Paulo (USP- São Carlos), sob orientação da professora Márcia Federson, num programa de pós-graduação nacional altamente conceituado, o do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (com nota 7, a máxima pelos critérios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Docente do Ensino Superior, a Capes).

Ao longo dos anos da pós foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e o doutorado incluiu um estágio sanduíche na Academia de Ciências da República Tcheca, orientado por Antonín Slavík. Adiante, os estágios de pós-doutoramento aconteceriam na Universidade de Santiago do Chile, na própria USP e na Universidade Justus Liebig de Giessen, na Alemanha.

Professora no Departamento de Matemática da UnB, desde 2015, depois de ter atuado dois anos como professora na USP de Ribeirão Preto, Jaqueline inclui entre as honrarias que já recebeu o prêmio Mulheres na Ciência, na categoria matemática, concedido pela L’Oreal-UNESCO-Academia Brasileira de Ciências, em 2019. E é com muita graça que ela conta o choque que foi a notícia desse prêmio.

“Eu estava no pós-doc na Alemanha e recebi um recado de que Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências queria falar comigo. Pensei: será que eu fiz alguma coisa de errado [permitam-me, reação mais feminina, impossível!]? Liguei de volta”. E foi aí que soube que ganhara o prêmio, no último ano em que isso podia acontecer, ou seja, até cinco anos após a conclusão do doutorado. “Eu já tinha me candidatado nos anos anteriores, por isso não esperava. Foi uma imensa surpresa”, diz.

Mas ela já tivera um destaque altamente gratificante, dois anos antes, quando entrou na seleção dos 100 jovens matemáticos de todo o mundo que têm a chance de encontrar em Heidelberg os premiados com a medalha Fields (o mais célebre prêmio da Matemática) e a Abel (para quem quiser mais detalhes, vale uma visita ao Lattes de Jaqueline. Viriam depois a honraria da eleição como membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências, em 2018.

Desenvolta, fluente, Jacqueline Godoy Mesquita diz que foi uma garota retraída na escola. Foi alfabetizada em casa pela mãe, Maria Aparecida, pernambucana, formada em educação física, e aos 4 anos já sabia ler. Os pais eram ambos de Recife e mudaram-se para Boa Vista em razão de o pai, Gilson Godoy, médico, ter passado num concurso público – seria também o trabalho o motor da mudança para Brasília. Começou a frequentar a escola já em Brasília, onde morou inicialmente no Lago Norte.

As dificuldades financeiras, após a separação dos pais, levariam a família nuclear, formada pela mãe, ela e uma irmã mais velha (Jaqueline tem mais três meios-irmãos), mais adiante a se mudar para o Guará. “E mudamos muitas vezes de endereço no Guará, não tínhamos casa própria. Até o fim da graduação morei lá com a família”, ela conta.

Já no colegial no Colégio Galois, na Asa Sul de Brasília, assim batizado em homenagem ao matemático francês Évariste Galois (1811-1832), Jaqueline intensificou sua paixão pela matemática e pela física. Um anjo da guarda sob a forma de tia, Cleide Bezerra, originalmente matemática de formação, mas transformada em engenheira química por razões pragmáticas, a ajudou a vencer as resistências da família e seguir para a matemática.

Hoje, ela que pensava que seria professora de matemática no fundamental e médio, coordena seu próprio grupo de pesquisa, orienta alunos e alunas de mestrado e doutorado, e é uma das 14 mulheres num departamento na UnB que tem ao todo 70 docentes. No topo, como titular, há nesse momento apenas uma mulher. Dizer a meninas que elas podem, sim, ser matemáticas, tem mexido muito com Jaqueline. Por isso no ano passado organizou o “Primeiro Seminário de Mulheres na Ciência na UnB”. Neste ano, organizou o segundo, que começa exatamente no Dia Internacional da Mulher, segunda-feira, 8 de março. Intensificou o trabalho na comissão de gênero nas Sociedade Brasileira de Matemática e Sociedade Brasileira de Matemática Computacional.

Ah, antes de concluir: as equações com retardo, muito importantes para descrever fenômenos que não acontecem espontaneamente, prestam-se magnificamente a descrever variações num fenômeno, considerada determinada constante, e com elas construir modelos. “Por exemplo: para os que desenvolvem covid, sabemos que entre a contaminação pelo vírus Sars-CoV-2 e a apresentação de sintomas, decorre um certo tempo de incubação. Há uma constante, mas tem gente que demora mais para apresentar os sintomas e tem gente que demora menos. As equações diferenciais funcionais de retardo são muito boas para estudar e modelar essas variações”, Jaqueline explica. Só que aquilo que ela própria estuda com esse tempo de retardo são problemas teóricos. Um tanto mais difícil de deslindar nesse perfil.

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