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Uma aventura sob medida: a construção da Pesquisa Fapesp – capítulo VIII
Divulgação científica

por | 26 set 2019

Leia aqui o capítulo VII
Leia aqui o capítulo IX

Suplementos especiais sobre o genoma humano do câncer, à esquerda, e sobre a América Latina, traduzido da revista Nature, das edições 40 e 42

 

As sete edições do Notícias Fapesp que precedem imediatamente o lançamento – enfim! – da revista Pesquisa Fapesp, com tiragens de 22 mil exemplares, parecem revelar um treinamento intensivo da pequena equipe de profissionais responsáveis pela publicação para sua nova fase. Porque, a par das então 24 a 32 páginas regulares do boletim, diversificam-se os encartes ou suplementos especiais que o encorpam. O primeiro trata do projeto Genoma câncer, da própria Fapesp (edição 40), e a ele se segue “As chances da América Latina”, tradução de um material especial da britânica Nature, que envolveu detalhadíssima negociação (edição 42). Depois, há dois especiais sobre o projeto Genoma humano calcados em entrevistas pingue-pongue dos cientistas líderes desse grande projeto de pesquisa internacional (edições 43 e 44) e, por fim, um suplemento dedicado a inovação tecnológica, com a relação de todos os projetos até então apoiados pela Fapesp nessa rubrica, que elevou para espantosas 116 o total de páginas da edição 46, a última com o nome Notícias Fapesp.

Lembro nitidamente como surgiu, meio ao acaso, a ideia do primeiro encarte. Assistíamos na manhã de 26 de março de 1999, no salão nobre da Fapesp, ao lançamento do projeto Genoma Humano do Câncer, estruturado sobre uma parceria da Fundação com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, instituição sediada em Nova York e com algumas filiais espalhadas pelo mundo, inclusive em São Paulo. O documento de cooperação assinado pelos presidentes das duas instituições, Carlos Henrique de Brito Cruz e Edward McDermott, que viera dos Estados Unidos especialmente para esse fim, previa um investimento de US$ 10 milhões, em dois anos, e a participação brasileira, através desse projeto do câncer, no projeto internacional do genoma humano.

Quando comecei a ouvir a explanação de Andrew Simpson, coordenador do projeto, acompanhando os slides que apresentava, antevi ali um material completamente pronto para que o leitor do Notícias Fapesp tivesse uma clara compreensão do que se tratava. Terminada a apresentação, falei com José Fernando Perez, a essa altura o diretor da Fundação mais diretamente envolvido com a publicação, depois com Simpson, e adiante conversei com Graça Mascarenhas, editora executiva do boletim, e com Hélio de Almeida, então já mergulhado no desenvolvimento do projeto gráfico da revista. Foi de Hélio a ideia, bem sucedida – e adotada para muitos outros encartes e suplementos posteriores – de que fizéssemos essas páginas em papel pólen para diferenciar do couchê branco fosco do Notícias que de há muito deixara para trás o offset das primeiras edições.

Especiais sobre o genoma humano, nas edições 43 e 44

A equipe que viveria a transição do boletim à revista começa a crescer timidamente no começo de 1998. Roberta Lippi, que começara a trabalhar para o boletim no final de 1996, praticamente recém formada e após breve experiência na Folha de S. Paulo em Campinas, foi aprovada um ano depois para a primeira turma de trainees da Gazeta Mercantil e decidiu, em janeiro de 1998, encarar a nova oportunidade. Seria preciso substituí-la. “Eu fazia basicamente reportagens para o boletim e lembro bem de alguns nomes de pesquisadores que entrevistei na época: doutor [Ricardo] Brentani, Mayana Zatz… Foi meu primeiro grande desafio em São Paulo”, relembra hoje a bem sucedida profissional, que depois do jornalismo econômico na Gazeta Mercantil e no Valor, entrou no campo da comunicação corporativa, passou pela Brasilprev e hoje é sócia da agência inglesa Brunswick. “Fazer jornalismo cientifico é muito desafiador, se você não entender não consegue traduzir para seu leitor”, ela diz. “Tinham muitas entrevistas que eu fazia e não conseguia entender nada (risos), porque os pesquisadores eram muito técnicos e tinham muita dificuldade de falar de uma forma mais simples. Eu apanhava bastante até entender e escrever”, ela relembra rindo.

Ficou decidido com o diretor presidente que a substituição da jovem repórter se daria não pelo caminho pouco formal tão usual de escolha de profissionais no meio jornalístico, ou seja, por conhecimento, convivência de trabalho anterior, afinidades, indicações de colegas etc., mas pelo mesmo processo formal de seleção que a Fapesp estabelecia para seus funcionários em geral, o que envolvia uma série de passos, incluindo prova escrita, entrevistas etc.

