jornalismo, ciência, juventude e humor
É hora de agir

Entrevista com Mercedes Bustamante, autora de um dos capítulos do novo relatório do IPCC

Mercedes Bustamante é uma das autoras líderes do capítulo sobre agricultura, florestas e outros usos da terra (foto: Raquel Aviani)

“A menos que haja reduções imediatas e profundas das emissões de gases de efeito estufa, [o limite de] 1,5°C está fora de alcance”. O mais recente relatório do Grupo de Trabalho 3 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado na segunda-feira, 4, traz novamente alertas impactantes sobre as tendências da crise climática. Esse grupo de trabalho se dedica à mitigação do aquecimento global, enquanto o GT1 se dedica à compreensão das bases físicas da mudança climática, e o GT2 se dedica aos impactos dessa mudança e às necessidades de adaptação.

Entre outras coisas, o relatório aponta que, sem uma redução drástica e imediata de emissões de gases de efeito estufa (GEE), a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C não será alcançada. Essas emissões seguiram crescendo entre 2010 e 2019, ainda que a uma taxa menor do que na década anterior. Para nos mantermos dentro dessa meta, as emissões precisariam atingir seu ponto mais alto antes de 2025 e então serem reduzidas em 43% até aproximadamente 2030. Apenas com as medidas adotadas até aqui, a temperatura seguirá aumentando, como indicam os gráficos abaixo.

À esquerda: projeção de emissões de GEE: em vermelho, a tendência com as medidas atuais; em azul escuro, limite de 2°C ou retorno a 1,5°C após ultrapassagem de mais de 0,1°C; em verde, a tendência para limitar o aquecimento a 2°C; em azul claro, a tendência para anter o aumento em até 1,5°C. À direita: a veriação em diferentes cenários: em amarelo, com as medidas adotadas até o fim de 2020; em roxo, a tendência com os compromissos assumidos antes da COP 26; em rosa, a tendência com os compromissos assumidos antes da COP 26 e elementos condicionantes, como cooperações internacionais.

Uma das autoras líderes do capítulo sete do relatório – que trata de agricultura, florestas e outros usos da terra – é a pesquisadora Mercedes Bustamante. Nascida no Chile e radicada no Brasil há décadas, Bustamante é formada em biologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em ciências agrárias pela Universidade de Viçosa e doutora em geobotânica pela Universidade de Trier, na Alemanha. É professora titular da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. No relatório anterior do IPCC, o quinto, de 2014, ela foi co-coordenadora do capítulo sobre agricultura, florestas e outros usos da terra.

Para entender melhor o significado do novo relatório, o Ciência na Rua conversou brevemente por e-mail com a reconhecida pesquisadora.

 

Em webinar promovido pela Fapesp, a senhora destacou a fala do secretário-geral da ONU de que esse relatório traz uma ladainha de promessas quebradas. Essa perspectiva se deve ao fato de as emissões terem seguido aumentando entre 2010 e 2019? Pode explicar em mais detalhes?

Apesar do relatório indicar um aumento das ações e das políticas de mitigação, infelizmente, as emissões continuaram a aumentar entre 2010 e 2019, embora a taxa de aumento tenha diminuído em relação à decada anterior. Considerando os compromissos assumidos pelos países na negociações internacionais, seria preciso avançar muito mais rapidamente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Quais são, muito resumidamente, as principais conclusões desse relatório? E quis são os motivos para pessimismo e para otimismo que ele traz?

A mensagem central do relatório é clara: a menos que haja reduções imediatas e profundas das emissões de GEE em todos os setores e regiões, [o limite de] 1,5°C está fora de alcance. No entanto, como dito anteriormente, há cada vez mais evidências de ação climática, e também há opções disponíveis agora em todos os setores que podem reduzir as emissões pela metade até 2030. Os próximos anos serão críticos para aproveitar essa oportunidade.

O setor para o qual a senhora contribuiu, de uso da terra, é onde o Brasil mais impacta as emissões. Afora conter o desmatamento, quais medidas podem contribuir significativamente com a mitigação da crise climática? Qual é o papel das grandes monoculturas nesse impacto?

A redução do desmatamento e a restauração de ecossistemas oferecem contribuições significativas de mitigação. Adicionalmente, práticas agrícolas que aumentem o carbono orgânico no solo e façam um uso mais eficiente de fertilizantes nitrogenados podem contribuir com a mitigação. Por fim, o setor também tem uma contribuição importante com a redução das emissões do metano oriundas da pecuária. A reformulação do modelo de agropecuária que implica extensas conversões de áreas naturais e uso ineficiente dos recursos é necessária se quisermos encaminhar soluções climáticas.

É possível manter o consumo global de carne nos níveis atuais e manter o aquecimento em até 1,5?

O relatório traz, pela primeira vez, um capítulo dedicado às contribuições do lado do consumo. Um dos pontos discutidos é que a adoção de uma dieta sustentável, saudável e balanceada pode contribuir para a mitigação das emissões com co-benefícios para o meio ambiente e a saúde humana.

Qual é a novidade desse relatório em relação ao papel de questões sociais para a mitigação do aquecimento?

O relatório é claro ao indicar que sem mitigação não atingiremos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a melhoria da qualidade de vida para todos que é preconizada nessa iniciativa. Adicionalmente, o relatório reforça o papel da justiça social e climática para conduzir a transição para economias de baixa emissão.

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade