Por Thaciana de Sousa Santos
Uma simples salinha na USP leva nossa colunista ao peso da linguagem e ao diálogo transtemporal entre Newton e Kepler
Como deixei um mistério no ar sobre a salinha do IAG, resolvi ir atrás de alguma informação, mas, infelizmente, ainda não consegui muitas. É uma salinha bem chique e acho que a Carina foi muito fiel no desenho.
Ela fica trancada e tem horário para visita, algo que eu ainda não consegui acompanhar. Fecha muito cedo e, quando estou no instituto, normalmente estou em aula.
Ao olhá-la fechada, do meu lado esquerdo tem três cadeiras de madeira, naquele estilo bem antigo, naquele marrom escuro que parece ser conservado. Dentro da sala tem algumas estantes nesse mesmo tom, com livros no mesmo tom também. Tem uma escrivaninha com um livro do Newton, a 3ª edição de Principia.
Dei uma olhadinha pela sala (por fora, claro) e percebi que tem até luvas lá dentro. Por fim, descobri que se trata de um acervo de obras raras. Por isso tem luvas, a sala fica fechada e tem visita guiada. Acho que para manter toda a estética de antiguidade, a sala não tem cores vivas, apenas tons de marrons.
Nossa, agora imagina, que loucura, né? Você está tão longe do passado, mas, ao mesmo tempo, tão perto. Um lugar tão pequeno guarda tanta história e conhecimento que nem conseguimos pensar. É ter o passado diante dos nossos olhos.
Não são só os livros de história que contam alguma história, os livros de exatas também contam uma história (não sei quanto aos livros de cálculo atualmente, porque só tem limites, derivadas e integrais, e não me parecem compor uma história muito boa). Agora, imagina um negócio aqui comigo, todos nós já ouvimos falar sobre as leis de Johannes Kepler e Isaac Newton, não é? Kepler descrevendo o movimento dos planetas, de forma empírica, e o Newton, com as suas leis da mecânica clássica e gravitação universal.
Eles não conviveram, Newton nasceu um pouco depois que Kepler morreu, mas pense se eles pudessem bater um papo sobre as suas leis! Newton tentando explicar para Kepler que existia uma causa para o movimento dos planetas, cuja velocidade é variável, e para explicar essa variação era necessária uma força agindo sobre os planetas e o Sol.
Claro que esse bate-papo aconteceu, talvez fosse mais um monólogo em que só Newton falava, mas ele ocorreu através de escritos. Atrelamos tanto a inteligência a ser bom em matemática que esquecemos como a linguagem possibilitarou toda essa passagem de conhecimento. Se não fosse esse diálogo, ainda estaríamos estagnados no tempo, e redescobrindo tudo a cada era, porque quando o maior especialista de determinada área morresse, o conhecimento ia junto.
Acho que nunca pensamos tão além nem nos tocamos sobre essa importância porque hoje temos tudo mais acessível com a internet, mas Aristóteles não tinha, e mesmo assim disseminou conhecimento com a linguagem.
Livros de exatas contêm séculos e séculos de história, claro que no fim virou tudo conta, mas antes era tudo um bate-papo. Igual a quando a gente usa o perfil de um famoso para guardar o nosso monólogo, já que ele ou ela nunca vai responder.
Era o que faziam, escreviam todos os seus pensamentos, mas diferentemente de nós, escreviam na esperança de alguém encontrá-los e resolvê-los no futuro, com recursos melhores.
A linguagem é tão importante quanto a matemática, geografia, física, biologia e astronomia, como haveria comunicação sem ela? Claro que isso evitaria muitas fake news, mas muito conhecimento seria perdido.
Thaciana de Sousa Santos, a Tatá, é estudante de graduação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e escreve semanalmente para o Ciência na Rua
