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Quase 30% dos adolescentes de São Paulo afirmam ter sofrido bullying, indica estudo

André Julião, Agência Fapesp

Levantamento feito por pesquisadores da USP com 2.702 alunos do ensino fundamental mostra ainda que 23% relataram ter sido vítima de outras formas de violência no ano anterior; consumo de álcool, relação com os pais e com os amigos foram os fatores mais associados ao fenômeno (foto: jfkeiser / Pixabay)

Em um levantamento feito com estudantes de 119 escolas públicas e particulares do município de São Paulo, 29% dos entrevistados, de ambos os sexos, disseram ter sido vítima de bullying no ano anterior. O índice dos que afirmaram ter sofrido outros tipos de violência que não se enquadram na definição de bullying foi de 23%. A pesquisa, conduzida por um grupo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), ouviu 2.702 alunos do 9º ano do ensino fundamental, com idades próximas a 14 anos.

“O que diferencia o bullying de outros tipos de violência é o caráter repetitivo e persistente. Além disso, ocorre entre pares e se sustenta em um diferencial de poder. O elo mais fraco, seja em função de sua posição social, de suas características físicas ou de algum traço de personalidade, é tomado como vítima”, explicou Maria Fernanda Tourinho Peres, professora do Departamento de Medicina Preventiva da FM-USP e uma das coordenadoras do estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os dados indicam que o bullying psicológico ou verbal (“ofensas, sarros e risos”) foi mais frequente (17,5%) do que aquele que envolve agressão física (3,7%). Do total de adolescentes, 6% disseram ter sofrido bullying de conotação sexual.

O “roubo com violência” foi a mais prevalente (15,3%) entre todas as outras formas de violência mencionadas, enquanto a “violência sexual” (1,7%) foi a menos frequente.

Além disso, 15% dos jovens admitiram ter praticado bullying com colegas (19% se considerados apenas os meninos), enquanto 19% disseram ter cometido atos de violência (23% se considerados apenas os meninos e 21% entre estudantes de escolas particulares). Agressão física (cortes, chutes, machucados etc.) foi a forma mais frequente (12,7%) de violência praticada. Apenas 1% relatou ter cometido violência sexual. O índice dos jovens que declararam ter sido tanto vítima quanto praticante de bullying ficou em torno de 10% e, no caso de outros tipos de violência, foi de 7%.

“Fizemos um diagnóstico da prevalência do envolvimento de adolescentes com situações de violência e bullying a fim de estudar fatores de risco e fatores de proteção associados. A ideia é obter subsídios para o desenvolvimento de programas de prevenção centrados principalmente nas escolas”, explicou Peres à Agência Fapesp.

O trabalho foi conduzido no âmbito do Projeto São Paulo para o desenvolvimento social de crianças e adolescentes (SP-PROSO), também coordenado por Manuel Eisner, do Violence Research Centre da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Além da Fapesp, financiaram o projeto a Academia Britânica e o Fundo Newton. Levantamentos semelhantes já haviam sido feitos em cidades como Montevidéu, no Uruguai, e Zurique, na Suíça.

Fatores de risco e proteção

A análise dos resultados de São Paulo indica que o consumo de álcool pelos adolescentes, o perfil da relação parental e do grupo de amigos são os fatores mais relacionados à ocorrência de bullying e violência no grupo estudado.

De acordo com os pesquisadores, as chamadas “práticas parentais negativas”, como disciplina por meio de violência e brigas recorrentes entre os pais, representam fatores de risco para o envolvimento dos adolescentes com bullying e violência – tanto como vítimas como também praticantes.

Maior prevalência de bullying e violência (como vítima e praticante) foi observada entre adolescentes que fazem parte de grupos cujos membros cometem atos transgressores (que vão desde colar na prova e cabular aula até pichação, venda de drogas, roubo e furto de veículos), consomem mídia violenta e de conteúdo adulto, realizam atividades de lazer noturnas e transgressoras.

Por outro lado, o envolvimento positivo dos pais na vida dos jovens foi associado a níveis mais baixos de bullying e violência, assim como o apoio social dos amigos e um ambiente escolar ordenado e não violento.

Quando se avalia o total de entrevistados, o índice dos que afirmam ter consumido, no ano anterior, alguma droga depressora do sistema nervoso central, como álcool, é de 59%. Já entre aqueles que cometeram ou sofreram bullying o índice chega a 70,5%. Para surpresa dos pesquisadores, na amostragem geral, o consumo maior foi relatado entre as meninas (65% contra 54% entre os meninos). Dentre as que sofreram bullying, 73,6% relataram ter feito uso de álcool no ano anterior.

“Embora alguns estudos apontem nessa direção, a maioria diz que são os meninos que mais consomem álcool. De fato, algo singular está acontecendo e ainda não temos como explicar”, disse Peres.

Os resultados da pesquisa já foram apresentados em dois workshops aos diretores das escolas participantes, gestores do ensino municipal e estadual e outros profissionais de ensino e saúde. Um terceiro evento será realizado ainda no primeiro semestre de 2020 com o intuito de conhecer práticas de sucesso já implementadas e avaliadas em outros países, que possam ser adaptadas para a realidade das escolas de São Paulo.

“O objetivo agora é tentar implementar programas que já se mostraram eficazes em outros contextos, com foco no clima e no ambiente escolar. Intervenções direcionadas às relações e práticas parentais também são promissoras. Temos um diagnóstico aprofundado. Agora, podemos adaptar práticas que já funcionaram lá fora à nossa realidade”, disse Peres à Agência Fapesp.

Em 2018, o Brasil tornou-se signatário da Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e se comprometeu a desenvolver um plano para a resolução do problema no país.

Recentemente, a cidade de São Paulo se tornou a primeira do mundo a assinar a parceria. Com isso, espera-se um apoio ainda maior para implantar medidas que possam reduzir a ocorrência de bullying e violência entre os adolescentes.

O SP-PROSO seguiu a metodologia Inspire, conjunto de recomendações elaboradas por um grupo de organismos internacionais como a Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial, entre outros.

O relatório completo pode ser acessado em: https://sites.usp.br/sp-proso/wp-content/uploads/sites/526/2019/06/relatorio_sp_proso_26_05_2019.pdf.

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