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No começo de agosto de 1995, o diretor-presidente da Fapesp, Nelson de Jesus Parada, recebeu na data combinada o Notícias Fapesp 1. Era um modesto boletim mensal de 4 páginas em duas cores, com tiragem de apenas mil exemplares que seriam distribuídos por malote aos conselheiros da Fundação e autoridades do governo estadual, principalmente aquelas vinculadas à área de educação, de ciência e tecnologia, parlamentares, aos reitores das três universidades estaduais paulistas e coordenadores de grupos de pesquisa.
Tratava, na primeira página, da alteração dos valores das bolsas para doutorado e pós-doutorado no exterior, da criação do programa de apoio a jovens pesquisadores em centros emergentes, do novo sistema contínuo para submissão de bolsas de mestrado, e ainda fazia chamadas para notícias das páginas seguintes sobre a aceleração e expansão da Rede ANSP, novos projetos de inovação tecnológica e a destinação de mais R$ 70 milhões para o programa de recuperação e modernização da infraestrutura (ainda escrita com hífen) de pesquisa do sistema paulista de ciência e tecnologia. Só boas notícias, resultantes de pauta elaborada conjuntamente com Parada, quase todas relativas a programas da agência que teriam forte influência no apoio ao crescimento da pesquisa científica e tecnológica em São Paulo na segunda metade da década de 1990 e primeiros anos do século XXI.
O expediente do pequeno informativo registrava a relação dos 12 membros do Conselho Superior (CS)* e dos 3 integrantes do Conselho Técnico-Administrativo (CTA)** todos homens e com os nomes precedidos pelo indefectível e – para quem vinha de mais de duas décadas de vida pouco formal em redações de jornais e revistas – insuportável título de “Prof. Dr.”. Muitos meses se passariam antes que os argumentos contra essa titulação abreviada no expediente ganhassem as adesões que a remeteriam de vez à condição de curiosidade histórica. Tempo um pouco menor seria gasto até a permissão para seu abandono no interior dos textos informativos. Abaixo dos dois conselhos aparecia a enxutíssima equipe responsável: “Coordenação – Nelson de Jesus Parada; Edição – Mariluce Moura; Arte: Paulo Batista / Paulo Saloni”. Identificava-se depois a ilustração da primeira página e, logo a seguir, vinha uma informação da maior relevância à época: “Este informativo é também editado eletronicamente. Para seu recebimento via correio eletrônico, basta assinar a lista FAPESP-L@BRUSPVM.BITNET”. Entenda-se, era uma possibilidade avançadíssima, afinal, naquele ano só a Folha de S. Paulo, situada na vanguarda do jornalismo impresso no país, iniciaria o fornecimento de conteúdo atualizado em tempo real na Internet
Aliás, de certa maneira, é exercício muito saboroso reler hoje os dois primeiros parágrafos da notícia sobre a Rede ANSP, que trazem à tona a distância abissal entre o atual cenário de interconectividade global, quase absoluta, via internet e mídias digitais em geral, e o panorama de conexões ainda precárias, incipientes, do começo do processo de implantação da internet, há apenas 24 anos. A propósito, poucos lembram que foi justamente a Fapesp quem iniciou esse processo na década de 1980, quando a Internet propriamente sequer existia, e se tornou inclusive responsável pelo registro e gerenciamento de todos os domínios da rede no país até dezembro de 2005, quando os transferiu ao Comitê Gestor da Internet. Foi na Fundação também, ainda na década de 1980, que começou a se fazer o nome de Demi Getschko, indiscutivelmente um importante pioneiro da internet no Brasil, agraciado pelo Hall da Fama da Internet em 2014, na categoria “conectores globais”. Então gerente de Informática da Fapesp, figura tranquila e amável, ele foi pessoa chave nos acertos originais com a rede Bitnet e, adiante, no trânsito para a introdução da Internet no país.
