jornalismo, ciência, juventude e humor
Uma aventura sob medida: a construção da Pesquisa Fapesp – Capítulo V

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A experiência acumulada em redações recomendava-me fortemente, já em 1996, que começasse a pensar em formar uma pequena equipe excelente de jornalistas para desenvolver a comunicação da Fapesp com a sociedade. E, se não especializados em ciência stricto sensu, seria desejável que todos os profissionais fossem sensíveis e um tanto experientes quanto às dinâmicas – pouco conhecidas no geral da categoria – da produção do conhecimento científico e tecnológico.

Trocando em miúdos, seria bom que tivessem alguma noção do percurso que vai da pergunta bem formulada, na abordagem de um problema com possibilidades de ser respondido no âmbito da ciência, ao artigo científico que apresenta aos pares as conclusões, sempre temporárias, a que a indagação levou. Ou, em relação à tecnologia, que tivessem alguma ideia do caminho que vai da identificação de um problema que se tornou um gargalo na produção de algum bem ou serviço ou, ainda, do diagnóstico de um mecanismo que serve de freio ao imaginado desenvolvimento espetacular de um setor, à solução inovadora, seja muito leve, isto é, apenas incremental, ou disruptiva, quer dizer, capaz de provocar pequenas e grandes revoluções técnicas. Seria importante também que algo compreendessem do método científico e, sobretudo, do antídoto que ele mesmo carrega contra a pretensa perenidade ou um suposto caráter absoluto das conclusões a que dá acesso. Assim seria fácil lembrar que a verdade da ciência, mesmo que fundamental para o conhecimento avançar, é sempre provisória, temporária, precária, avessa, portanto, a dogmas.

Jornalismo é, sem apelo em contrário possível, uma produção coletiva. Trabalho de grupo. Há, decerto, estrelas e brilho próprio no fazer jornalístico, da mesma forma que na produção do conhecimento científico. Mas, por em marcha um empreendimento jornalístico, por pequeno que seja, exige ter alguma sensibilidade para agregar gente. E muito a esse respeito aprendi ao coordenar a equipe de economia da sucursal de Brasília do Jornal do Brasil, de 1985 a 1987, da qual faziam parte alguns excepcionais repórteres, daqueles prontos a varar a noite na redação, após um dia inteiro de trabalho, se necessário fosse, para solucionar buracos de informação numa matéria que julgassem imprescindível ao jornal no dia seguinte.

Lembro-me, a propósito, de uma manhã de sábado em que me chamaram da redação por volta das 7:00 horas – e eu saíra de lá mais de meia noite. José Negreiros (1949-2018), um jornalista dos mais brilhantes com quem tive o prazer de trabalhar, capaz de jogar com mestria em múltiplas posições, especialmente em política e economia, profissional sênior àquela altura, e Nelson Torreão, então um jovem e talentoso repórter, queriam que eu lesse a matéria que estavam terminando de escrever a quatro mãos antes de enviá-la à sede do jornal, no Rio. Claro que tinham autonomia para despachá-la diretamente ao editor de economia. Sentiam-se, entretanto, esgotados e já não tinham muita certeza se tudo fazia sentido, se cada período se encaixava a contento no longo texto que haviam passado a madrugada finalizando – precisavam, não exatamente de um aval da coordenadora, mas de um olhar descansado. E, como dizem em outras esferas, éramos um time, fazia parte dos acordos não escritos convocar e oferecer também esse olhar.

Não lembro do assunto da reportagem, mas tratava-se de algo relevante naquele período agitado do Plano Cruzado, em que entrevistas e conversas eram marcadas sem muitas dúvidas ou espanto em Brasília para as seis da manhã ou onze e meia da noite. O que lembro, sim, é que li o texto, ótimo, fiz uma duas sugestões, e os deixei ainda na redação para finalizar e enviar o material para o Rio a tempo de, excepcionalmente, sair no jornal de domingo, que era quase todo fechado na sexta-feira.

Diria que trago dessa experiência da sucursal brasiliense do JB a fundamental percepção de que, se ali havia protagonistas destacados e em diferentes estágios da carreira, por exemplo (restringindo-me à cobertura de economia), Teodomiro Braga e Maria Luiza Abbot, Fernando Martins e Sergio Léo, para citar apenas alguns, o funcionamento da equipe, a qualidade do trabalho jornalístico em conjunto, apresentado dia após dia nas páginas do veículo – e eu não tenho dúvida de que aquela redação de Brasília contribuía decisivamente para a alta qualidade do JB da época –, dependia, de fato, do desempenho de todos e da dinâmica estabelecida no grupo. Dito mais simplesmente, o setorista iniciante podia mesmo trazer do front em que se postara durante a tarde inteira uma informação preciosa que arredondava a reportagem finamente elaborada por um dos mais respeitados profissionais da redação. E o cochilo, por qualquer imprevista condição subjetiva de um profissional experiente podia empanar todo o possível brilho de uma edição, dado um furo monumental sofrido pelo jornal numa decisão capital de política econômica.

Uma década depois, ainda que não estivesse a refletir sobre esse aprendizado no JB no vigor de meus 34, 35 anos e, para dizer a verdade, sequer o evocasse de forma consciente, ele certamente me inspirava à distância no vagaroso trabalho de iniciar a montagem de uma equipe de comunicação para a Fapesp em que as colaborações, os “frilas”, como dizíamos e dizemos, jogariam papel importante.

Depois de Marcos de Oliveira, citado no capítulo anterior, o profissional seguinte a colaborar com o Notícias Fapesp foi Fabrício Marques, autor de uma sempre lembrada entrevista nas páginas amarelas da então muito respeitada revista Veja, em 1988, com o presidente do CNPq, Crodowaldo Pavan, em que ele atribuía papel central ao investimento em ciência e tecnologia no desenvolvimento do país. Entretanto, eu mais recentemente tivera contato com Fabrício, que adiante viria a se tornar editor especial e, em seguida, editor de política científica e tecnológica da Pesquisa Fapesp, em razão de suas boas reportagens na sucursal de São Paulo do JB sobre os mortos e desaparecidos políticos da ditadura (1964-1995), tema ao qual eu estava pessoalmente ligada. De qualquer sorte, nenhuma relação com isso teria a primeira reportagem que ele faria para o boletim de notícias da fundação – o projeto temático coordenado por Raul Maranhão, que investigava as causas da alta incidência de infarto entre transplantados de coração, foi seu objeto na edição 16.

Um pouco adiante, estando o diretor-presidente, Francisco Romeu Landi, convencido de que se tratava de real necessidade para seguir expandindo o trabalho de comunicação da Fundação, a equipe seria, pela primeira vez, ampliada: Maria da Graça Mascarenhas, que de julho de 2002 até seu falecimento, em março de 2019, seria a incansável gerente de comunicação da Fapesp, juntava-se a mim e se tornava editora executiva do Notícias Fapesp, a partir da edição 19, de abril de 1997. Roberta Lippi, uma jovem profissinal, foi contratada como repórter da publicação.

Graça era uma grande amiga, fora minha colega no primeiro ano do curso de jornalismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), antes de se transferir para a USP, e fora a primeira profissional que eu busquei quando cheguei a São Paulo, em 1989, com a missão de montar nesta cidade a nova redação da Revista Brasileira de Tecnologia (RBT), até o ano anterior funcionando em Brasília. Eu seria editora-chefe e ela editora adjunta. Torpedeada de vez a revista e dissolvida a redação no começo do governo Collor, enquanto eu me tornava editora de tecnologia da Gazeta Mercantil, ela seguia para a recém criada Globo Ciência (rebatizada adiante Galileu) e depois para a Globo Rural. Uma curiosidade desse momento é que, ao ser autorizada pela Fapesp a contratar um primeiro jornalista, inicialmente consultei Carlos Henrique Fioravanti, que eu conhecera e contratara quando montava a equipe da RBT, em 1989. Já na Gazeta Mercantil, eu o convidara a integrar a enxutíssima equipe da editoria de Tecnologia e trabalhamos juntos por algum tempo. Fioravanti demonstrou inequívoca generosidade em nossa conversa sobre a vaga no Notícias Fapesp, ao sugerir que, antes de tomar uma decisão, eu consultasse Graça sobre sua vontade de ocupar o posto, já que ela não lhe parecia muito feliz na Editora Globo àquela altura. Foi assim que a comunicação da Fundação ganhou Maria da Graça Mascarenhas pelo resto de sua vida – Fioravanti se juntaria à equipe pouco tempo depois.

Nesses primeiros passos para a formação da equipe, Cláudia Izique, hoje gerente de comunicação da Fapesp, também esteve entre os colaboradores pioneiros. Na edição 20, de maio de 1997, era dela a reportagem sobre uma nova tecnologia de produção de variedades de plantas de alto valor genético e fitossanitário que garantia mudas de citros para os pomares paulistas livres de doença. Coordenado por Marcos Machado, o projeto temático se desenvolvia no Centro de Citricultura Sylvio Moreira do Instituto Agronômico de Campinas. Cláudia, que eu conhecera na Editoria de Política da Gazeta Mercantil, seria anos depois editora de Política Científica e Tecnológica da Pesquisa Fapesp, mais tarde assessora de comunicação da Fundação e, por fim, sua gerente de comunicação.

O cuidadoso balé para a formação da equipe futura tanto da Gerência de Comunicação quanto da revista Pesquisa Fapesp mostraria todo seu sentido ainda naquele ano de 1997, em outubro mais precisamente, quando a edição 25 do Notícias Fapesp anunciaria “Um projeto para revolucionar a ciência brasileira”. Começava o trabalho com a Xylella fastidiosa, que também para a comunicação seria um enorme e gratificante desafio. Mas isso já é material para o próximo capítulo.

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