O Brasil vive uma epidemia de dengue. Isso é um fato, e não há o que ser discutido. É fundamental que o país se engaje no combate aos focos de água parada, onde o mosquito Aedes Aegypti bota seus ovos. Também é fundamental que as pessoas do público-alvo tomem a vacina contra a doença. E não preciso nem citar a centralidade e a fundamentalidade de ações do poder público para combater os casos da doença. Porém não é necessário declarar “guerra ao mosquito”, como já foi feito algumas vezes e como está sendo feito dessa vez. Calma, eu explico (e, pode botar fé, eu vou falar de crise climática hoje de novo).
A dengue é uma doença já conhecida dos brasileiros. Lembro que quando era pequena eu morria de medo de pegar a doença, que pra mim era uma coisa assustadora. Lembro de sempre ver campanhas na TV sobre como era fundamental matar o mosquito, ou não deixar ele nascer, ou declarar guerra contra o Aedes. Sempre achei normal. Até, no semestre passado, eu ter uma aula sobre “securitização da saúde”, na disciplina de Saúde Global. Comecei a perceber que havia um discurso quase que de segurança nacional envolvendo um mosquito, contra seus ovos e contra suas formas de vida.
Ao declarar guerra contra o mosquito, cria-se uma ideia, uma imagem e uma noção de que o mosquito é um grande culpado, que deve ser exterminado, que ele é uma ameaça à segurança de todos. Cria-se um inimigo comum e externo, que passa a ser sistematicamente atacado. Mas será que não era o caso, por exemplo, de entender os impactos das ações do homem no aumento exponencial e significativo dos casos de dengue no Brasil? Será que ao declarar guerra contra o animal e colocá-lo como o responsável por um surto epidemiológico não se corre o risco de demonizar uma espécie que pode ser atacada? Porque, tudo bem, nesse caso é um mosquito, algo que se vê como menos relevante. Mas vocês lembram que, na época da chamada “varíola dos macacos”, as pessoas começaram efetivamente a matar os primatas, sendo que a transmissão não vinha deles? Há um risco sério nisso.
Além disso, é fundamental considerar também os efeitos da crise climática na atual epidemia que está sendo enfrentada. Não e de hoje que essa relação é discutida, como se vê neste artigo de 2008 ou neste, de 2019. O tema já foi abordado especificamente para a cidade do Rio de Janeiro, e a própria ONU já se manifestou a respeito, através do IPCC.
O que estou trazendo aqui, não é um discurso negacionista de “não vamos fazer nada, esqueçam o combate à dengue”. Pelo contrário. As campanhas, a conscientização, o trabalho para controlar o número de casos da doença, são fundamentais. Já vivemos um governo negacionista uma vez, não precisamos passar por isso de novo. O que estou trazendo aqui é que, talvez, a melhor estratégia não seja culpabilizar e securitizar um mosquito. Afinal, se não tiver foco de água parada, o mosquito não bota seus ovos, e os casos de doença diminuem. E não é o mosquito o responsável por deixar água parada, né?. E também não é o mosquito que anda por aí desmatando florestas e promovendo o crescimento desordenado de cidades.
O controle de doenças e enfermidades é fundamental. Sem dúvidas. Mas também é fundamental repensar como tratamos essas campanhas, qual recado está sendo passado, e por fim, qual o impacto das ações humanas nas situações que enfrentamos. A crise climática mostra mais uma de suas facetas, o aumento de doenças. Quanto tempo mais vão esperar para agir da forma correta? O tempo urge.
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