por Mariluce Moura; ilustração de Nara Lacerda
Os OVNIs derrubados no início do mês na América do Norte falam de tensas relações internacionais mais que de hipotética e fascinante vida extraterrestre
Veículos jornalísticos sérios do mundo inteiro, especializados ou não em defesa, vida e inteligência extraterrestres e em ciência e tecnologia, ainda se esforçavam, na semana passada, para oferecer relatos consistentes sobre quatro objetos voadores abatidos num intervalo de 10 dias por jatos americanos, quando o governo dos Estados Unidos tratou de esfriar o assunto, O próprio presidente Joe Biden, depois de justificar a derrubada de um deles, hipoteticamente um balão espião chinês que invadiu o espaço aéreo de seu país de forma “inaceitável”, disse na sexta-feira, 17, que os outros três provavelmente pertenciam a empresas privadas ou instituições de pesquisa e estavam aparentemente ligados a “propósitos benignos”. Leia-se, pesquisas climáticas ou meteorológicas.
No começo desta semana – para o Brasil, de atenção dividida entre o animado carnaval pós pandemia e a imensa tragédia espalhada no litoral norte de São Paulo – a cena internacional foi movimentada pela visita de Biden a Kiev, por seus encontros com os aliados da Otan para tratar da guerra entre Rússia e Ucrânia, que completa um ano nesta sexta-feira, 24, e pela visita de Wang Yi, principal conselheiro de política externa do líder chinês Xi Jinping, ao presidente russo Vladimir Putin. Assim, o ambiente não parecia muito acolhedor ao tema dos OVNIs no espaço aéreo da América do Norte.
O Pentágono resolveu, entretanto, esquentar de novo o assunto, divulgando na quarta, 22, uma selfie tirada pelo piloto de um de seus aviões espiões enquanto sobrevoava o balão chinês antes de ser abatido. “A selfie foi feita de dentro da cabine de um avião espião U-2, enquanto líderes militares monitoravam o avanço do balão de alta altitude sobre o território americano. Pequim insiste que o balão era um dispositivo com fins meteorológicos que se perdeu. Mas Washington diz que o balão fazia parte de um extenso programa de inteligência chinês de coleta de dados”, relatou, nesta quinta-feira, Sam Cabral, da BBC News em Washington.
Difícil afirmar o que o Departamento de Defesa dos EUA exatamente pretende com a imagem fotográfica, mas enquanto se busca entender para onde a escalada da tensão internacional fortemente alimentada pela guerra Rússia-Ucrânia conduz o mundo, não é má ideia ocupar um tantinho de tempo de lazer com Morgan Freeman e Ben Affleck em A soma de todos os medos (The sum of all fears no título original). Certo, o filme é de 2002, é cinemão hollywoodiano, mas produz, para os dias de hoje, alguma reflexão sobre a imensa estupidez e concupiscência de um mundo em tudo organizado para a autodestruição, seja por uma terceira guerra global ou pela destruição contínua do ambiente do planeta. Não vale levar a sério, é claro, a jornada do herói .
Digressões à parte, voltemos aos OVNIs.
A respeitada revista britânica de divulgação científica New Scientist, por exemplo, procurou resumir na terça-feira, 14, o que se sabia até então dos balões. Em síntese, temos em cena quatro objetos misteriosos, entre eles, um suposto balão espião chinês e três artefatos não identificados, descritos como cilíndricos ou octogonais, todos abatidos sobre a América do Norte em pouco mais de uma semana.
Na verdade, o suposto balão chinês demonstra largamente, observa a revista, a existência sabida de dispositivos de vigilância de alta altitude, provavelmente em uso há décadas, a tal ponto que muitos outros avistamentos já foram relatados no mundo inteiro. A propósito, a China alegou que os Estados Unidos (EUA) enviaram seus próprios balões espiões ao território do país.
Alguns detalhes mais sobre os tais objetos voadores não identificados: o enorme balão chinês, afinal derrubado em 4 de fevereiro, a uma altitude de cerca de 18 mil metros, na Carolina do Sul, foi detectado pela primeira vez sobre o espaço aéreo do Alasca em 28 de janeiro, daí foi rastreado cruzando o Canadá e voltando ao espaço aéreo dos EUA sobre Idaho. A China insistiu na informação de que era um balão meteorológico à deriva, mas como ele sobrevoava locais sensíveis, “incluindo silos de mísseis e a Base Aérea de Malmstrom, em Montana”, houve uma certa preocupação pública.
Segundo a New Scientist, sabe-se, por oficiais militares norte-americanos, que o balão tinha cerca de 60 metros de altura e levava uma carga útil em torno de 900 quilos, do tamanho de um pequeno jato de passageiros, talvez com 30 metros de comprimento. Os esforços de recuperação no mar prosseguem, mas já foram recolhidas partes da copa do balão e tudo que foi lançado sob ela.
A correspondente da Globo Raquel Krähenbuhl contava, na terça-feira, 14, no Jornal Hoje que o que o Departamento de Defesa e a polícia federal dos Estados Unidos, já de posse de sensores e partes eletrônicas do balão, assim como os parlamentares que propõem uma comissão de inquérito querem saber é que tipo de inteligência vinha sendo detectada pelo espião.
Objeto cilíndrico, abatido em 10 de fevereiro, norte do Alasca, EUA
Um segundo objeto, diferente do balão chinês, descrito como “cilíndrico e cinza prateado” e voando “virtualmente ao sabor do vento”, sem nenhum meio óbvio de propulsão, foi observado em 9 de fevereiro no Alasca. No dia seguinte, quando voava sobre a água, foi abatido. Autoridades americanas disseram que ainda não sabem de onde veio esse OVNI do tamanho de um carro que viajava a uma altitude de cerca de 12 mil metros e cujos destroços podem ter caído no gelo em vez de em mar aberto.
O terceiro objeto, cilíndrico, na descrição da ministra da defesa canadense, Anita Anand, foi abatido em 11 de fevereiro em Yukon, Canadá, por um caça a jato dos EUA. Um twitter do primeiro-ministro Justin Trudeau relatou o feito ao mundo. Ele também voava a cerca de 12 mil metros, e Trudeau acredita que ainda há “muito a saber”. As equipes de resgate estão procurando os destroços no solo, dado que essa foi a única das quatro embarcações a ser derrubada por terra.
Por último, pelo menos por enquanto, um quarto objeto – este, uma “estrutura octogonal” com cordas penduradas — foi abatido por caças F-16 americanos em 12 de fevereiro no Lago Huron, EUA. Viajava na altitude mais baixa entre os quatro do lote, ou seja, a cerca de 6 mil metros.
De acordo com a New Scientist, ele sobrevoou locais militares sensíveis dos EUA, mas não está claro se essa foi uma rota intencional ou apenas um caminho percorrido por uma embarcação transportada pelo vento. Os esforços de recuperação estão em andamento, via mergulhadores que procuram destroços no Lago Huron, em Michigan.
Por enquanto, esses ovnis não estão conseguindo alimentar muito as expectativas de quem mantém a firme esperança de se bater qualquer dia desses com um simpático ET em incursão terráquea. Parecem mais trazer elementos para compor a partitura do ainda chocho ensaio de Guerra Fria entabulado pelos Estados Unidos com a China, se comparado aos impasses daquela verdadeira, travada com a União Soviética (URSS) desde o fim da Segunda Guerra até a liquidação da federação socialista. Até aqui, a Rússia, a ex-líder do potente bloco socialista dos anos 1950-1960, apresenta-se, em seu embate com a Otan e aliados via Ucrânia, muito mais ameaçadora à vida na Terra do que a gigante China.