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Ig Nobel 2020: chefes de estado ganham na categoria “Educação Médica”

Bolsonaro e mais oito foram premiados por “usarem a pandemia viral da Covid-19 para ensinar ao mundo que políticos podem ter efeito mais imediato sobre vida e morte do que cientistas e médicos”

Imagem: reprodução

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, é o primeiro nome na lista de líderes políticos que conquistaram o Prêmio Ig Nobel deste ano, na categoria “Educação Médica”, por “usarem a pandemia viral da covid-19 para ensinar ao mundo que políticos podem ter efeito mais imediato sobre vida e morte do que cientistas e médicos”. Seguem-no Boris Johnson, do Reino Unido, Narenda Modi, da Índia, Andrés Lopes Obrador, do México, Alexandre Lukashenko, da Belarus, Donald Trump, dos Estados Unidos, Recep Erdogan, da Turquia, Vladimir Putin, da Rússia e Gurbanguly Berdimuhamedow, do Turcomenistão, que receberam neste ano o Prêmio.

Mais que uma blague divertida a parodiar o prêmio Nobel, como de hábito, essa escolha em particular dos editores da revista humorística Annals of Improbable Research, capitaneada pelo jornalista Marc Abrahams, soa mais como uma crítica contundente aos chefes de estados cujas decisões e escolhas políticas na gestão da crise sanitária mundial provocada pela covid-19, ideologicamente inspiradas, contribuíram decisivamente para elevar o número de mortes que a pandemia provocou até aqui. São hoje cerca de 30 milhões de casos registrados no mundo e quase 1 milhão de mortes – no Brasil, mais de 135 mil mortes e quase 4,5 milhões de casos.

Anunciado normalmente em cerimônia na Universidade Harvard, o Prêmio Ig Nobel, foi lançado em 1991, juntamente com a revista que Abrahams e colegas criaram com o propósito de chamar a atenção, de forma irreverente e irônica, para resultados de pesquisas e estudos que “antes fazem rir, e só depois, pensar”, conforme explicaram em inúmeras entrevistas. São temas insólitos, estranhos, irrelevantes, a seus olhos, que por si mesmos parecem conter forte carga de humor. Pesquisadores e grupos de pesquisa brasileiros já foram premiados algumas vezes com a “honraria” e disseram não se sentir ofendidos, mas, num certo sentido, gratificados por terem conseguido atrair uma atenção especial de uma iniciativa de crítica bem humorada.

Certamente, as decisões dos líderes premiados nesta semana não fazem rir. Assim, a concessão do prêmio transforma-se numa veemente denúncia, o que não chega a ser exatamente uma novidade. O informe oficial do prêmio lembra, a propósito, que o prêmio deste ano é o segundo Ig Nobel concedido a Lukasshenko. Ele já o conquistara em 2013 por tornar ilegal o ato de aplaudir em público, juntamente com a polícia da Belarus em razão de ter prendido um homem de um único braço por aplaudir. Ou seja, absurdos por vezes são a razão da concessão do prêmio.

Brasileiros, ironias e carapuças

O Ig Nobel foi distribuído neste ano a dezenas de pessoas em 10 categorias: Acústica, Psicologia, Paz, Física, Economia, Administração, Entomologia, Medicina, Educação Médica e Ciência dos Materiais. O Brasil conquistou um segundo prêmio na categoria de Economia, graças ao trabalho de Marco Antônio Corrêa Varella, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), junto com pesquisadores do Reino Unido, Polônia França, Chile, Colômbia, Austrália, Itália e Noruega. A razão? “Tentarem quantificar a relação entre a desigualdade da renda nacional de diferentes países e a quantidade média de beijos na boca”.

Varella nem de longe reclama do prêmio ou da justificativa apresentada pelos promotores. “Foi uma honra fazer parte da equipe premiada em economia”, diz o pesquisador que se define como um “unespiano [graduado na Universidade Estadual Paulista – Unesp] com pós na USP, com doutorado sanduíche na McMaster no Canadá”. Ele, que conheceu os colegas do grupo em congressos de sua área no exterior, pensa que o prêmio “reforça a importância da universidade pública, gratuita e de qualidade, e da internacionalização da ciência”. Para além disso, diz, “mostra também a importância da ciência básica, da comunicação científica bem humorada, e, no nosso caso, a abrangência e relevância da abordagem evolucionista aprovada ao comportamento humano”.

Explica que o estudo “apoiou a hipótese de que a tendência para o beijo na boca está mais relacionada ao fortalecimento da vinculação no relacionamento amoroso estável, em vez de apenas acessar as qualidades dos possíveis parceiros amorosos”. A equipe foi inicialmente indicada para a categoria de psicologia, mas, dado o achado de que “em países com desigualdade econômica as pessoas se beijam mais”, terminou levando o prêmio na categoria da economia.

Atualmente em estágio de pós-doutoramento no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP, Varella também não se incomoda por figurar na premiação deste ano lado a lado com Bolsonaro. “Há duas formas de se ensinar algo: pelo bom ou pelo mau exemplo”, justifica, e acrescenta em tom divertido na sequência: “Então, como tenho sobrancelha grossa, acho que a participação brasileira está bem balanceada esse ano”. Trata-se de uma alusão ao estudo de um par de pesquisadores do Canadá e dos Estados Unidos que terminou levando, de fato, o prêmio na categoria de psicologia “por desenvolver um método para identificar narcisistas examinando suas sobrancelhas”.

A premiação, na verdade, parece dispor de uma certa ambiguidade de movimentos entre a ironia e a crítica enfática, E nesse sentido vale um destaque muito especial para o Ig Nobel da Paz, conquistado pela Índia e pelo Paquistão “por terem seus diplomatas tocado sorrateiramente a campainha um do outro no meio da noite e, em seguida, fugirem antes que alguém tivesse a chance de atender a porta”.

Veja a lista completa em inglês, com links para as pesquisas. Ou, em português, na thread que fizemos no Twitter.

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