jornalismo, ciência, juventude e humor
A resistência crespa

por | 6 out 2022

por Thaciana de Sousa Santos

Adolescente ainda, colunista sentiu-se pela primeira vez negra e livre ao concluir a chamada transição capilar

Falei sobre o ato político, de resistência, que é o estudo, a ocupação de lugares que antes não eram para as minorias. Mais um ato de resistência é a transição capilar.

Ela significa entender que o padrão do cabelo liso não te define mais, que a curvatura dos teus cachos é linda. Olhando de fora, talvez não pareça ter tanta importância assim, mas tem. O cabelo cacheado e crespo faz parte de uma história. Vou contar a minha experiência, de alguém dos anos 2000 que teve o cabelo alisado por terceiros.

Cabelo crespo dá trabalho, sim, e o meu mesmo só vivia trançado. A minha mãe fazia um bocado de tranças, colocava umas xuxinhas bem coloridas, e era assim que eu encarava o mundo. Todo dia ela passava uma água com creme para abaixar os fios, e bora para a escola assim.

O pior era o dia de lavar o cabelo e arrumar de novo. Minha mãe puxava tanto (para não ter fio arrepiado) que parecia que a minha testa ia desgrudar do rosto, e no primeiro dia doía até quando eu me deitava, mas tudo bem.

Depois de um tempo, as meninas com o cabelo igual ao meu, já não usavam mais tranças, elas alisavam o cabelo.

Eu não tinha problema com o meu cabelo, não era quem arrumava mesmo, era só me sentar e esperar. Pela minha mãe também, eu não alisaria o cabelo. Mas teve um dia que mudou tudo. Mudou como eu me enxergava e como eu encararia toda a adolescência.

Alguém me tirou o direito de escolher o que faria com o cabelo, como eu o queria. Mentiram para a minha mãe, falaram que fariam só uma chapinha e ela deixou. No fim, não foi só isso. Imagina a surpresa dela quando foi lavar o meu cabelo e viu que os meus cachos tinham sumido?

Lembro que ela me levou no salão para saber o que acontecera e sim, tinham alisado o meu cabelo sem a minha mãe saber. Se eu pudesse voltar ao passado, teria ficado em casa naquele dia em vez de ter ido no salão da pessoa.

Eu era uma criança, quem faz isso com uma criança? Depois eu tive que continuar alisando. A minha mãe não sabia o que fazer e não tinha tempo para lidar com aquele cabelo horroroso. E lá se foram anos e anos fazendo progressiva, passando horas no salão, chapinha direto. O cabelo não podia ver uma gota de chuva que já armava.

Aos 13 anos decidi parar com essa palhaçada, se era para sofrer, que sofresse com o meu cabelo natural. Entrei na transição capilar e depois fiz o tão famoso big chop [corte para tirar todas as partes alisadas que marca o fim da transição]. Me senti livre e, pela primeira vez, me senti negra. Não imaginava que me sentiria tão bem assim.

Hoje, é incrível ver pessoas como eu na TV, inspirando as crianças. Fico perplexa toda vez que vejo a Maju Coutinho no jornal, ou a Thaís Araújo em algum canto. É estranho pensar que só o cabelo liso foi sinônimo de beleza algum dia.

Na ciência, é lindo ver a física Sônia Guimarães, com o seu cabelo crespo, sem precisar se encaixar em padrão nenhum, sendo um exemplo de resistência.

Eu não preciso tentar parecer menos negra para ser bonita, e tudo bem se você ainda alisar o cabelo, mas saiba que ele é lindo natural também e faz parte de quem você é!


Thaciana de Sousa Santos, a Tatá, é estudante de graduação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e escreve semanalmente para o Ciência na Rua

Compartilhe:

Colunistas

Luiza Moura

Luiza Moura

Thaciana de Sousa Santos

Thaciana de Sousa Santos

Vinicius Almeida

Vinicius Almeida

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade