Egberto Siqueira, Edgardigital
Pesquisa avalia impacto da pandemia sobre a saúde de servidores públicos brasileiros
Dividir as horas do dia entre atividades profissionais, cuidados com a família e tarefas domésticas tornou-se um dos principais desafios para os trabalhadores em regime de home office na pandemia. No entanto, os efeitos da expansão do trabalho para dentro de casa são diferentes para homens e mulheres. Segundo resultados preliminares de uma pesquisa liderada pelo Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), que avalia os impactos da covid-19 sobre a saúde de servidores brasileiros, as mulheres realizaram, em média, 4 horas de trabalho doméstico por semana a mais do que os homens e estão, consequentemente, expostas a impactos mais negativos à saúde.
“A desigualdade de gênero implica que mulheres tenham a responsabilidade sobre o trabalho doméstico e outras atividades também não remuneradas, produzindo acúmulo com as atividades profissionais delas e uma sobrecarga maior comparadas com os homens. Logo, as mulheres estão expostas a elevadas cargas físicas e mentais de trabalho, gerando estresse crônico e comportamentos de saúde menos saudáveis”, alerta Sheila Alvim, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e coordenadora local do ELSA-Brasil.
A pesquisa ouviu 5.639 participantes, distribuídos em cinco centros de investigação. Além da Universidade Federal da Bahia, (UFBA), foram consultados servidores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Fiocruz-RJ. Cerca de 58% dos respondentes eram mulheres, com mais de 55 anos (67%) e pessoas casadas ou vivendo em união estável (61%).
No total, 76% dos participantes relataram exercer o teletrabalho durante a pandemia. Destes, 48% consideraram que as atividades profissionais dentro de casa foram maiores que o de costume e apontaram dificuldades para administração das próprias rotinas. Cerca de 1/3 dos entrevistados, por exemplo, afirmaram que nunca controlavam quando deveriam fazer um intervalo, nem mesmo eram capazes de definir em quais dias deveriam trabalhar ou estabelecer a hora de começar e terminar as atividades. Em média, 75% dos entrevistados também admitiram que o trabalho doméstico aumentou durante a pandemia.
As dificuldades para conciliação das atividades podem trazer diversos impactos para a saúde física e mental dos trabalhadores. Segundo os pesquisadores, a sobrecarga do trabalho doméstico pode causar baixa produtividade no trabalho profissional, reduz a mobilidade social e dificulta a ascensão na carreira. A situação é ainda mais crítica para as mulheres pretas, submetidas às maiores jornadas de trabalho. “A intersecção do gênero com a raça e classe social geram impactos ainda mais negativos à saúde, devido aos efeitos do racismo e discriminação”, destaca Alvim.
Os pesquisadores também buscaram identificar as principais alternativas usadas pelos participantes para aliviar a sobrecarga e os momentos de estresse na pandemia. As atividades de lazer mais comum foram: assistir televisão, filmes ou séries (52,0%); cozinhar (48,9%); escutar música (31,5%); cuidado com plantas (26,3%) e leitura (26,2%). “Essas atividades podem ter efeitos positivos na saúde mental e funcionam como pequenos momentos de escape à realidade. Porém, sabemos que as possibilidades do uso do tempo para o cuidado pessoal estão diretamente relacionadas com a carga e controle do trabalho, remunerado e não remunerado, e isso varia segundo gênero e raça/cor da pele, sendo as mulheres pretas as que possuem menor tempo para cuidar de si, com impactos negativos à saúde delas”, pondera.
As situações observadas pela pesquisa durante a pandemia devem ser comparadas com a próxima fase presencial de entrevistas e exames, a chamada quarta onda do estudo, planejada para o ano que vem. A expectativa dos pesquisadores é que as primeiras publicações científicas estejam disponíveis até o primeiro trimestre de 2022.
Os resultados preliminares do estudo suplementar ao ELSA-Brasil sobre a COVID-19, citados nesta reportagem, estão disponíveis no terceiro boletim infográfico divulgado pela equipe da pesquisa. Para acessar o documento completo, clique aqui.