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Sapinhos da Mata Atlântica pulam desajeitados porque canais do ouvido interno são muito pequenos
Evolução

por | 15 jun 2022

Miniaturização comprometeu o controle sensorial das espécies

Exemplar da espécie Brachycephalus mirissimus (foto: Luiz Fernando Ribeiro)

“O sistema vestibular dos mamíferos é uma rede de câmaras e canais cheios de fluido dentro do labirinto ósseo do ouvido interno que é responsável pelo senso de equilíbrio e pela orientação espacial.” Esse sistema inclui dois órgãos que detectam aceleração linear e aceleração gravitacional, além de três canais semicirculares, que detectam a aceleração angular. O movimento da cabeça faz com que a endolinfa, fluido de densidade similar à da água, passe por células sensoriais ciliadas (…), iniciando um impulso nervoso. Essa informação sensória é dirigida para o sistema nervoso central, onde é usada para controlar a postura e o movimento, por meio de sinais motores aos músculos esqueléticos.”

Essa breve e quase simples explicação sobre o senso de equilíbrio e a orientação espacial – que simplificamos um pouco mais – abre o artigo Tamanho do canal semicircular limita função vestibular em sapos miniaturizados (em tradução livre), publicado na Science Advances nesta quarta-feira, 15. Assinado por oito pesquisadores, quatro deles brasileiros, o artigo explica como o tamanho diminuto do canal semicircular no ouvido interno desses pequenos sapos do clado Brachycephalus atrapalha seus saltos – e principalmente seus “pousos”.

“A miniaturização acaba acarretando muitas consequências para a ‘arquitetura’ do corpo dos bichos. Os Brachycephalus têm pernas e braços relativamente curtos, e queríamos entender melhor quais seriam essas consequências para o salto destas espécies,” contou ao Ciência na Rua o pesquisador Marcio Pie, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um dos autores do artigo. Ele entrou em contato com o pesquisador americano Rick Essner, da Universidade do Sul de Illinois, que veio ao laboratório paranaense com uma câmera de alta velocidade. “Acabamos ficando surpresos com o tanto que o salto era desajeitado.”

O movimento da endolinfa nos canais semicirculares (ou de qualquer líquido em qualquer tubo, como descreve a lei de Poiseuille) é afetado pelo comprimento e pelo diâmetro do tubo. Bons exemplos disso, pensando na circulação dos vertebrados, são a larga artéria aorta e os pequenos capilares sanguíneos, que, combinados, permitem que o sangue com oxigênio flua rápido para onde é necessário e ao mesmo tempo demore o suficiente para completar a troca gasosa. O tamanho desses sapos miniaturizados limita o tamanho – e possivelmente as funções – de seus sistemas anatômicos.

“Comparamos a relação entre o tamanho do canal em diferentes espécies de anuros [anfíbios sem cauda] de muitas linhagens diferentes pra mostrar que seu diâmetro realmente era bastante incomum. Também usamos a medida obtida contra a previsão com base na Lei de Poiseuille, que é uma propriedade de qualquer fluido e por isso deveria se aplicar para o nosso caso também.”

Em outras espécies de sapo, os saltos envolvem movimentos dos membros que permitem pequenos ajustes em sua trajetória – assim como fazem os ginastas olímpicos, explica Pie. “Eles também absorvem o impacto com os membros anteriores, retraindo os membros posteriores antes de completar a aterrisagem. Tudo isso ficou comprometido nos Brachycephalus.” Olhando o vídeo que acompanha esta reportagem, dá para notar que os sapinhos mantêm as patas de trás esticadas, caem com a cara no chão ou de costas, giram desajeitadamente. De acordo com a pesquisa, isso se deve ao fluxo insuficiente de endolinfa no sistema vestibular.

Há, no entanto, outras explicações possíveis e que não excluem a que foi encontrada pela pesquisa, por exemplo, os membros pequenos, que fazem com que a decolagem seja fraca, explica Pie. E como essas espécies que não sabem pular direito conseguiram sucesso até aqui na árdua batalha da evolução? De acordo com Pie, “uma das maneiras é que boa parte das espécies é aposemática [tem cores fortes de advertência] pela presença de uma neurotoxina muito poderosa, o que lhes daria uma proteção contra predadores.”

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