Eu já me aproximava dos 30 anos de carreira jornalística, já contratara um número bem razoável de profissionais para redações e projetos diversos, em Salvador, Brasília e São Paulo, mas jamais fizera uma seleção da natureza então proposta – nem voltaria a fazê-la. Não foi fácil: inscreveram-se, para grande preocupação de Graça Mascarenhas e minha, 40 jornalistas, vários experientes e conhecidos nossos, que disputariam uma só vaga. Naquele momento, o perfil buscado era mais o de um profissional que, a par de ser repórter com alguma estrada, tivesse também experiência de assessoria de imprensa, algo extremamente necessário à Fundação ante o ritmo fervilhante de expansão e diversificação de programas de pesquisa. Foi assim que no primeiro semestre de 1998 à equipe juntou-se Fernando Cunha, que inicialmente a integraria tanto lidando com os colegas de veículos da mídia quanto atuando como editor assistente do Notícias Fapesp. Seu cargo seria o de assessor de comunicação da Fundação de 2001 até 2018, dividindo a bola, em anos mais recentes, com outro colega.

Em abril de 1998, a equipe incorporou também Marina Madeira, que, vinda de trabalhos com Landi em seu período de diretor da Politécnica da USP, comandaria na comunicação o setor de eventos da Fundação até 2018. Ao recebê-la com imensa alegria e alívio, porque não teria mais o sofrimento de organizar qualquer evento, por menor que fosse, campo para o qual decididamente minha competência era zero, eu não tinha noção do quão longe e com que competência conduziria os eventos da Fapesp, muitos deles de altíssima complexidade.

Em paralelo, o corpo de free-lancers iria forçosamente aumentar, dadas as demandas do crescimento do Notícias em sua transição para revista. Além de Marcos de Oliveira, Claudia Izique e Carlos Fioravanti, já citados, entrariam no time de colaboradores, nesse período, os jornalistas Ana Maria Fiori, Carlos Haag, Hisato Tanaka, Marcos Pivetta, Margareth Lemos, Mário Leite Fernandes, Mauro Bellesa, Miguel Glugoski, Mírian Ibañez, Myriam Clarck, Mônica Teixeira, Otto Filgueiras, Roberto Medeiros, Thereza de Almeida, Rodrigo Arco e Flexa, Ulisses Capozzoli, Washington Castilhos e Wilson Marini. Na arte estaria como editor Moisés Dorado, a capa, com frequência seria assinada por Hélio de Almeida e, às vezes, por Luís Abreu. Nos especiais, Hélio de Almeida assinaria o planejamento gráfico, com Tania Maria dos Santos na produção gráfica. E Eduardo César chegaria nesse período na fotografia, em que se manteria até 2017.

Nesse tempo de transição, há uma nítida mudança no projeto gráfico e na paginação do boletim a partir da edição 43, com clara influência de Hélio de Almeida. O uso de cores já está bem estendido, na página 2, em vez do editorial e do expediente no pé da página, se passará a ter cartas dos leitores e, à esquerda, o editorial em quadro vertical com fundo de cor. A página 3 ganha um índice bem ilustrado, o editorial ocupa a página 4, o artigo de opinião de uma personalidade convidada vai para a 5 e, às vezes segue na 6 com ilustrações, eventualmente podendo invadir um pedacinho da 7, onde começam as notas gerais. As quatro editorias já se organizam como longamente permanecerão na revista: política científica e tecnológica, ciência, tecnologia e humanidades. E além de fotografias, ilustrações diversas, gráficos e tabelas se multiplicam pelas páginas.

Ilustração de Hélio de Almeida para o especial sobre inovação tecnológica da edição 46

No período aqui considerado, há personagens da história da revista Pesquisa Fapesp que, não fazendo embora parte do núcleo de jornalistas e profissionais de arte que a materializaram, foram fundamentais para criar condições salubres de nascimento e existência do projeto, digamos assim. É nesse caso que se incluem Ester Satiko e Jussara Greco, secretárias do presidente e do diretor presidente da Fapesp, Rodrigo Leme e, especialmente, Ivone Mendes Shigaki. Ester, profissional de enorme competência, cuidava criteriosamente da adequação da execução financeira da Comunicação, incluindo o Notícias Fapesp, enquanto o setor constituía de fato um projeto sob a coordenação do diretor presidente. Jussara tinha uma imensa disposição para solucionar rapidamente todo problema, dos mais diferentes tipos, que lhe apresentávamos. Rodrigo, hoje no gabinete do diretor presidente, Carlos Américo Pacheco, fora nos primeiros tempos um auxiliar fundamental. Já Ivone, que depois trabalharia na secretaria da presidência e hoje é secretária do diretor administrativo da Fundação, Fernando Menezes de Almeida, de 1996 até 2003 atuaria como se fosse, ela sozinha, uma equipe inteira de infraestrutura e apoio da Gerência de Comunicação, do Notícias Fapesp e, depois, da revista.