Mas voltemos o olhar a um pequeno trecho da notícia sob a rubrica “Informática” (o chapéu, no jargão jornalístico) e o título “Mais velocidade para a Rede ANSP”:
“O Brasil tem hoje mais de 10 mil nós Internet, dos quais metade na Academic Network at São Paulo, a Rede ANSP, gerenciada pela Fapesp, que começou a nascer em 1987, quando a Fundação, atendendo aos pedidos da comunidade científica paulista, iniciou os estudos para obtenção de uma conexão internacional com as redes acadêmicas internacionais. A linha Fapesp-Fermilab (Illinois, EUA), que viabilizou essa demanda, foi formalmente contratada em agosto de 1988”, relata o primeiro parágrafo da notícia. E segue: “Uma linha de 256 mil bites por segundo (bps) e outra, mais antiga, de 128 mil bps, permitem, hoje, às instituições de pesquisa e ensino do estado articularem-se rapidamente com instituições do mundo inteiro. Mas isso ainda é pouco: em breve uma nova linha de 2 milhões de bites entrará em operação e a mais antiga poderá ser desativada”.
A simplicidade do boletim inaugural e mesmo o arco restrito de sua cobertura, limitada a iniciativas da Fundação – ainda que, pela natureza própria da agência, elas sempre estivessem relacionadas com grande número de instituições e pessoas –, não impediu que de saída se imprimisse uma embocadura jornalística ao texto. E isso, a par de certamente ter facilitado a adesão dos principais destinatários ao projeto do Notícias Fapesp, criará logo uma orientação editorial firme para os passos seguintes, quando uma necessária abertura do leque de assuntos a serem tratados vai se apresentar de forma quase natural. Assim, já no primeiro semestre de sua existência e em apenas quatro edições, distante ainda da matéria prima por excelência que alimentará sua produção e na qual tocará de leve, pela primeira vez, só em fevereiro de 1996, a publicação da Fapesp começará a traçar um primeiro esboço do que é a Fundação nesse tempo intensamente dinâmico que atravessa.
Por que tamanho dinamismo? Um ano antes, ou seja, em 1994, a Fapesp entrara num movimento vigoroso de estabelecer parcerias novas e sólidas com outros agentes do complexo sistema de ciência e tecnologia do estado de São Paulo. Iria muito além dos pesquisadores vinculados às universidades e institutos estaduais de pesquisa, sua clientela histórica desde o começo de sua atuação, em 1962. Não que nunca tenha experimentado, ao longo de sua existência, outras formas de financiamento à pesquisa além das bolsas e auxílios em atendimento à chamada demanda de balcão, isto é, solicitações de apoio de pesquisadores a projetos de estudos individuais. Na verdade, a instituição já adotava regularmente desde 1991 o financiamento aos projetos temáticos, marcados por objetivos científicos ambiciosos e, quase sempre, pelo envolvimento de mais de uma instituição de pesquisa.
Melhor ainda, muito antes disso apoiara programas especiais de grande envergadura, voltados a estimular o desenvolvimento de determinado segmento, de que é excelente exemplo o pioneiro Bioq- Fapesp. Consta da Linha do Tempo da Biblioteca Virtual da Fundação que “a Fapesp aprovou em 1970 o Programa para o Desenvolvimento da Bioquímica (…) Proposto por seis pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Escola Paulista de Medicina (…), o programa recebeu apoio financeiro equivalente a US$ 1 milhão para os primeiros três anos”.
A mesma página conta que, num artigo de 1993 na Ciência e Cultura, “Francisco Lara, um dos idealizadores do Bioq-Fapesp, ao lado de Walter Colli e Antonio Paiva, comentou: “Foi uma feliz coincidência que a implementação desse projeto veio logo depois da Reforma Universitária da USP. Isso permitiu a jovens pesquisadores, muitos deles voltando de seus pós-doutoramentos nos Estados Unidos, ter acesso a financiamentos em uma escala que não poderia ser esperada anos antes. Isso imediatamente os deixou em pé de igualdade com professores mais antigos”.
A Biblioteca Virtual guarda outro exemplo desses programas, o Radasp, “Em 1970, como o uso de radares adquiria importância em estudos de meteorologia, os diretores da Fapesp convidaram James A. Weiman, professor e pesquisador da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, para avaliar a oportunidade de apoio financeiro a essa linha de pesquisa em São Paulo”. Weiman visitou algumas instituições de pesquisa no estado, recomendou apoio e, com base em sua avaliação, montou-se o Programa Radar Meteorológico de São Paulo para promover a formação de pessoal qualificado no uso de técnicas avançadas em meteorologia e fornecer previsões meteorológicas mais eficientes para a agricultura. Efetivamente implantado a partir de 1974, o Radasp propiciou a instalação de um radar no Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Fundação Educacional de Bauru, depois incorporado à Unesp, em colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de viabilizar colaborações entre grupos de pesquisas dentro e fora do Brasil.
