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Humanos primitivos sabiam posicionar a lareira para obter mais calor e menos fumaça

Simulações de pesquisadores israelenses coincidiram com as escolhas dos moradores das cavernas

Reconstituição artística de humanos na Caverna Lazaret, na França (ilustração: M. A. De Lumley)

Um estudo arqueológico inovador da Universidade de Tel Aviv gerou evidências de altas capacidades cognitivas em seres humanos primitivos que viveram há 170 mil anos. Em um estudo pioneiro, os pesquisadores desenvolveram, por meio de um software, um modelo de simulação de dispersão de fumaça e o aplicaram a um sítio pré-histórico conhecido. Eles descobriram que os habitantes da caverna colocavam a lareira no lugar mais adequado – permitindo a máxima utilização do fogo para suas atividades e necessidades ao mesmo tempo em que se expunham a uma quantidade mínima de fumaça.

O estudo foi liderado pelo doutorando Yafit Kedar e por Ran Barkai, do Departamento de Arqueologia e Cultura Antiga do Oriente Próximo Jakob M. Alkow, na Universidade de Tel Aviv, e pelo pesquisador Gill Kedar. O artigo foi publicado na Scientific Reports.

Yafit Kedar explica que o uso do fogo por humanos primitivos tem sido debatido por pesquisadores há muitos anos, levantando questões como: em que ponto de sua evolução os humanos aprenderam a controlar o fogo e a iniciá-lo conforme desejavam? Quando passaram a usá-lo diariamente? Eles usavam o interior da caverna de forma eficiente em relação ao fogo? Embora todos os pesquisadores concordem que os humanos modernos eram capazes disso tudo, a disputa prossegue quanto a habilidades e capacidades de tipos anteriores de humanos.

“Uma questão importante no debate é a localização das lareiras em cavernas ocupadas por humanos atigos por longos períodos”, explicou Yafit Kedar – lareira entendida aqui como a laje sobre a qual se acende o fogo, não como o vão ligado a uma chaminé. “Lareiras com várias camadas foram encontradas em muitas cavernas, indicando que as fogueiras foram acesas no mesmo ponto ao longo de muitos anos. Em estudos anteriores, usando um modelo de circulação de ar em cavernas feito por meio de um software, junto com um simulador de dispersão de fumaça em local fechado, descobrimos que a localização ideal para exposição mínima a fumaça no inverno era o fundo da caverna. O local menos favorável era a entrada da caverna.”

No estudo de agora, os pesquisadores aplicaram seu modelo de dispersão de fumaça a um sítio pré-histórico muito estudado – a Caverna Lazaret, no sudeste da França, habitada por humanos primitivos por volta de 170 a 150 mil anos atrás. “De acordo com nosso modelo, baseado em estudos anteriores, botar a lareira no fundo da caverna reduziria a densidade da fumaça a um mínimo, permitindo que ela circulasse para fora da caverna rente ao teto”, contou Yafit Kedar. “Mas nas camadas arqueológicas que examinamos, a lareira estava localizada no centro da caverna. Tentamos entender por que os ocupantes escolheram esse ponto, e se a dispersão da fumaça foi significativamente considerada na divisão espacial da caverna em áreas de atividade.”

Para responder essas questões, os pesquisadores realizaram algumas simulações de dispersão de fumaça para 16 locais hipotéticos onde estaria a lareira dentro da caverna de 290 metros quadrados. Para cada lareira hipotética, eles analisavam a densidade da fumaça na caverna usando milhares de sensores simulados, dispostos a 50 cm 1 m e 1,5 m de altura.

Circulação do ar na caverna, frio (azul) entrando e quente (vermelho) saindo (DOI 10.1038/s41598-022-05517-z)

Para entender as implicações para a saúde da exposição à fumaça, medições foram comparadas com as recomendações médias de exposição a fumaça feitas pela Organização Mundial de Saúde. Dessa forma, quatro zonas de atividade foram mapeadas na caverna para cada lareira: uma zona vermelha que é essencialmente interditada devido à alta densidade de fumaça; uma área amarela adequada para ocupação curta de vários minutos; uma área verde adequada para ocupação longa por várias horas ou dias; e uma área azul que é basicamente livre de fumaça.

“Descobrimos que a densidade média de fumaça, baseada na medição de número de partículas por unidade espacial, é de fato mínima quando a lareira é posicionada no fundo da caverna – exatamente como nosso modelo previu”, explicaram Yafit e Gil Kedar. “Mas também descobrimos que, nessa situação, a área com densidade baixa de fumaça, mais adequada para atividade prolongada, é relativamente distante da lareira. Os humanos primitivos precisavam de equilíbrio – uma lareira perto da qual pudessem trabalhar, cozinhar, comer, dormir, socializar, se aquecer etc, estando expostos ao mínimo de fumaça. No fim das contas, quando todas as necessidades são levadas em consideração – atividades diárias vs. danos da exposição à fumaça – os ocupantes colocavam sua lareira no ponto mais adequado da caverna.”

O estudo identificou uma área de 25 metros quadrados que seria ideal para poscionar a lareira de forma a aproveitar seus benefícios e evitar exposição excessiva a fumaça. Nas várias camadas examinadas nesse estudo, os humanos primitivos de fato posicionavam a lareira nesse lugar.

Os resultados obtidos na pesquisa demonstram, por um lado, a engenhosidade dos antigos habitantes da caverna, constatada matematicamente cerca de 170 mil anos depois, e, por outro, a engenhosidade dos pesquisadores, capazes de realizar uma simulação tão precisa que coincidiu com a realidade de quem dependia daquela fogueira sem ser excessivamente perturbado pela fumaça.

Em estudos futuros, os pesquisadores pretendem usar o modelo para investigar a influência dos diferentes combustíveis na dispersão de fumaça, uso da caverna com lareira ativa em diferentes épocas do ano, uso de várias lareiras simultaneamente e outras questões relevantes.

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