Ivone, com seu eterno ar discreto, afável e um bom humor irradiante, lembra hoje que, ao final da nossa primeira conversa sobre o trabalho, numa manhã de novembro de 1996 na pequena sala do primeiro andar onde estava a assessoria de comunicação, teria me perguntado quando eu gostaria que começasse. E impetuosamente eu lhe respondi, “hoje”. Ela explicou que não poderia, porque precisava falar antes com o professor Francisco Sales Lara, no Instituto de Biologia da USP, com quem trabalhava. Chefe compreensivo, Lara a dispensou e na manhã seguinte lá estava ela. Ao me perguntar o que eu gostaria que fizesse, recorda, eu lhe entreguei uma imensa pilha de jornais acumulados para que lesse, buscando todas as matérias publicadas sobre política científica, ciência e inovação. No final da manhã, concluíra o trabalho. Quando se pôs à minha frente para dar conta do que fizera e indagar qual era a próxima tarefa, ela conta, eu não contive o riso, e ela perguntou a razão. Seu rosto estava marcado pela tinta dos jornais, resultado do gesto de por as mãos em volta dele enquanto examinava toda concentrada o material à sua frente.

No começo trabalhamos só as duas. Na medida em que a equipe ia crescendo, as demandas a Ivone iam se ampliando. Ela era dona de uma prodigiosa capacidade de trabalho, mas, como era discreta e calma, as pessoas em volta mal percebiam e iam lhe apresentando novas demandas, que ela, solícita, ia tentando atender. Do pagamento do frila à transmissão do release via fax às redações dos veículos, do clipping diário às ligações telefônicas solicitadas pelos jornalistas, do contato com a gráfica para enviar o fotolito à busca de imagens em arquivos físicos (o Google ainda era um sonho distante), Ivone fazia tudo para a comunicação funcionar. Mais adiante, a coisa chegou a tal ponto que um dia lhe pedi que listasse todas as suas tarefas, convoquei uma reunião de equipe e apresentei a lista. O espanto geral levou à redução da sobrecarga – pelo menos temporária. “Mas eu gostava muito de trabalhar com o grupo da comunicação. Gostava do ambiente dinâmico, da movimentação, das mudanças de última hora. De alguma forma, sempre estive na Fapesp em lugares onde não há chance de mesmice”.


Para não deixar esse tão rico e entusiasmado período pré-revista sem uma pequena história ilustrativa da sintonia entre a dinâmica da Fapesp e a dinâmica do jornalismo, lembro aqui como, de última hora, a capa do boletim 42 foi redirecionada para tratar da partitura de uma ópera de Carlos Gomes, que implicou uma certa operação de emergência da Fundação. Comecemos pelo editorial, com título “Leque abrangente”:

“Para muitos, pode parecer estranho a Fapesp aprovar um projeto liberando recursos para a aquisição, em leilão, da partitura original da primeira ópera de Carlos Gomes, A Noite do Castelo, para posteriormente ser doada ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Afinal, o que isso tem a ver com uma fundação voltada para o financiamento da pesquisa científica e tecnológica?” Segue:

“Em primeiro lugar, como assinala a professora Flávia Toni, do IEB, entrevistada para a reportagem de capa desta edição, uma partitura como essa, para um musicólogo, equivale a um laboratório. A partir dela, abre-se um enorme leque de pesquisas possíveis sobre o compositor, seu processo criador e suas idéias, influências e caminhos musicais. Tarefa, não para um, mas para muitos estudiosos realizarem pesquisas científicas, tendo a arte como objeto.”

E deixemos aqui também um trechinho da reportagem de capa, “O resgate da ópera”:

“O que você faria se soubesse que um documento importantíssimo para sua área de estudos, sumido por muitas décadas, aparecera de repente e seria leiloado daí a poucos dias? Que existia a forte possibilidade de ser mergulhado no cofre de um colecionador ou especulador, perdendo-se outra vez no tempo e no espaço? Diante desse problema, o pianista e professor José Eduardo Martins, do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), recorreu à Fapesp. Deu certo. Graças a uma ação extremamente rápida e decidida, a partitura original de A Noite do Castelo, a primeira ópera de Carlos Gomes, um dos mais importantes compositores brasileiros no século 19, já está nos laboratórios do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, passando por um muito necessário processo de limpeza, e em breve estará disponível para estudos e pesquisas”.

E mais um pouco:

“O diretor científico da FAPESP, professor José Fernando Perez, demonstrou como, ao atuar com sensibilidade para garantir que a partitura de A Noite do Castelo fosse arrematada pela ECA no leilão, a Fundação não fez mais que cumprir ‘seu objetivo teleológico, que é a pesquisa’”.

O editorial, que tratava dos principais temas daquela edição, um leque variado, concluía: “Música, laranja, cimento, novos materiais são exemplos do cumprimento do objetivo teleológico da FAPESP”. Os estreitamente aferrados à burocracia dificilmente compreendem esse rigoroso cumprir a lei com sensibilidade e flexibilidade.

Leia aqui o capítulo IX

 

Última edição do boletim Notícias Fapesp

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