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Além de muito mais testes, Brasil precisa de um plano de testagem

Webinar na última quinta-feira discutiu as possibilidades e limites dos testes do coronavírus

Profissional da saúde segura teste em Florianópolis (Foto: Leonardo Souza / PMF/FotosPublicas)

A forma como serão usados os diferentes tipos de testes para a deteção do Sars-CoV-2 foi o tema de destaque no webinar realizado pelo Ciência na rua, Agência Bori e Rede CoVida, na manhã da última quinta-feira, 16 de abril. Chamado “Testes do coronavírus: possibilidades e limites”, o evento reuniu três pesquisadores, dois jornalistas científicos e um público de pouco menos de 200 pessoas, entre Zoom e Youtube.

“É importante ter os testes, mas é importante que eles sejam avaliados e indicados no melhor momento para serem usados. E também é importante ter a noção de que não adianta só fazer os testes, eles precisam estar vinculados a um programa de controle de quem está em contato com pessoas infectadas”, defendeu a imunologista Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e líder da equipe que sequenciou o genoma do Sars-CoV-2 apenas 48 horas após o primeiro caso confirmado no Brasil.

Manoel Barral Neto, também imunologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Bahia), foi na mesma linha: “A mensagem foi testar, testar, testar, mas a testagem só não basta, tem que vir com uma estratégia sobre seus resultados para se fazer uma intervenção no curso da epidemia. Tem que pensar como combinar os testes para obter as informações necessárias para a tomada de decisão, e isso vai depender de identificação de classes familiares, onde está havendo transmissão, identificação de resposta de imunidade comunitária, precisamos fazer um grande plano baseado em evidências que os testes fornecem”.

Os testes para detecção de infecção por coronavírus receberam bastante atenção ao longo da pandemia, algo incomum, de acordo com Barral. Ele observou que dois aspectos contribuíram para isso: de um lado, a transmissão do vírus por indivíduos que estão infectados mas não apresentam sintomas (em alguns casos virão a apresentar, em outros nem isso), de outro, a realização de testes em grupos populacionais para verificar a imunidade comunitária (ou imunidade de rebanho). Sabino ainda acrescentou que que os testes ganharam importância quando se demonstrou que os países que estavam fazendo um número maior deles conseguiram controlar melhor a epidemia.

Tipos de testes

Em sua primeira intervenção, o repórter especial do Jornal da USP Herton Escobar sugeriu aos colegas jornalistas repetirem incansavelmente em suas reportagens quais são os tipos de testes e para que servem. “Há dois grande grupos de teste”, explicou Barral, “os testes de biologia molecular, que são voltados para a detecção do RNA do vírus, como o RT-PCR (transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês), que é feito a partir da coleta de muco no nariz e na garganta, com uma espécie de cotonete gigante (chamado swab).

“O outro grupo busca evidências de resposta imunológica contra o vírus em pessoas infectadas”, disse Barral. São os testes sorológicos, chamados de “testes rápidos” feitos a partir de coleta mínima de sangue, onde se procuram anticorpos, como a imunoglobulina M (IgM) e a imunoglobulina G (IgG). Esse teste demanda um intervalo entre o início dos sintomas e sua realização: dez dias após o início da manifestação de sintomas, tem precisão de 75%, que sobe a 90% a partir do 14º dia. A presença de anticorpos geralmente indica proteção contra o vírus – o que permitiria identificar os indivíduos que já poderiam voltar à atividade normal com uma certa garantia de estarem protegidos –, mas no caso do Sars-CoV-2 não há evidências suficientes da efetividade dessa proteção. Há ainda testes sorológicos não rápidos, com coleta de maior volume de sangue e grande precisão, que não vêm sendo usados de forma disseminada na pandemia, como o ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática, na sigla em inglês).

Sabino, aproveitando uma pergunta do público sobre a confiabilidade dos testes rápidos, disse ser importante avaliar todos os disponíveis no mercado de forma sistemática, com um mesmo painel para avaliar todos e o mesmo entendimento de como analisar, possibilitando um laudo melhor sobre a sensibilidade e a especificidade de cada um. Sobre o plano para testagem, avaliou que, no caso brasileiro, talvez a melhor estratégia seja fazer RT-PCR em quem apresenta sintomas e teste rápido em quem teve contato com infectados.

Acompanhamento do vírus

A pesquisadora Jaqueline Goes de Jesus, doutora em patologia humana e experimental, também responsável pelo sequenciamento genético do Sars-CoV-2, chamou atenção para outros aspectos, como a necessidade de “fazer a vigilância” do vírus, fazer, quando for possível, o sequenciamento dos vírus dos casos confirmados, para verificar mutações. “Com a circulação do vírus no ambiente brasileiro, acho importante fazermos um screening desses pacientes com resultado positivo para entendermos como esse vírus está se dispersando aqui e para prever novos surtos”.

Outro ponto destacado por Goes foi a necessidade de informar a população sobre os procedimentos a serem adotados, “As pessoas ainda não têm o conhecimento consolidado do que deve ser feito em situações em que se tem um indivíduo positivamente testado dentro do ambiente familiar”. Ela comentou ainda que a população também não entendeu ainda que o momento de isolamento e quarentena não vai acabar ao fim da primeira curva, “Vamos experimentar novas curvas de infecção, menores, mas as medidas que estão sendo tomadas hoje não poderão ser relaxadas completamente”.

Barral lembrou que nossa convivência com o vírus está apenas começando, que o problema não termina quando os casos diminuírem e que as estratégias de testagem precisam levar em conta também as próximas ondas. “Os testes continuarão sendo muito necessários, mas não são a única forma de fazer isso, tem que combinar com monitoramento de dados do sistema de saúde, vigilância ativa, envolvimento do pessoal de atenção básica”.

Avançando do período após a primeira onda ao período após a epidemia, Moura finalizou o webinar citando artigo de Maria Hermínia Tavares na Folha de São Paulo: “Não tem erro, quando a epidemia passar, o Brasil estará mais triste, mais pobre e certamente mais desigual”. E ponderou, por sua conta: :”Vamos torcer e trabalhar para que assim não seja”.

 

Assista à íntegra do webinar “Testes do coronavírus: possibilidades e limites”:

 

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