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Sedimentos do fundo do mar indicam mudança nos ventos do oeste

Pesquisa complicadíssima e fascinante pode ajudar a entender efeitos do aquecimento global

Nuvem de poeira saindo da China e passando sobre as Coreias e o Japão (imagem: SeaWiFS Project, NASA/Goddard Space Flight Center e ORBIMAGE)

Os ventos do oeste (que sopram do oeste para o leste) desempenham papel importante no clima e no tempo meteorológico, influenciando, por exemplo, os padrões de chuva e a circulação oceânica. Ao longo dos últimos 40 anos, estudos têm indicado que, em vez de fluir por latitudes intermediárias do globo, como era a regra, eles têm se aproximado dos pólos, provavelmente devido ao aquecimento global.

Um estudo descrito em artigo publicado na revista Nature na quarta-feira, 6, investigou como se comportava o vento oeste em outro período de aquecimento global – esse sem qualquer responsabilidade de nossa jovem espécie –, conhecido como Plioceno, coisa de três a cinco milhões de anos atrás.

A ideia inicial dos pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, era apenas investigar como a poeira do Leste da Ásia impactava o Pacífico Norte durante o Plioceno, explicou o pesquisador Jordan Abell ao Ciência na rua, em e-mail escrito junto com sua orientadora Gisela Winckler, também autora do artigo.

Ao longo do estudo, eles perceberam que os registros com que estavam trabalhando permitiam fazer inferências sobre o mecanismo responsável pela variabilidade do vento oeste e, daí, relacionar essas informações ao atual aquecimento global. Isso porque em um determinado momento do Plioceno (entre 3 e 3,3 milhões de anos atrás), o planeta tinha níveis de concentração de dióxido de carbono na atmosfera semelhantes aos de hoje e temperaturas entre 2 e 4 graus celsius maiores do que no período pré-industrial – muito parecidas, portanto, com as projeções para um futuro próximo. Após esse aquecimento do Plioceno, o planeta passou a esfriar e as calotas de gelo polares se formaram, no período conhecido como Pleistoceno.

Comparação da posição dos ventos do oeste durante e depois do Plioceno (imagem: Abell et al., Nature 2021)

A conclusão dos pesquisadores, usando o Plioceno como análogo ao atual aquecimento, foi de que é provável que os ventos do oeste continuem se aproximando dos pólos conforme o planeta aqueça. Mas como eles concluíram isso? Com uma fascinante combinação de métodos, um mais complicado do que o outro.

Por pesquisas anteriores, era conhecido o fato de que o vento oeste leva poeira do leste da Ásia para o Pacífico Norte. Para esse estudo da Columbia, foram coletados sedimentos do leito oceânico em duas áreas, em latitudes diferentes. Coletados os sedimentos, analisava-se a presença de indicadores químicos (determinados elementos ou isótopos) e ainda um chamado indicador de fluxo constante: um isótopo extraterrestre – sim! – de hélio (Hélio-3) que cai verticalmente do espaço para a Terra em taxa constante e, portanto, caso apareça em concentrações diferentes em dois pontos, indica que algo o carregou horizontalmente. Esse indicador de fluxo constante permite aos cientistas corrigir os dados levando em conta qualquer movimentação do solo marinho – afinal são milhões de anos para que correntes marinhas ou animais tenham a chance de espalhar ao menos um pouquinho aqueles sedimentos.

Outro parâmetro levado em conta – sempre utilizando os indicadores químicos – é a produtividade de exportação, ou seja, quanto do que está na superfície marinha chega ao leito oceânico, cuja variação também pode indicar quanto sedimento estava chegando à superfície (pelo vento). Todas essas taxas são também comparadas com modelos matemáticos de dispersão de sedimentos.

Depois de todos esses cálculos, os pesquisadores constataram que, durante as fases mornas do Plioceno, os ventos do oeste, globalmente, estavam mais perto dos pólos e eram mais fracos do que nos intervalos frios posteriores. “Esperamos que os cientistas do clima considerem nossos conjuntos de dados úteis para tentar entender os efeitos da mudança climática e do aquecimento global induzido pelo homem”, explica Abell.

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