Carlos Ribas, Edgardigital
“Eu estou com tanta saudade de abraços”, foi uma das declarações emocionadas e emocionantes do escritor moçambicano Mia Couto, durante a palestra que apresentou no Congresso Virtual UFBA 2020, mediada pelo Vice-Reitor Paulo Miguez.
Assistida remotamente por mais de mil participantes da comunidade acadêmica e de fora dela, do estado da Bahia e de outros estados da federação, Mia falou sobre o combate ao coronavirus no seu continente natal, a África, e da sua participação em uma comissão científica criada para assessorar o governo moçambicano na luta contra o Covid-19, partilhando colaborativamente seus conhecimentos tanto na área da cultura, quando da ciência biológica.
Falou também do futuro pós- pandemia e do que esperar dos tempos que virão e que lições deveremos levar desses tempos difíceis pelos quais passamos, e o Brasil, particularmente, vitimado também pelo vírus do obscurantismo. Também disso Bia fala. E claro, de Literatura e da criação artística durante a pandemia.
O que se segue é um resumo “muito pouco”, diante “do tanto” com o que o escritor nos emocionou.
O escritor Mia Couto inicia falando como está a situação hoje em Moçambique diante da pandemia do novo coronavirus e ressalta a importância dos sistemas públicos de saúde e de educação no combate à Covid-19. Para ele, os governos africanos tomaram as medidas certas no momento certo. Ele lembra, por exemplo, que no último dia 11 de março estava na Europa, transitando sem nenhum tipo de restrição em cidades onde já haviam sido registrados casos da doença, enquanto que, ao retornar, dois dias depois, a Moçambique, teve que passar por rigoroso rastreamento, já no aeroporto. O fortalecimento de um ideal de cooperação solidária na tomada de decisões, em vez da competição excludente, foi destacado pelo escritor, como forma exitosa de combate ao novo coronavirus, em terras africanas.
Também biólogo, Mia Couto faz parte hoje da Comissão Técnica e Científica de Assessoria ao governo (de Moçambique) para a covid-19.Ele nos fala que a sua atividade vai além da científica, funcionando também como um produtor de cultura, trabalhando na divulgação de ‘informações educativas para a contenção da doença. Na opinião dele, a criação dessa comissão científica, “de olhar cruzado e múltiplo sobre as medidas que devem ser pensadas” é uma conquista contra o obscurantismo que menospreza os conceitos baseados na Ciência. E aí o olhar da Cultura se faz presente.
A dimensão cultural que tem que considerar, por exemplo, a recomendação de ficar em casa, onde as pessoas geralmente tem uma casa na cidade e outra no campo. “Ficar em casa, qual casa?”, pergunta o escritor, na sua fala. Ou como ajustar os conceitos da medicina moderna com a praticada tradicionalmente pelas diversas comunidades? “Os nssos antepassados não conhecem esta doença, não nos podem guiar, por isso estamos aqui para que nos digam como ajudar” informa o escritor ter escutado de lideranças comunitárias. “Esta posição de humildade e empatia é algo que me comoveu.”
Outra situação que atravessa esse olhar cultural a que o palestrante se refere diz respeito ao uso, ou não, das praias, “lugar não só de encontro em espaço aberto, mas também de celebração, onde esse ajuntamento é fundamental. Onde as pessoas se saúdam, se abraçam e se tocam, uma mão na mão do outro,como se o corpo todo falasse junto, corporalmente. São lógicas diferentes”, sintetiza aqui, o olhar do homem da cultura.
Adiante, Mia Couto alertou para o nosso desconhecimento sobre os vírus e as bactérias, fruto de um ponto de vista antropocêntrico e narcisista em relação ao mundo e à vida. Para ele sabemos muito pouco sobre os morcegos, por exemplo, hospedeiros da maior parte dos coronavirus e capazes criar mecanismos de defesa imunológica, mesmo infectados. “Não nos preparamos – diz – mesmo em nossas quarentenas estamos expostos porque desconhecemos o animal, o microcosmo.E o microcosmo é o macrocosmo” E adiante: “ vemos o vírus como coisa que invade e destrói, quando eles já existem profundamente dentro de nós, nos nossos códigos genéticos.”
“Mas a Natureza não está nos punindo por nada, declara o escritor, não está a nos infligir castigos por danos morais ou ecológicos. A natureza não faz nada para punir o homem, a natureza é bondosa e o vírus não tem propósito.”
Já finalizando a sua apresentação Mia Couto declara esta pandemia não será a última, assim como já sabíamos que algo parecido aconteceria. E ficamos esperando, nós e a nossa onisciência. E como esses surtos se repetem, como são recorrentes e continuarão existindo, o que nos resta, na opinião dele , é a construção de um sistema eficiente de saúde pública e a vacinação em massa das populações, logo que aconteça a vacina. Mia Couto não é otimista em relação a uma mudança radical, ao final da pandemia. “Não vamos renascer purificados”. E adiante: “a Injustiça, a Exclusão e o Racismo”, ainda continuarão”.
Mas decerto teremos tirado – e com muita humildade – lições importantes como o reconhecimento da importância do Estado, a valorização dos sistemas públicos de saúde e de educação, orientados pelo ideal da solidariedade e para o bem comum. É o que Mia Couto espera.