jornalismo, ciência, juventude e humor
Explicando ciência com monstros – entrevista com Alberto Díaz Añel

Foto: arquivo pessoal

Alberto Diaz Añel, 54 anos, é biólogo, pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, na sigla em espanhol, que é um equivalente aproximado do CNPq brasileiro) e diretor da especialização em Comunicação Pública da Ciência na Universidade Nacional de Córdoba (UNC), na Argentina.

Autor do livro Ciencia Monstruosa (da editora da UNC, sem edição digital nem tradução para português), ele decidiu recentemente adaptar o projeto para Facebook e Instagram. Poucos dias depois que anunciou que começaria a publicar, o Ciência na rua manifestou interesse em adaptar as publicações para português, com o que ele gentilmente concordou.

No último dia 23 de junho, conversamos com ele por Skype, para que contasse do que se trata o projeto, além de falar um pouco sobre comunicação científica – um termo mais contemporâneo para “divulgação científica”. Confira abaixo a entrevista.

O que é a Ciência Monstruosa?

A Ciência Monstruosa é basicamente a ciência explicada através das características particulares, especiais e únicas que têm monstros famosos da história, do cinema, da literatura, das lendas etc. Eu fiz um curso de especialização em Comunicação Pública da Ciência [na Universidade Nacional de Córdoba] e, para conseguir o título precisava fazer um trabalho final, uma espécie de pequena tese.

Gosto muito de escrever e dicidi que seria um livro. Na verdade, o livro que escrevi era sobre as células, não tinha nada a ver com monstros, nada disso, mas enquanto pesquisava para escrever, quando estava escevendo sobre neurônios – eu até pouco tempo trabalhava justamente com neurociência –, soube que Mary Shelley escreveu Frankenstein baseada em experimentos científicos de sua época, de Luigi Galvani, um pesquisador italiano do fim do século 18, que descobriu que os músculos se contraíam quando se aplicava eletricidade neles.

Ele deduziu que, no nosso corpo, a eletricidade era produzida pelos nervos. A partir desses experimentos, muita gente começou a fazer shows para o público em que pegavam um cadáver, aplicavam eletricidade, e o cadáver se movia. Com o impacto de publicidade que isso teve, chegou aos ouvidos de Mary Shelley, e ela imaginou um cientista louco que dava vida a um cadáver, e assim nasceu Frankenstein. E eu disse, “trabalho com neurociências, para contar como funciona o neurônio, começar com o tema Frankenstein e depois entremear os temas científicos é bom”.

Gosto muito de ficção científica, monstros, desde pequeno. “E se eu usar outros monstros para explicar outros temas?” Ou seja, o inverso: antes tinha o tema e o monstro, agora tenho que escolher o monstro… “Que tema uso para explicar com vampiros?”. Com vampiro foi fácil porque tem a ver com o sangue, há doenças de sangue como as anemias, dá pra falar um pouco de genética… E assim escolhi cinco monstros e distintos temas de biologia para explicar a partir da particularidade dos monstros. Por exemplo, os pelos compridos dos lobisomens, ou por que eles contagiam alguém quando mordem, um monte de coisas. Ou seja, a partir desse trabalho final surgiu o livro, que foi publicado em 2016. Depois se fez uma reimpressão no fim do mesmo ano e outra em 2019.

Você é biólogo e comunicador científico. Qual é seu trajeto acadêmico, e como e por que começou a fazer comunicação de ciência?

Meu trajeto acadêmico começou há muitos anos na Universidade de Buenos Aires (UBA). Terminei de estudar, comecei a fazer minha tese, que não tem nada a ver com isso, estudei o parasita Tripanossoma Crusis. Quando me doutorei, como quase todo mundo na Argentina, fui fazer um pós-doutorado nos Estados Unidos [na Universidade da Califórnia em San Diego], comecei a trabalhar com biologia celular, biologia molecular, e em 2005 decidi voltar à Argentina.

Pelo tema com que eu trabalhava, não voltei a Buenos Aires, me convinha mais vir a Córdoba, minha esposa é cordobesa, tinha a ver com isso também. Vim para Córdoba ser pesquisador do Conicet, para trabalhar com neurociência. E já me interessava muito pelo tema de comunicação de ciência, uma das primeiras leituras que lembro [nesta área], ainda na época do lançamento nos anos 80, foi um livro que comprei mesmo custando muito caro, o Cosmos, do Carl Sagan. E eu tinha toda a série gravada em VHS, eu era fã, adorava como o Carl Sagan explicava as coisas, eu gostaria de ser assim algum dia, poder explicar de maneira simples coisas que são muito complexas. Mas nunca tinha tido a oportunidade de ver como podia fazer, se podia me especializar nisso, me profissionalizar.

Quando voltei, em 2005, a única coisa que existia era uma oficina no Instituto Leloir sobre jornalismo científico, fiz à distância. Depois os ministérios de ciência nacional e de Córdoba [nota: nas províncias argentinas, o equivalente às secretarias estaduais no Brasil são chamadas de ministérios], os ministros, começaram a dar muita importância para a comunicação pública da ciência e começou a haver cursos, em 2008, 2009. Não eram de pós-graduação, chamavam professores, especialistas sobretudo de jornalismo científico. Fiz todos esses cursos e, a partir daí, se juntou um grupo de gente, entre eles Guillermo Goldes, e como havia uma massa importante de gente interessada nisso, Guillermo decidiu, “Por que não fazemos uma pós-graduação?”, porque no país não havia nenhuma.

