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“Precisamos construir mais redes de mulheres na ciência”

Foto da home: PNUMA
Tradução da entrevista: Tiago Marconi

 

A afirmação do título é de Joyce Msuya, diretora executiva interina do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Na comemoração do Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência (11 de fevereiro), o site do PNUMA publicou esta entrevista, que traduzimos e reproduzimos abaixo.

 

Por quê ciência?

Nasci em Dar Es Salaam, Tanzânia, com raízes familiares em Usangi, perto do Monte Kilimanjaro. Eu tive sorte. Meus pais eram líderes comunitários na nossa vila, educados em finanças e economia na Tanzânia antes da independência. Não eram cientistas, mas tinham uma visão clara para todos os seis filhos – que todos estudaríamos ciência. Então, foi meio que um empurrão seguido por encorajamento. Eles acreditavam firmemente que precisávamos de bases científicas sólidas para poder analisar o mundo e fazer o que quiséssemos. Acreditavam que a ciência fornecia fundações analíticas sólidas e flexibilidade para perseguirmos carreiras científicas ou não científicas mais tarde. Sou grata pela visão dos meus pais sobre ciência para seus filhos e filhas.

Éramos uma família incomum, comparada com a norma na África Oriental naquela época. Alguns dos meus irmãos agora são médicos, engenheiros, contadores, e tenho uma irmã que é auditora de sistemas de tecnologia da informação. Muita gente comentava que não era “a profissão certa para mulheres”, mas fui atraída pela ciência porque eu era curiosa. E não importa o que mais eu faça na vida agora, acho que tenho essa tendência de cutucar pessoas e ideias um pouco mais do que o usual.

Quão difícil foi crescer na África Oriental interessada em ciência?

Nos anos 1970 e 80, quando estava crescendo, havia muitas boas escolas missionárias que tinham uma sólida base científica. Mas não era comum para uma garota estudar física, química e biologia. Tive uma diretora e mentora maravilhosa, Mama Kamm, que acreditava que as garotas deveriam estudar ciência. E culinária. E costura! E fiz graduação em imunologia e bioquímica. Mas ficou claro para mim o quanto essa área era dominada por homens quando fui a competições ou eventos científicos e me vi com das poucas mulheres participantes. Pareceu desalentador na época, mas me ajudou a construir a resiliência que eu depois precisaria para trabalhar em outros ambientes dominados por homens. Isso e crescer com quatro irmãos em uma família que me permitia competir com eles.

Que obstáculos você enfrentou quando saiu da Tanzânia?

Fui para Glasgow, Escócia, atrás de um bacharelado em ciência, e descobri que havia poucas mulheres estudando ciência na universidade, menos ainda vindas da África. Então, lá, me tornei uma jovem cientista mulher africana. Isso me isolava, e eu realmente não tinha ninguém em quem me espelhar. Essa foi uma das partes mais difíceis de buscar fazer ciência. Quando me mudei para o Canadá para estudar microbiologia e imunologia, estava claro que eu tinha que trabalhar muito mais duro do que meus colegas homens porque as expectativas eram muito mais baixas para mim, como uma mulher africana. Também aprendi que eu precisava desenvolver minhas próprias redes de apoio para minha ambição científica. Por estar no exterior, tinha que estar aberta a fazer networking com pessoas que não eram da Tanzânia: meu interesse em ciência se tornou o cimento de algumas das relações que construí então.

Quais percepções precisam mudar para que mais meninas e mulheres escolham uma carreira científica?

A percepção da família é tudo. Eu tive sorte, mas não muitas têm. Segundo, a percepção dos seus pares. Muito do que você se torna na vida é influenciado pelas pessoas à sua volta em seus anos de formação. Terceiro, pressão social é um grande obstáculo. Como você é percebida pelos seus vizinhos, amigos ou professores? Acho que, como uma menina na ciência, você tem que encontrar um jeito de perseverar a despeito desses três níveis de pressão. É importante encontrar como construir redes de mulheres como você, e chamá-las para apoio e reafirmação. Muitas das minhas colegas no internato onde cresci dirigem instituições científicas importantes na Tanzânia, e, mesmo hoje em dia, não importa onde no mundo eu esteja, procuro esse grupo de amigas para pedir apoio. Nossa diretora Mama Kamm transformou a agenda de ciência e meninas na Tanzânia – ainda nos voltamos para ela como inspiração e admiração. Temos nossa própria corte de mulheres que estudaram ciência. Mas você precisa lembrar que sua rede tem que incluir homens, porque, como mulheres, podemos aprender com eles e também contar com eles como nossos defensores para mudar algumas concepções erradas a respeito de meninas e ciência. Por exemplo, no meu caso, observei cedo que meus pares homens tendiam a questionar autoridade e decisões muito mais do que eu. Quando saí da Tanzânia para estudar ciência, nunca me ocorreu perguntar por quê meu artigo não tinha sido publicado, mas um homem nunca vai fugir de fazer essa pergunta. Decidi aprender com esses colegas e ajustei meu comportamento profissional de acordo com isso.

Como fazer para que mais meninas e mulheres escolham a ciência como carreira?

Você tem que abordar a insegurança, porque as expectativas das mulheres são frequentemente muito diferentes e mais baixas do que as dos nossos pares masculinos. Precisamos ter mais exemplos para seguir. Quando eu estava crescendo, não havia muitas mulheres para quem eu pudesse olhar e pensar “quero ser que nem ela”. Mas a tecnologia tornou achar esses exemplos muito mais fácil hoje em dia. Temos que usar nossas histórias pessoais para inspirar meninas. A ciência me forneceu o DNA fundamental para fazer qualquer coisa na minha vida. Então, comecei minha carreira como pesquisadora, depois desviei para saúde pública e políticas de saúde pública e, hoje, para meio ambiente. Foi minha base científica que tornou isso possível. É isso que eu realmente aprecio no meu novo cargo no PNUMA: fornecemos informações para a agenda ambiental global através de trabalho baseado em ciência. E assim, a curiosidade continua.

Que oportunidades oferece a ciência ambiental?

A ciência ambiental é um campo em rápida expansão, e, conforme nossa atenção às questões ambientais aumenta, existem mais opções de carreiras na área para meninas e mulheres. Você pode buscar um bacharelado em saúde pública e decidir focar em poluição ambiental, por exemplo. Então há muito mais oportunidades e opções. Para mulheres, a vida nunca é simples, não importa o quanto tentemos – somos muito mais nuançadas em nossa abordagem a praticamente qualquer coisa, inclusive ciência. Por isso sinto que a ciência ambiental só vai se fortalecer se tivermos mais mulheres pesquisando, porque frequentemente trazemos o ponte de vista humano à ciência. Para fazermos diferença nesse campo, temos que partir das (e pensar nas) pessoas e na humanidade – os aspectos sociais do meio ambiente são igualmente importantes. São oportunidades estimulantes para meninas e mulheres!

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