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Arquivo digital reúne centenas de cartas de indígenas brasileiros

Com informações do Edgardigital

Projeto é coordenado pela Universidade Federal da Bahia

Sônia Guajajara, uma das remetentes das cartas, em 2015 (foto: Mídia NINJA – CC-BY-NC-SA 2.0)

Ainda não lançado oficialmente, mas já publicado, o site do projeto “As Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil” disponibiliza um arquivo que reúne mais de 800 cartas escritas por indígenas brasileiros, tendo por destinatários o próprio Brasil ou autoridades como presidentes, governadores e juízes. Entre os temas recorrentes, crimes ambientais, invasões de terras indígenas e violência policial.

Coordenado pela pesquisadora Suzane Lima Costa, professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto se propõe a “analisar as composições desse tipo de escrita, discutindo quem é o Brasil destinatário dessas cartas, tanto para apresentar os modos como diferentes líderes indígenas, ao biografarem suas próprias vidas, narram uma outra história do Brasil, quanto para demonstrar como nessas correspondências os povos indígenas nos apresentam a uma outra concepção de autoria: à noção de povo-autor”.

“Percebemos que são muitas as pesquisas que analisam cartas sobre os povos indígenas para uma compreensão crítica da história política e literária do Brasil, mas há uma lacuna significativa nessas pesquisas e abordagens quando o indígena se torna o remetente das cartas, quando o indígena é o autor desse tipo de texto”, explicou a coordenadora ao Edgardigital. “Elaboramos o projeto ‘As cartas dos povos indígenas ao Brasil’, tanto para reverter essa lacuna, quanto para criar o primeiro acervo virtual dessas correspondências – fundamentais hoje para apresentação de uma outra versão do Brasil, narrada e criada pela autoria dos povos indígenas”.

Além de cartas presentes em um projeto anterior (“Autobiografias indígenas em trinta anos de cartas”, com um recorte entre 1999 e 2020), foram selecionadas cartas dos indígenas Antonio Paraopeba e Felipe Camarão, escritas no período colonial, e cartas em defesa da terra, produzidas entre 1888 e 1930.

Entre os remententes do período mais recente, estão Sônia Guajajara, Davi Kopenawa Yanomami, Ailton Krenak e Marcos Terena, e há também cartas de autoria coletiva ou institucional, caso, por exemplo, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). “As cartas coletivas, produzidas por alguns grupos, são cartas ditadas aos indígenas que dominam a escrita da língua portuguesa ou aos parceiros não indígenas escolarizados (antropólogos, indigenistas, pesquisadores e ativistas), que participam das assembleias indígenas. Cabe ressaltar que nem todos os povos indígenas permitem a participação de não indígenas na transcrição dos seus documentos públicos e preferem que o texto seja produzido com a participação oral restrita da comunidade indígena em suas assembleias e encontros”, explicou Suzana ao Edgardigital.

Alguns destaques na página inicial do site chamam a atenção. É o caso do começo de uma carta de Davi Kopenawa: “Nós Yanomami queremos mandar esta carta para vocês porque estamos tristes com sangue de nossos parentes mortos que está nas geladeiras nos Estados Unidos.” O líder Yanomami, autor do livro ‘A queda do Céu’, interpelava o Ministério Público a respeito de uma coleta de sangue de milhares de Yanomami realizada sem autorização por pesquisadores americanos nos anos 1960.

“Com as cartas em circulação será possível ao grande público conhecer uma outra versão do Brasil narrada e criada pela autoria dos povos indígenas. Destacamos também que em pretendemos também criar uma exposição foto(áudio)biográfica das cartas (que pretende ser itinerante e gratuita), em museus nacionais e internacionais e, principalmente, nas escolas que ofertam educação básica”, contou ao Edgardigital o pesquisador Rafael Xucuru-Kariri, vinculado ao projeto e analista de Políticas Sociais no Ministério da Educação.

Ao Ciência na Rua, Suzane Lima Costa explicou que o grupo pretende lançar o site oficialmente no próximo semestre, em um encontro com pesquisadores de cartas chamado As novas cartas do Brasil.

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