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Há que barrar o vírus antes de decifrá-lo
Covid-19

por | 17 mar 2020

Imagem colorizada de microscopia eletrônica: células (em verde) gravemente infectadas com partículas do vírus (em roxo). Fonte: NIAID

A hora é agora. As medidas de distanciamento social para o combate à pandemia do coronavírus, que integram as chamadas intervenções não farmacêuticas (NPIs, na sigla em inglês), somadas à incansável realização de testes em massa para identificar os grupos onde irão se concentrando mais as pessoas infectadas pelo vírus – e assim se poder trabalhar racionalmente com seu completo isolamento ou quarentena e tratamento –, constituem o único caminho efetivo para evitar que o número de doentes suba dramaticamente em curto espaço de tempo e provoque uma mortalidade de grandes proporções no país. São Paulo registrou hoje, terça-feira, 17, a primeira morte por infecção do coronavírus.

É exatamente impedir essa subida abrupta do número de casos e conseguir sua distribuição por um tempo bem mais longo que se está chamando “achatar a curva” de contaminação da população pelo coronavírus. Esse achatamento é fundamental para que o sistema de saúde no país não entre em colapso. Ou seja, consiga se manter suficiente para oferecer tratamento a todos os casos graves e gravíssimos, em UTIs inclusive, e não se dê aqui o que está ocorrendo na Itália, isto é, um médico intensivista ser obrigado a escolher quem tenta salvar e quem deixa morrer sem tratamento por falta de equipamentos para todos.

Eixo vertical: pessoas doentes ao mesmo tempo/ Eixo horizontal: período de propagação do vírus. Curva azul: pessoas doentes sem medidas contra proliferação. Curva amarela: pessoas doentes com medidas contra proliferação. (Fonte: Universidade de Michigan – CC BY 3.0)

Essas questões, outras mais ligadas à pesquisa científica sobre as características do vírus e as condições ambientais de sua proliferação e, por fim, aspectos centrais da contenção e mitigação dos efeitos da doença nas regiões de maior vulnerabilidade da cidade de São Paulo, mapeadas em parte, foram debatidas durante três horas na quinta-feira, 12 de março, numa reunião para poucos no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

Organizada pelo coordenador do Programa USP – Cidades Globais e diretor do Instituto de Biociências (IB-USP), Marcos Buckeridge, a reunião contou, de forma presencial ou virtual, com alguns dos mais respeitados pesquisadores paulistas que podem oferecer contribuições substantivas ao debate destinado a dar suporte científico às decisões governamentais relativas ao combate à pandemia em São Paulo e no país. E, com base em suas falas, pode-se dizer que têm pleno apoio de cientistas as restrições já adotadas por decisão de governo e aquilo que os mais sérios meios de comunicação têm enfaticamente recomendado à população nos últimos dias.

Isso inclui, vale lembrar, a permanência em casa de todos que podem fazê-lo, crianças e adultos, em especial das pessoas com idade acima de 60 anos, para que, de fato, reduzam-se drasticamente as aglomerações usuais do cotidiano.

Meios de transporte coletivo devem estar muito mais esvaziados para permitir, aos que têm obrigatoriamente que circular, uma distância razoavelmente segura para evitar contaminação.

Ante sintomas leves de gripe, a melhor solução é descansar em casa. O hospital deve ser procurado quando se apresentar dificuldade respiratória, ou seja, quando a respiração se tornar mais rápida e o ar que se aspira parecer insuficiente. Mais ainda, é preciso ir ao hospital se as pontas dos dedos, do nariz ou das orelhas ficarem levemente arroxeadas.

Lavar frequentemente e muito bem as mãos ou higienizá-las com álcool em gel, em especial após tocar em corrimãos, pontos de apoio nos transportes, mercadorias e balcões nos supermercados etc, é fundamental para se proteger do coronavírus,
E cumprimentos a amigos e conhecidos devem ser de longe, sem apertos de mão, beijos e abraços.

Em paralelo a esse esforço de cada um em benefício próprio e da coletividade, a batalha contra a pandemia envolve uma complexa logística de preparação da rede hospitalar e dos profissionais de saúde para tratar os casos mais graves da doença, que os pesquisadores estimam em 20% do total.

Case, case, cluster, cluster, boom” mais testes em massa

O virologista Paulo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, que tivera um contundente artigo em defesa do distanciamento social, “A hora é agora”, publicado na manhã do dia 12 na Folha de S. Paulo, foi o primeiro a se manifestar na reunião do IEA. E usou quase uma prosopopeia para ilustrar a dinâmica exponencial com que a Covid 19 se alastra numa população: “case, case, cluster, cluster, boom!” (“caso, caso, grupo, grupo, explosão!”).

Com isso, queria dizer que primeiro a contaminação se dá na dimensão do caso a caso e, já aí, o momento é adequado para se começar as medidas de distanciamento social. Em seguida, amplia-se a contaminação comunitária, de um grupo de pessoas (um cluster) para outro grupo, e nesse momento é vital correr contra o tempo. Mais que dias, as horas tornam-se fundamentais. E interrupção no funcionamento das escolas, com a programação de aulas à distância, suspensão de atividades culturais, fechamento de cinemas, teatros, museus etc, como já determinado por vários governos estaduais e prefeituras, todas são medidas cruciais para deter a fase seguinte da dinâmica exponencial da pandemia, ou seja, a explosão do número de casos e de mortes pela infecção, junto com o caos instalado no sistema de saúde.