E assim começou, em 2011, a primeira turma, que foi a que eu cursei, e em 2018 tive a sorte de me tornar o diretor. Guillermo foi diretor por oito anos. Obtive o título em 2013 e, a partir daí, tudo foi crescendo, e surgiu o livro em 2016. E, em um momento, pesquisa já estava me enchendo o saco, o pesquisador em vez de estar pipetando, trabalhando, fica escrevendo para pedir subsídio, escrevendo papers, informes, é muito burocrático, conseguir dinheiro para pesquisar não é fácil, o dinheiro é pouco, sobretudo aqui na América Latina, já estava cansado disso, mais coisas internas que existem nas instituições científicas, e decidi me dedicar à comunicação diretamente, de forma que há mais ou menos um ano e meio abandonei a pesquisa e comecei a trabalhar com comunicação científica.

Trabalho no Instituto Multidisciplinar de Biologia Vegetal do Conicet, onde trabalha por exemplo Sandra Díaz, que é uma referência mundial em biodiversidade, ganhadora do prêmio Astúrias [em 2019], é um instituo que trabalha muito com ecologia, biodiversidade, meio ambiente, estou como comunicador institucional lá e, a partir daí, tenho meus projetos paralelos, como esse que comecei agora.

Como livro, Ciencia Monstruosa não está em formato digital, só em papel, nem todo mundo pode acessar, aí decidi expandir um pouco – ainda que não no mesmo formato, mas um pouco reduzido –, pensei em como fazer para chegar a mais gente e disse: “bom, pelas redes sociais, é a forma que atualmente se faz”. Então decidi abrir um pouco o panorama e contarsobre ciência através dos monstros, que nem no livro, mas pelas redes sociais. Os conteúdos serão mais ou menos similares, porque agreguei o tema da pandemia, vírus, coronavírus, esse tipo de coisa.

Quais são para você os grandes desafios atuais da comunicação de ciência no mundo, na América Latina, em particular na Argentina? O que mudou com a pandemia?

Comunicar ciência sempre foi complicado, não é fácil, por isso é bom que haja pós-graduações e profissionalização. Neste momento, aqui na Argentina, mas creio que em todo o mundo, se notou muito a falta de profissionais que comuniquem ciência, sobretudo nos meios de comunicação. Aqui, durante uma época, havia jornais com seções de ciência, e essas seções foram desaparecendo, inclusive programas de televisão tinham quadros que também foram desaparecendo.

E as notícias de ciência ficaram nas mãos de jornalistas não especializados, jornalistas esportivos, econômicos, o que fosse, e basicamente dá para perceber que não têm capacidade para contar o que dizem e chutam muito, ou dão as notícias de maneira que… Bom, os meios de comunicação gostam de causar medo, gostam do mórbido, tudo isso que sabemos. Mas nessa época de pandemia foi muito notória a necessidade de jornalistas científicos. Isso de fake news, de pós-verdade, são termos novos, mas existiu a vida toda. Botaram nome, só isso.

Com a expansão das redes sociais, e como agora todo mundo é jornalista ou pelo menos comunica coisas, ficou mais perigoso o tema das fake news, é uma das coisas contra as quais mais temos que lutar, ainda mais quando tem a ver com a saúde. Não a ciência em geral. Se me dizem que há um planeta habitável a 10 anos-luz, e ele está a 100, não sei se vai afetar muito minha vida; mas se um presidente de um país muito importante diz que preciso botar um tubo de luz ultravioleta na garganta ou injetar água sanitária, é outra coisa. Ou que tenho que tomar hidroxicloquina para me curar do coronavírus… Acredito que temos que lutar com isso. Aqui começou uma luta muito pequena, mas que está crescendo, para que contratem jornalistas científicos nos meios de comunicação. São necessários. Não sei como é aí no Brasil, mas suponho que seja parecido.

Gostaria de acrescentar algo que não perguntei?

A comunicação de ciência não é um hobby porque as pessoas têm curiosidade de contar, porque a ciência é divertida. Isso faz parte, mas, em momentos como esse, é questão de vida ou morte, de saúde e doença. É importante haver profisionais que comuniquem ciência e comuniquem bem. As pessoas têm desejo de conhecer os temas científicos, não digo que todos, mas creio que este seja um dos momentos em que elas mais desejam, mais precisam e mais buscam: “Boto a máscara ou não? Quantas vezes lavo a mão? Uso álcool puro ou 70%?”. Todo esse tipo de coisas que têm a ver com ciência e têm a ver com destruir o vírus. Conhecer como o vírus funciona, como se espalha, tudo isso é importante. Então é [preciso] comunicar bem porque é importante, e, para isso, é necessário gente que entenda e saiba comunicar de maneira que todo mundo entenda, não só os colegas e profissionais.

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade