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Brasileira ganha o FameLab na categoria escolha do público
Divulgação científica

por | 1 dez 2020

A médica veterinária e pesquisadora Gabriela Ramos Leal cresceu em Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro

Imagem: divulgação

Carioca criada principalmente na Zona Norte do Rio, 34 anos, dona de vasto sorriso, larga simpatia e entusiasmo contagiante, a médica veterinária e pesquisadora Gabriela Ramos Leal brilhou de tal maneira na final da FameLab, comandada desde Londres pelo British Council, na tarde da quinta-feira, 26 de novembro, que conquistou o título de campeã internacional da competição pelo voto da audiência de milhares de pessoas de mais de 75 países.

Já pelos votos dos jurados, entre os 10 finalistas que superaram as peneiras nacionais nos 32 países participantes e a semifinal internacional, o vencedor foi o pesquisador Sauradeep Majumdari, da Suíça, e, empatados em segundo lugar, Rebecca Ellis, do Reino Unido, e Ahmed Maani, do Catar.

Os internautas do mundo inteiro que assistiam ao “Talk Science” tinham apenas 10 minutos após as apresentações para exercer diligentemente seu direito ao voto. E os usaram para escolher Gabriela e sua narrativa sobre a “magia” da ciência na criopreservação de embriões, com direito a comparações e referências às “princesas da Disney”, adormecidas ou não, que habitaram seu quarto na infância. Assim, o Brasil, até este ano ausente da fase internacional, saiu-se muito bem no FameLab 2020.

Mas, afinal, do que se trata? Em resumo, de uma competição entre muitas centenas de jovens cientistas sobre a capacidade de comunicar ao público não especializado, e em apenas três minutos, os dados mais importantes de um projeto de pesquisa socialmente relevante e quase sempre bastante complexo.

Ou, seja, trata-se de uma competição sobre excelência no campo da comunicação e da divulgação científica. Foi criada em 2005 pelo Cheltenham, um dos principais festivais de ciência do Reino Unido, e realizada desde então pelo British Council para justamente promover uma aproximação entre cientistas e o público, o que, segundo a instituição britânica, deve se dar com a contextualização e a abordagem de temas científicos no dia a dia da sociedade. Ao mesmo tempo, com essa proposta o FameLab incentiva entre os pesquisadores o desenvolvimento de competências de comunicação, em especial, a habilidade oral.

imagem: divulgação

O Brasil aderiu à iniciativa em 2016 e neste ano teve, na verdade, sua quarta edição, já que em 2019 não houve a competição. Só agora, de todo modo, o FameLab teve uma dimensão pública mais visível no pais, em boa parte propiciada pela parceria do British Council Brasil com a TV Cultura que, entre outros informes, em 15 de novembro exibiu a seu respeito um programa especial de uma hora. Como mestre de cerimônias, o apresentador Marcelo Tas mostrou os melhores trechos das apresentações virtuais dos jovens cientistas, algumas considerações dos jurados da semifinal e da final brasileira, o ambiente em parte presencial em parte virtual da competição e conduziu o telespectador até a sincera e extasiada surpresa de Gabriela Ramos Leal quando, finalmente, soube que era ela a vencedora do FameLab Brasil. Outros parceiros foram o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap).

A vencedora brasileira

Até o mestrado, Gabriela Ramos Leal não tinha a menor noção sobre os caminhos da pesquisa científica, segundo suas próprias palavras. Filha única de um casal simples, a mãe, Maria Cristina, técnica em contabilidade, o pai, Guilherme, com ensino fundamental completo, aquele trabalhador que “já fez de tudo um pouco, em serviços diversos, pequeno comércio, até uma mercearia no interior”, foi numa escola particular em Quintino que ela fez o fundamental e o ensino médio.

Quintino fica na Zona Norte do Rio, como outros bairros onde a campeã do FameLab morou, começando por Cascadura, lugar de nascimento, seguindo por Mangueira (Zona Central), Caxias (município da Baixada Fluminense), Del Castilho e Inhaúma. Antes de casarem e seguirem esse périplo, o pai fora morador da Tijuca e a mãe, da Vila da Penha. Ou seja, a família circulou bastante.

“Eu era criança de prédio, brincava onde dava. Amarelinha, pique-pega, bola…”, ela conta. Jogar bola, por razões de espaço, certamente era melhor na casa da avó, em Pilares, pedaço do Méier – mais conhecido que outras bairros da Zona Norte, em parte graças a um de seus mais famosos moradores, o genial Millôr Fernandes.

Foto: divulgação

Gabriela – Gabi, como a chamam os familiares e amigos – tentou o vestibular em universidades públicas ao terminar o ensino médio. “Não passei. Falei: não é para todo mundo! E fui trabalhar com serviços de inspeção veicular”. Mas passado um tempo, uma tia generosa se propôs a pagar por uma faculdade privada e lá foi ela, aos 21 anos, fazer veterinária na Unigranrio Caxias. Por que veterinária? Resposta óbvia: “Gosto de bicho”. Com detalhes: “Eu não podia ter um cachorro na infância, e isso era um sonho na minha vida. Recuperava rolinha que caía do ninho, cuidava, era muito envolvida com isso. Consegui, finalmente ter um cachorro quando mudei para Quintino”.

Já no curso de veterinária foi descobrindo as áreas que a encantavam, como reprodução, melhoramento genético, fez um TCC sobre vaca leiteira, se formou e aí veio a dura realidade do mercado de trabalho. “Eu não tinha quem me apadrinhasse para ficar tentando trabalhar só em fazenda, com gado”. Arrumou três empregos diferentes, ou seja, plantões de 24 horas em clínicas de pets, consultório e bicos. O corpo, claro, se ressentiu das poucas e irregulares horas de sono e da alimentação irregular. “Engordei muito nessa fase”.

E então, em 2012 veio o ponto de virada com a decisão de fazer um mestrado, conseguir uma bolsa, e todas as mudanças daí decorrentes. Bom lembrar que eram os anos do primeiro governo Dilma Rousseff e do programa “Ciência sem Fronteiras”.

“Sou prolixa, adoro prova discursiva e não suporto teste múltipla escolha”, diz Gabriela com seu humor contagiante e, seguramente, uma conclusão incorreta, para explicar por que passou num dos primeiros lugares na seleção de mestrado da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Eu não tinha noção de como seria, só sabia que estaria num projeto de reprodução em parceria com a Embrapa, no campus experimental Santa Mônica de gado de leite, em Vassouras”, ela conta. Vieram as aventuras: sair de casa, ir morar em Barão de Juparanã, em Valença, no casarão de uma fazenda onde morreu o Duque de Caxias, dividir apartamento com uma colega, viajar entre um município e outro com carro emprestado de colega, fazer embrião dentro de laboratório, fertilizar in vitro.

Com dois anos de mestrado, ela já tinha repertório suficiente para interrogar por que um sistema australiano de fertilização, que se mostrava excelente no país de origem, só dava resultados negativos na Fazenda Santa Mônica, com produção de um número muito menor de embriões do que o esperado. Teria oportunidade de obter respostas a essa pergunta diretamente na Austrália, num período sanduíche do doutorado, também feito na UFF.

Gabriela na Austrália (foto: arquivo pessoal)

O doutorado começou, na verdade, por um outro projeto, em razão de problemas de financiamento e dúvidas quanto ao sistema australiano. Gabriela já morava na própria fazenda dos experimentos em Vassouras, dividindo apartamento com a amiga e parceira acadêmica de todas as horas, Clara Monteiro, sem wi-fi, sem tevê, com o sinal de celular extremamente precário. Em 2017 viria a experiência de seis meses na Universidade de Adelaide, Austrália, que durou mais, entre muitas peripécias, incluindo um incêndio no abatedouro da cidade vizinha, a suspensão de pesquisas, em consequência, e a mudança para a Universidade de Queensland, em Rockhampton . “No meio do nada”, resume a irreverência de Gabriela.

O importante é que, embora o grupo de pesquisa a que originalmente se juntou tivesse outros planos para seu estágio, ela precisava e conseguiu saber por que o sistema australiano com que trabalhara falhara no Brasil.

“O sistema era mesmo maravilhoso e o nosso principal problema estava na impossibilidade de seguir todo o protocolo da produção de embriões tal como eles haviam concebido. Não tínhamos o líquido de maturação, o meio específico com cada necessidade metabólica atendida, não tínhamos os mesmos ingredientes, etc”.

Gabriela retornou em abril de 2018 da Austrália e, depois de quatro anos morando longe da família, voltou para casa, em cujas despesas seguiu sempre ajudando. Fez como tese de doutorado uma revisão bibliográfica dos compostos em meios de maturação, defendeu em março de 2019, foi muito bem avaliada, e publicou o artigo resultante na Animal Reproduction Science.

Finda a bolsa, era hora de ir, mais uma vez em busca de emprego, e ela se tornou médica contratada do Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, no Rio. Mas, como sempre há espaço vasto para o sonho em Gabriela, em 2020 ela resolveu se inscrever no Famelab, que conhecera em 2018 ao voltar da Austrália, ainda a tempo de ver a apresentação no Museu do Amanhã e dar uma mãozinha para o namorado, Túlio Goes, preparar sua apresentação. Ele terminou como semifinalista. Em 2019 não houve a competição. Em 2020, era realmente sua vez.

Com o prêmio debaixo do braço, é possível que dentro em breve haja novas mudanças no resumo do currículo de Gabriela Ramos Leal na plataforma Lattes. Sim, porque ela já está buscando um pós-doutoramento e novos horizontes de pesquisa.

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