(Tradução de Celso Paciornik)
Há pouco mais de uma semana, em 9 de novembro, reportagem assinada por William J. Broad em The New York Times relatava que neste outono, depois de baixar um robô num longo cabo até o fundo do Mar Negro, uma equipe de exploradores localizou a meia milha de profundidade (cerca de 800 metros) uma embarcação medieval cujos mastros, madeiras e pranchas permaneceram intactos na escuridão por sete ou oito séculos. Graças à falta de oxigênio nessas profundezas geladas, “a multidão usual de criaturas que se refestelam com madeira submersa” permaneceu distante.
O robô iluminou os destroços com luzes potentes e tirou milhares de fotos em alta resolução, com as quais compôs um retrato detalhado da embarcação que os arqueólogos calcularam ser dos séculos 13 ou 14. Abriram assim, disse Broad, uma nova janela sobre antepassados dos veleiros dos séculos 15 e 16 que descobriram o Novo Mundo, incluindo os de Colombo. Esse navio medieval provavelmente serviu ao império veneziano, que tinha postos avançados no Mar Negro.
Até aqui não se encontrara uma embarcação desse tipo tão completa, o que inclui o tombadilho, do qual o capitão teria talvez comandado uma tripulação de 20 marinheiros. “Isso nunca fora visto arqueologicamente”, disse Rodrigo Pacheco-Ruiz, membro da expedição do Center for Maritime Archaeology da Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha.
Esse navio refere-se a apenas um dos mais de 40 naufrágios que a equipe internacional da expedição descobriu recentemente e fotografou ao largo da costa búlgara, num dos maiores achados da arqueologia de que se tem notícia. Em termos de idade, as embarcações se estendem por um milênio, do Império Bizantino ao Otomano, do século 9 ao 19. De forma geral, os navios estão em tão bom estado de conservação que as imagens revelam rolos de corda, lemes e entalhes decorativos intactos.
“Eles estão admiravelmente preservados”, disse Jon Adam, chefe do projeto do Mar Negro e diretor fundador do centro de arqueologia marítima da Universidade de Southampton. Experts independentes disseram que os anais da arqueologia em águas profundas tinham poucas descobertas de destroços tão abundantes, diversos e bem preservados, se é que têm alguma, verdadeiramente comparável.
Os bens comerciados no Mar Negro incluíam grãos, peles, cavalos, óleos, roupas, vinho e pessoas. Os tártaros transformavam cristãos em escravos que eram embarcados para lugares como o Cairo. Para europeus, o mar oferecia acesso a um ramal norte da Rota da Seda, portanto, a importações de seda, cetim, almíscar, perfumes, especiarias e joias.
Especialistas pensam que o êxito em águas búlgaras poderia inspirar outros países que controlam porções do Mar Negro a se unirem na caçada arqueológica. São eles Geórgia, Romênia, Rússia, Turquia e Ucrânia.
Durante eras, o Mar Negro foi uma via marítima que serviu aos Bálcãs, estepes eurasianas, Cáucaso, Ásia Menor, Mesopotâmia e Grécia. Ele atraiu arqueólogos por muito tempo, porque sabem que suas águas profundas são pobres em oxigênio, uma raridade nas grandes massas marinhas.
Os grandes rios do Leste Europeu – o Don, o Danúbio, o Dnieper – despejam tanta água doce no mar que se forma uma camada permanente sobre as águas salgadas mais densas do Mediterrâneo. Por consequência, o oxigênio da atmosfera, que se mistura facilmente com água fresca jamais penetra nas profundezas escuras.
Em 2002, Robert D. Ballard, um dos descobridores do Titanic naufragado, chefiou uma expedição ao Mar Negro que encontrou uma embarcação naufragada havia 2.400 anos carregada com jarros de armazenamento de argila. Um deles continha restos de um peixe grande que fora secado e cortado em bifes, um alimento popular na antiga Grécia.
Embora o nome oficial da equipe recente de exploradores seja Black Sea Maritime Archaeology Project, ou Black Sea MAP, ela também iça sedimentos atrás de pistas sobre como as águas crescentes do mar engolfaram superfícies terrestres e assentamentos humanos antigos.
Os membros da equipe listados em seu website incluem o Instituto Nacional de Arqueologia búlgaro, o Centro de Arqueologia Submarina búlgaro, a Universidade Sodertorn da Suécia e o Centro Helênico de Pesquisa Marinha na Grécia. O financiador do projeto é a Expedition and Education Foundation, uma instituição beneficente registrada na Grã-Bretanha cujos benfeitores querem permanecer anônimos. Segundo membros da equipe. O Dr. Adams, da Universidade de Southampton, líder da equipe científica, o descreveu como catalisador da parceria acadêmico-industrial do maior projeto “do gênero já empreendido”.
O projeto, que começou no ano passado, deve se estender por três anos. Os esforços começaram com um grande navio grego fazendo um levantamento preliminar. Neste ano, a embarcação principal foi o Stril Explorer, um navio de bandeira britânica com uma plataforma para pouso de helicópteros que geralmente cuida da manutenção de estruturas e dutos submersos da indústria petrolífera offshore. Neste caso, os arqueólogos no navio baixaram seus robôs sofisticados para caçar naufrágios antigos e a história de tempos remotos.
Segundo o site da equipe, cineastas estão registrando a caçada no Mar Negro num documentário. Outra parte do projeto procura compartilhar a emoção das descobertas com escolas e educadores. A equipe não deixou claro se pretende escavar os navios, tema sobre o qual,lembra William J. Broad, nações, acadêmicos e caçadores de tesouros vêm se digladiando há tempos. A Bulgária é signatária da convenção das Nações Unidas de 2001 que considera ilegal a exploração comercial da herança cultural submarina e estabelece diretrizes sobre coisas como recuperação de artefatos e exibição pública.