Dono de um cérebro pequeno, há evidências (controversas) de que ele também sabia iluminar túneis escuros nas cavernas
O Homo naledi, uma espécie humana com um pequeno cérebro, semelhante ao do chimpanzé, extinta há milênios, pode ter usado o fogo para cozinhar e para iluminar túneis escuros em cavernas subterrâneas 230 mil anos atrás, informou reportagem da revista britânica New Scientist, na quarta-feira, 3.
“Temos evidências maciças. Está em toda parte”, disse Lee Berger, arqueólogo da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, e coordenador do estudo. “Enormes pedaços de carvão, milhares de ossos queimados, lareiras gigantes e barro cozido” incluem-se entre essas evidências,
Polêmica e ainda sob análise, inclusive porque não foi anunciada num artigo em periódico científico, como de praxe, e sim numa fala do coordenador, pode revolucionar a compreensão vigente sobre o surgimento de comportamentos complexos vistos como domínio exclusivo de espécies de cérebro grande, como os humanos modernos e os neandertais.
O Homo naledi foi descoberto em 2013 no sistema de cavernas Rising Star na África do Sul, depois que dois espeleólogos conseguiram entrar numa câmara, até então inexplorada, por uma passagem extremamente estreita. Ela guardava milhares de ossos fósseis e, em 2015, foi anunciado que pertenciam a uma espécie até então desconhecida.
A revista lembrou que o H. naledi, com altura, em média, de 144 centímetros e peso em torno de 40 quilos, tinha uma estranha mistura de características primitivas e modernas, com ombros de macaco, cérebro apenas um pouco maior que o de um chimpanzé e dentes que lembravam alguma coisa que teria milhões de anos. Mas a datação dos restos fósseis, em 2017. mostrou que ele viveu entre 230 mil e 330 mil anos atrás, ou seja, é possível que tenha coexistido com o Homo sapiens, que evoluiu na África há cerca de 300 mil anos.
Entretanto, sobravam dúvidas sobre como esse antigo parente dos homens modernos conseguiu circular pelo escuro labirinto entre as cavernas de Rising Star, às vezes com aberturas na rocha de apenas 17,5 centímetros de largura. A dificuldade de acesso é de tal ordem que somente 47 pessoas, pequenas e franzinas tinham conseguido acessar a câmara Dinaledi, até que em agosto passado, depois de emagrecer 25 quilos, Berger resolveu se arriscar a entrar no labirinto.
“Não é um espaço feito para pessoas de 1,80 metro como eu. Quase morri na saída”, ele contou. Mas valeu a pena porque, já dentro da câmara, quando Berger olhou para cima percebeu que havia áreas enegrecidas e partículas de fuligem na rocha.
Em paralelo, Keneiloe Molopyane, colega de Berger na Universidade de Witwatersrand, descobria uma pequena lareira com ossos de antílope queimados em outra parte do sistema de cavernas. Depois, uma grande lareira próxima, 15 centímetros abaixo do chão da caverna. Logo, Berger encontrou na chamada câmara Lesedi uma pilha de pedras queimadas, com uma base de cinzas e ossos queimados.
Isso é muito significativo porque, se há evidências de que os humanos que viviam no atual território do Quênia podiam controlar o fogo há 1,5 milhão de anos, muitos pesquisadores pensavam que seria impossível para um hominídeo com cérebro equivalente a um terço do volume do H. sapiens usar fogo no interior de um sistema de cavernas – capacidade associada, por exemplo, ao Homo erectus, dono de cérebro maior, segundo Berger.
A reportagem da New Scientist aborda o uso interessante do espaço pelo Homo naledi, pela “disposição de corpos em um espaço [com movimentação para essa área dos parentes mortos] e cozimento de animais em espaços adjacentes”, o que, segundo Berger, também sugere “uma complexa cultura Naledi se tornando visível para nós.”
De todo modo, como a datação dos restos carbonizados ainda está em andamento, a decisão de Berger de anunciar a descoberta do uso do fogo em uma palestra em 1º de dezembro, antes da publicação do artigo científico, provocou controvérsia.
Para Berger, a descoberta do uso do fogo tem implicações muito revolucionárias. Se esses humanos de cérebro pequeno com muitas características primitivas eram capazes da cognição complexa necessária para fazer e controlar o fogo, então estamos diante do surgimento de um caminho cultural e comportamento que até este momento se pensava ser o domínio de sapiens e neandertais.