Junto com as intervenções não farmacêuticas para manter achatada a curva de crescimento da pandemia no país, Zanotto, na contramão do que vem determinando o Ministério da Saúde, ou seja, testar no sistema público apenas doentes graves, defendeu a testagem em massa, por PCR, de todos os casos suspeitos, para se proceder ao isolamento dos contaminados e ao delineamento seguro dos clusters onde mais estará se dando a contaminação.

Isso terá efeito inclusive, em sua visão, no adequado manejo do sistema de saúde e na proteção à economia, que precisa continuar andando. O bioquímico Hernan Chaimovich, professor do Instituto de Química da USP e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), propôs a Zanotto a difícil questão de quando o crescimento exponencial acelerado da pandemia não ofereceria mais possibilidades de achatamento da curva. Tanto mais difícil quando, sem testar todos os casos notificados, não se sabe efetivamente quantos estão contaminados nem em que grupos da população estão concentrados.

Crescimento exponencial, ou geométrico, é aquele que uma dada quantidade (base) aumenta de acordo com um determinado expoente, em uma função representada como f(x) = ax. Como no exemplo retirado deste vídeo, usando o expoente 2, se você tem uma folha de papel (um quadrilátero) e dobra no meio, passa a ter dois quadriláteros. Se dobra de novo, são quatro quadriláteros. Mais uma vez, 16 quadriláteros, e assim por diante.

Favela de Paraisópolis. (Foto: Vilar Rodrigo, Wikimedia Commons, CC BY-SA 3.0)

O coronavírus nas periferias

O respeitado pesquisador Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), coordenador do grupo de pesquisa na USP que no momento está buscando uma vacina contra o Sars-cov-2 (esse é o nome oficial do novo coronavírus), revelou, em seguida, uma visão nada otimista com a gestão da pandemia no Brasil.

(A propósito, segundo a BBC Brasil, na segunda-feira, 16, Kalil, 66 anos, descobriu que pode ter contraído o novo coronavírus. Seu filho, de 34 anos, foi diagnosticado com a covid-19, doença causada pelo vírus. O pesquisador está agora em isolamento, trabalhando à distância).

“Não haverá UTIs com apoio respiratório para todo mundo que vai precisar e não temos capacidade diagnóstica rápida”, prognosticou. O Instituto Adolfo Lutz infelizmente não foi preparado para isso quando já se sabia que a epidemia estava vindo para o Brasil.

Kalil observou que o novo coronavírus foi trazido ao Brasil e mantido inicialmente pela classe mais rica que foi esquiar na França e na Itália durante o carnaval, mas “logo vai se espalhar entre as pessoas mais simples, nesse cenário de grande limite hospitalar e incapacidade de diagnóstico rápido”. E ainda que a USP, juntamente com pesquisadores de todo o Brasil esteja trabalhando na busca de testes diagnósticos rápidos e no sequenciamento do vírus, “as respostas mais efetivas vão demorar”. Em especial, uma vacina, segundo ele, vai demorar mais de um ano para poder ser usada.

É possível que a tentativa de pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, de uso de uma plataforma já existente para Sars, com a mudança do RNA para o Sars-cov-2, apresente resultados mais rápidos. “Mas essas vacinas não são muito imunogênicas”, disse Kalil, ou seja, não produzem respostas tão rápidas do sistema imunológico.

Os debates no IEA entraram pelas tentativas que estão em curso de medicamentos para tratar os doentes, e não revelaram nada de promissor no curto prazo. O imunologista Edécio Cunha Neto, professor da Faculdade de Medicina e chefe do Laboratório de Imunologia Clínica e Alergia, por exemplo, relatou que o receptor do vírus na célula humana é alvo de um medicamento hipertensivo (inalapril, captopril) que, em tese, poderia torná-lo inócuo. A busca de medicamentos que possam mitigar a contaminação vem sendo intensamente feita e, na China, todas as drogas, em princípio promissoras, foram empiricamente testadas, algumas com efeitos adversos. “Mas não temos nenhum estudo clínico, e não temos tempo para isso na pandemia de agora”, disse.

Ele ainda informou a parte do novo coronavírus que interage com a célula, região ideal para uma ação farmacêutica, é muito diferente da usada por outros coronavírus, o que é um complicador. “Cerca de 20 empresas e instituições de pesquisa em todo o mundo estão testando drogas para ensaios clínicos dentro de três meses, mas mesmo que alguma funcione, só estará disponível dentro de um ano ou mais”.

O especialista em ciências atmosféricas Pedro Dias, diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) mostrou uma expectativa positiva quanto à janela de calor que o Brasil tem nesse momento, e que talvez esteja freando a agressividade da proliferação do novo coronavírus. Pesquisas quanto a esse aspecto e outros dados ambientais sobre o vírus estão na agenda de pesquisa de grupos paulistas.

Discussões importantes sobre o mapeamento das áreas mais vulneráveis da cidade de São Paulo, projeto coordenado por Carlos Hernandez, pos-doc no Programa USP-Cidades também foram feitas nessa reunião e serão objeto de um próximo texto no Ciência na rua. A destacar também na reunião a participação dos professores Walter Colli, dos mais respeitados químicos do país, e Ary Plonski, vice-diretor do IEA

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