Entretanto, como está fartamente documentado nos depoimentos do excelente livro de Amélia Hamburger, Fapesp 40 anos: abrindo fronteiras, o que se busca estruturar a partir de 1994 são programas de caráter mais permanente que reflitam, de fato, um olhar mais aberto e atento da agência paulista de fomento à pesquisa para a complexidade do sistema de ciência e tecnologia do Estado e para as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico que o financiamento de pesquisa em distintos fronts oferece. Esse sistema estadual, observou em entrevista recente o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação desde 2005 e seu presidente de 1996 a 2002, não se compõe simplesmente das universidades estaduais e federais paulistas e mais a Fapesp. “Muito mais complexo, ele é formado por essas instituições e mais as universidades privadas que fazem pesquisa, os institutos de pesquisa que hoje são federais, estaduais, municipais ou privados, as centenas de empresas que investem em pesquisa e as milhares de empresas que nesse estado demandam pesquisa e desenvolvimento”.
Ainda que talvez não com tamanha clareza na época, uma compreensão dessa ordem já estava na base do programa de apoio à parceria entre instituições de pesquisa e empresas, iniciado em 1994, e do programa de apoio à inovação em pequenas empresas, implantado em 1997, que se tornariam conhecidos pelas famosas siglas PITE e PIPE, respectivamente.
Uma série de outros programas que mudariam as ambições e o patamar do investimento estadual em pesquisa em São Paulo participa dessas mesmas premissas. Deixemo-los, por ora, na reserva, assim como o ambiente mais geral do país que, em 1995, favorecia o planejamento de longo prazo, indispensável a se pensar ciência e tecnologia. Importante é reter que, nesse momento, uma combinação extremamente feliz entre circunstâncias e personagens marcantes iria moldar os rumos da pesquisa científica e da informação pública sobre pesquisa em São Paulo, nas duas décadas seguintes.
Bem recebido, o Notícias Fapesp cresceria rapidamente. Em setembro, passa para 6 páginas e 1.500 exemplares. Publica uma entrevista que poderia figurar em qualquer jornal do país com o novo presidente da Fundação, o engenheiro Francisco Romeu Landi, que substituíra o físico Oscar Sala. Em outubro, já com 8 páginas e tiragem de 2 mil exemplares, publica uma matéria de fôlego sobre o sistema de bolsas no país, dando sinais de que a atenção prioritária que dedicará à Fapesp não impedirá a análise do contexto mais geral da política nacional para ciência e tecnologia.
Já em novembro, uma exploração via imprensa mais rumorosa do que parecia razoável, em torno da eleição em outubro de um representante das instituições de pesquisa e ensino superior para o Conselho Superior da Fapesp, fez com que quatro das oito páginas do boletim fossem direcionadas para textos explicativos sobre o incidente assinados pelo presidente e pelo diretor-presidente da instituição e mais uma matéria não assinada baseada em entrevista e no discurso de posse do novo conselheiro eleito. Na já longa história da revista da Fundação, nascida boletim informativo, foi essa, salvo grande equívoco, a única vez em que suas páginas trouxeram a público tensões ou conflitos vividos pela Fundação.
Em paralelo, no mesmo mês de novembro, o Conselho Superior da Fapesp oficializava a assessoria de comunicação em sua estrutura – a fundação completara seu 32º aniversário de serviço público de alta qualidade, internacionalmente reconhecido, como se mostrará no próximo capítulo.
- Oscar Sala (presidente), Jorge Nagle (vice-presidente), Adilson Avansi de Abreu, Antonio M. dos Santos Silva, Celso de Barros Gomes, Flávio Fava de Morais, Francisco Romeu Landi, Joji Ariki, José Jobson de Andrade Arruda, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Ruy Laurenti, Wilson Cano
** Nelson de Jesus Parada, Joaquim José de Camargo Engler, José Fernando Perez