Segundo os pesquisadores, é o primeiro caso de mimetismo acústico registrado em mamíferos
No mimetismo batesiano – chamado assim por ter sido proposto por Henry Walter Bates –, uma espécie inofensiva imita outra mais perigosa, em um “ardil” evolucionário que garante proteção contra potenciais predadores. Agora, pesquisadores relataram em artigo publicado na Current Biology ter descoberto o primeiro caso de mimetismo batesiano acústico em mamíferos e um dos pouquíssimos documentados: uma espécie europeia de morcego (Myotis myotis, chamado em Portugal de morcego-rato-grande) imita o zumbido de um inseto com ferrão para desencorajar corujas predadoras de comê-los.
“Imagine um morcego que foi apanhado, mas não morto, pelo predador. Zumbir pode enganar o predador por uma fração de segundo – o bastante para voar para longe”, explica Danilo Russo, da Universidade de Estudos de Nápoles Federico II, em Portici, na Itália. Russo descobriu o fenômeno enquanto conduzia estudos de campo em que frequentemente capturava morcegos com redes. “Quando manipulávamos os morcegos para tirá-los da rede, eles invariavelmente zumbiam como vespas”, conta.
Os pesquisadores identificavam o zumbido como uma espécie de pedido de socorro e pensavam que poderia haver diferentes razões para o comportamento, como alertar outros da própria espécie ou deter predadores. Russo e equipe deixaram a ideia de lado e prosseguiram com com outras questões de pesquisa. Após alguns anos, decidiram que era hora de planejar um experimento cuidadoso para testar suas ideias a respeito daquele zumbido.
Em seus estudos, os pesquisadores observaram primeiro a similaridade acústica entre o zumbido dos morcegos e o de insetos com ferrão da ordem Hymenoptera (grupo que compreende abelhas, vespas, formigas, entre outros). Em seguida, reproduziram esses sons para corujas em cativeiro, para ver como reagiam.
Corujas diferentes reagiram de modos variáveis, provavelmente associados a suas próprias experiências. No entanto, elas consistentemente reagiam aos zumbidos de morcegos e instos se afastando da caixa de som. Em contraste, o som de potenciais presas fazia com que as corujas se aproximassem da caixa de som. Segundo os pesquisadores, os achados fornecem o primeiro exemplo de mimetismo interespecífico entre mamíferos e insetos, além de um dos poucos exemplos de mimetismo acústico.
A análise dos sons revelou também que a similaridade entre os ruídos ficava mais evidente quando se excluíam parâmetros que as corujas não conseguem escutar. Ou seja, os zumbidos são mais similares quando ouvidos da forma que as corujas os ouvem.
As corujas evitam esse zumbido por que já foram picadas? De acordo com Russo, é provável que insetos piquem corujas, mas os pesquisadores não têm dados para comprovar. Outra evidência de que aves evitam insetos potencialmente nocivos é que elas não exploram, muito menos fazem ninhos, em cavidades de árvores onde há vespas.
Como as três espécies do estudo em questão dividem espaços como construções, fendas em rochas ou cavernas, é provável que haja muitas oportunidades para que interajam, de acordo com os pesquisadores. Ainda assim, eles consideram intrigante essa complexa relação entre espécies de relação tão distante.
“É um tanto surpreendente que corujas representem a pressão evolucionária que molde o comportamento acústico de morcegos em resposta a experiências desagradáveis das corujas com insetos,” diz Russo. “É um desses infindáveis exemplos da beleza dos processos evolucionários!”
Russo observa que há muitas outras espécies de vertebrados que também zumbem quando perturbados e que há centenas de espécies de morcegos, algumas das quais podem utilizar estratégias parecidas. Os pesquisadores esperam investigar futuramente essas interessantes dinâmicas em outros grupos que tenham interação.