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Videogames podem trazer benefícios e prejuízos para adolescentes

Lucas Veloso, para o Ciência na Rua

Tese feita no extremo sul do Brasil mostra que os jogos podem atrapalhar adolescentes, mas também podem ajudar na saúde e educação

Foto: Kevin Malik / Pexels

O som insistente do despertador anunciou mais um dia difícil. Pela segunda vez naquela semana, um adolescente de 15 anos sentiu o peso de uma madrugada inteira jogando online. O resultado foi que perdeu a hora da escola e foi mal na prova de matemática. “Ia parar depois de só mais uma partida, mas quando vi, já era de manhã”, conta o estudante.

A situação dele não é um caso isolado. Os games ocupam um espaço central na vida dos adolescentes, trazendo tanto benefícios quanto desafios para a saúde. Esse é o tema da pesquisa de doutorado da enfermeira e professora Elisabete Zimmer Ferreira, realizada na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), na cidade gaúcha de Rio Grande, no extremo sul do Brasil, a uns 230 km da fronteira com o Uruguai.

Para entender este cenário, a tese “Games: Significados e Implicações para a Saúde Biopsicossocial do Adolescente”, investigou como os games influenciam a saúde física, mental e social dos jovens. A pesquisa combinou métodos quantitativos e qualitativos, analisando dados de 513 adolescentes da rede estadual de ensino de Rio Grande.

O primeiro passo foi um questionário digital que traçou um panorama do perfil dos jogadores e seus hábitos. Perguntas abordaram o tempo de jogo semanal, dispositivos utilizados, preferências de gêneros de games e impactos percebidos na rotina. Entre os adolescentes entrevistados, 64% foram classificados como jogadores sem problemas, enquanto 33,2% apresentaram sinais de uso problemático e 2,8% mostraram dependência significativa.

Na segunda fase, grupos foram organizados com adolescentes que relataram impactos mais evidentes do uso de games em suas vidas. Esses encontros permitiram aprofundar os relatos sobre a relação dos jovens com os jogos e evidenciar como o ambiente social e familiar influencia essa experiência. Alguns adolescentes destacaram que os jogos serviam como um refúgio emocional para lidar com dificuldades escolares e familiares, enquanto outros apontaram que sentiam dificuldade de controlar o tempo gasto nos jogos.

Pertencimento, autoestima e superação

Embora os games sejam frequentemente associados a riscos, a pesquisa de Elisabete também destacou impactos positivos na vida dos adolescentes. Os relatos indicam que os jogos podem fortalecer o senso de pertencimento, facilitar a socialização e até ajudar na superação do bullying. “Alguns adolescentes relataram que, por meio dos games, encontraram amigos e espaços onde se sentiam aceitos”, explica a pesquisadora.

Além disso, os jogos estimulam a cooperação, o raciocínio lógico e a criatividade. Jogos multiplayer, como Minecraft e Fortnite, foram mencionados por vários participantes como meios de aprender a trabalhar em equipe e desenvolver estratégias.
Para alguns jovens, especialmente os que se sentem solitários ou têm dificuldades de interação social, os games funcionam como uma válvula de escape saudável. “Um dos adolescentes comentou que sofria bullying na escola, mas que nos games encontrou amigos que o apoiavam e que se importavam com ele”, conta Elisabete. Além disso, para adolescentes com dificuldades motoras ou transtornos de ansiedade, os games podem oferecer um espaço seguro para se expressarem e interagirem sem medo do julgamento alheio.

Vício, sono irregular e isolamento

Se por um lado os games promovem conexões, por outro, o uso excessivo pode trazer prejuízos. A pesquisa identificou que muitos adolescentes negligenciam o sono, a alimentação e até a higiene para continuar jogando.

Relatos incluíram adolescentes que dormiam apenas três ou quatro horas por noite para não perderem eventos e competições. “Muitos comentaram que precisavam continuar jogando para não serem excluídos de grupos ou perderem progresso dentro do jogo”, diz Elisabete.

Outro ponto de atenção é o impacto nas relações familiares. “Muitos pais acham que o ambiente em casa é saudável, mas quando aprofundamos a análise, percebemos que há pouca interação entre os membros da família”, alerta a pesquisadora. Em alguns casos, os próprios pais também jogam em excesso, normalizando um comportamento que pode levar à dependência.

A falta de supervisão também foi um problema relatado. Alguns adolescentes mencionaram interações preocupantes dentro dos jogos online, como contato com jogadores adultos que pediam fotos ou informações pessoais, destacando a necessidade de uma maior mediação dos responsáveis.

Games na educação e saúde

Apesar dos riscos, Elisabete defende que os games podem ser grandes aliados na educação e na promoção da saúde. “A gamificação tem mostrado bons resultados no aprendizado, tornando o ensino mais interativo e interessante para os adolescentes”, afirma. Jogos educativos, como Kahoot! e Duolingo, já são utilizados para ensinar conteúdos escolares, promovendo um aprendizado lúdico e eficaz.

No campo da saúde, os games também têm sido explorados como ferramentas terapêuticas. Estudos indicam que jogos como Re-Mission, voltado para pacientes com câncer, ajudam crianças a compreenderem melhor seus tratamentos e a aderirem às terapias necessárias. Além disso, games de realidade virtual estão sendo usados para reabilitação de pacientes com AVC e para a recuperação motora de vítimas de acidentes.

Em hospitais, games têm sido usados para auxiliar na recuperação de pacientes com queimaduras e no tratamento de crianças com diabetes, ajudando-as a entender melhor sua alimentação e rotina de cuidados. Outra aplicação crescente é o uso de jogos para treinamento de habilidades cognitivas e emocionais, como no caso de aplicativos voltados para o gerenciamento de estresse.

Para pais e educadores

A pesquisadora destaca que os games não devem ser vistos como vilões, mas sim como uma atividade que exige moderação e acompanhamento. Entre suas principais recomendações estão:

  • estabelecer horários para o uso dos jogos, evitando partidas durante a madrugada;
  • estimular momentos de interação familiar fora das telas;
  • conhecer os jogos que os filhos jogam e com quem interagem online;
  • incentivar atividades ao ar livre e leitura para equilibrar o tempo de tela.

Para Elisabete, o diálogo é essencial: “Os games fazem parte da vida dos jovens e não devem ser proibidos, mas sim mediados de forma consciente. Quando há supervisão e equilíbrio, os benefícios podem ser muito maiores do que os riscos”.


Esta reportagem é parte de uma série sobre pesquisas brasileiras com temáticas relacionadas à juventude, compiladas em uma ferramenta de busca própria do Ciência na Rua, que em breve estará disponível em nosso site.

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