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Como vencer o preconceito de gênero estruturado e persistente na academia científica?
Sexismo

por | 8 mar 2021

SWA – Support Women in Arachnology (Ana Lúcia Tourinho, Amanda Mendes, Bárbara Faleiro, Brittany Damron, Cibele Bragagnolo, Lidianne Salvatierra, Lina M. Almeida-Silva, Nancy Lo Man Hung)

A academia científica está edificada sobre um profundo viés que privilegia os homens e resulta numa progressão de carreira diferenciada entre gêneros e áreas. Nas chamadas ciências duras (Ciências, Matemática, Engenharia e Tecnologia) a presença feminina domina a base da pirâmide da carreira acadêmica, mas declina a cada nível seguinte devido às diferenças de oportunidades entre gêneros. Essas diferenças afetam negativamente a produção acadêmica feminina, principal métrica usada para conseguir um emprego. Como resultado observamos uma evasão das mulheres ao longo da progressão de carreira e uma baixa representatividade em cargos de liderança. A maternidade acentua este problema e, no atual cenário da pandemia, o expande.

Nas ciências biológicas, o preconceito de gênero é estruturado e persistente em áreas como a zoologia e a ecologia. No ambiente de pesquisa, esse viés é percebido: (1) nos laboratórios dominados e liderados por pesquisadores masculinos; (2) na ausência de políticas que considerem a licença maternidade e reabsorção feminina posterior; (3) na predominância masculina em cargos profissionais, comitês e conselhos consultivos, de seleções e editoriais; e (4) na predominância de homens como último autor de artigos científicos. Vale ressaltar que esta última é principal métrica para avaliação de cientistas.

Estudos recentes (Parent in Science) demonstram que há impactos de gênero, parentalidade e raça sobre acadêmicos brasileiros durante a pandemia. Diante desse cenário, há um risco de retrocesso e perda do volume já reduzido de cientistas mulheres empregadas e líderes nesse setor. Portanto, há urgência na adoção de medidas eficazes.

A representatividade feminina na ciência é frequentemente explicada pela metáfora do pelo efeito tesoura ou “leaky pipeline”, já que em cada estágio da academia, há uma redução ou total ausência de pesquisadoras, à semelhança de um vazamento num oleoduto. Durante a graduação e a pós-graduação, homens e mulheres se dedicam totalmente à vida acadêmica e isso se reflete no maior número de bolsas para mulheres. Entretanto, o número de cientistas mulheres com filhos aumenta nos níveis seguintes e, consequentemente, sua dedicação ao trabalho científico diminui. Estudos mostram que, cientistas sem filhos têm uma curva ascendente em sua produção científica enquanto que mães-cientistas têm uma queda drástica nas publicações até quarto anos do nascimento do primeiro filho, voltando a ascender somente após esse período.

Outros trabalhos afirmam que há três pontos prioritários para mudar a inclinação do efeito tesoura: (1) quebrar o padrão de distanciamento das meninas da curiosidade científica natural da infância, com estímulo às inclinações científicas; (2) equacionar a maternidade e seus efeitos específicos; e, o fundamental para que os anteriores aconteçam, (3) fortalecer as redes políticas que assegurem ações e políticas afirmativas efetivas.

No campo da aracnologia, ramo da biologia que estuda os aracnídeos (aranhas, escorpiões, ácaros, etc), oito pesquisadoras, em agosto de 2020, fundaram a SWA – Support Women in Arachnology, em português, Apoie as Mulheres na Aracnologia. Essa organização tem a missão de mensurar a escala e o impacto do viés de gênero sobre as aracnólogas nas subáreas da aracnologia, e propor diretrizes para mitiga-los na pós-pandemia.

A primeira ação do grupo foi a organizar o simpósio “Diretrizes de enfrentamento do viés e preconceito de gênero na aracnologia”, apresentado no VI Congreso Latinoamericano de Aracnología, em dezembro de 2020. Além disso, o SWA financiou 52 mulheres no evento, em diferentes estágios da carreira. Esse financiamento objetivou aumentar não só a participação feminina na área, como também a autoestima e o sentimento de pertencimento dessas mulheres. E, apesar de não resolver o problema, essa iniciativa contribui para mitigar o efeito do viés.

Na aracnologia o preconceito de gênero manifesta-se em todas as subáreas, mas varia em intensidade entre elas. Há campos de pesquisa em que as mulheres são sub-representadas ou excluídas, silenciadas por homens que não as convidam para coautoria de artigos ou não citam pesquisa de liderança feminina. Isso é evidente nas áreas de sistemática, ecologia (desenho amostral) e conservação. Nas áreas de agroecossistemas (ecologia) e educação há mais equilíbrio.

Analisando a autoria dos trabalhos do Congresso latino-americano de aracnologia de 2019, observou-se a influência de gênero e, apesar das publicações mistas serem maioria (73% de 289 resumos), apenas 1% era exclusivamente assinado por mulheres, enquanto 26% tinham autoria apenas de homens. A grande maioria dos trabalhos de autoria mista foi composta por alunas e seus orientadores. Nada menos que 56% dos trabalhos teve primeira autoria feminina e 69% teve a última autoria masculina [o primeiro autor é o pesquisador na linha de frente do estudo envolvido, e o último, é um sênior]. Já na análise da composição do corpo editorial de algumas revistas científicas da aracnologia observamos que editores homens, representam de 93% a 100% do quadro ainda que muitas mulheres sejam tão ou mais qualificadas para o cargo.

Neste contexto, fica claro que um funil muito estreito afeta a presença, a permanência e a progressão de mulheres investigadoras na aracnologia. Mesmo quando, surge uma liderança feminina com experiência em campo, laboratorial, e produção científica de alto impacto, essas pesquisadoras são excluídas de colaborações e comitês editoriais dominados por investigadores e/ou editores masculinos muitas vezes inferiores. Em concursos públicos, que, em tese, promoveriam mais isonomia, mesmo quando as posições são disputadas com relativa igualdade de gênero, as vagas são mais ocupadas por homens, ainda que estes não apresentem currículo à altura. Portanto há evidências convincentes de que gênero desempenha um papel importante nas decisões de promoção e está, com frequência, acima de outros critérios profissionais na aracnologia. Por outro lado, uma pesquisa realizada em nossa comunidade revelou que existem mulheres alheias ao preconceito de gênero, não compreendendo bem o que este significa e qual seu impacto em suas carreiras.

Assim, algumas diretrizes propostas pela SWA para mitigar o viés de gênero são: anonimato nas avaliações; diversidade e inclusão como competências essenciais; critérios claros e transparentes para as seleções de participantes em comitês, corpos editoriais, e como conferencistas em eventos, sem viés de oferta que reforce o preconceito e impeça a participação de cientistas mulheres nessas atividades. Além disso, o SWA estimula humanização dos espaços acadêmicos fomentando a produção colaborativa entre pesquisadoras; criando um código de conduta para comportamento; disponibilizando formulários para relatos de comportamentos impróprios; e reforçando a necessidade de considerar a licença maternidade em editais.
Por fim, o recente surgimento redes exclusivas de apoio à mulheres cientistas representam ações afirmativas que se refletem na autoestima e na confiança dessas cientistas. Contudo, estas ações não diminuem a necessidade de propormos novas políticas e critérios claros para fechar a lacuna de gênero e as injustiças observadas em toda as áreas da ciência.

 

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