fotos: Universidade de Newcastle
Pesquisa desenvolvida na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, demonstrou que pequeninos habitantes das fossas oceânicas – as regiões mais profundas dos oceanos – apresentam traços de materiais sintéticos em seus estômagos, noticiou a revista The Atlantic, em seu site, no dia 27 de fevereiro.
A pesquisa liderada pelo biólogo marinho Alan Jamieson se baseia em coletas de anfípodos (pequenos crustáceos sem carapaça) por sondas submarinas nesses ambientes e inicialmente buscava detectar diferenças entre os animais de uma fossa para outra. Alguns anos atrás, meio por impulso, Jamieson decidiu analisar os corpos dos anfípodos em busca de poluentes fabricados pelo homem, como o bifenilpoliclorado, ou PCB (do inglês polychlorinated biphenyl), banido há décadas (no Brasil, por exemplo, foi proibido em 1981), mas que permanece no ambiente por muito tempo. Encontraram PCB em grandes quantidades: alguns dos anfípodos traziam níveis 50 vezes maiores do que os de caranguejos dos rios mais poluídos da China. Essa notícia atraiu jornalistas e cidadãos preocupados, que sempre acabavam perguntando sobre a presença de plásticos.
Lauren Brooks, estudante do laboratório de Jamieson, encontrou fibras e fragmentos de plástico em 72% das amostras coletadas em todas as seis fossas pesquisadas. Na fossa menos poluída, metade das amostras haviam engolido ao menos um pedaço de plástico. Na Fossa das Marianas, a mais profunda de todos os oceanos, com 11 quilômetros, todos os espécimes tinham plástico no organismo. “O pior exemplo que vi foi uma fibra roxa de alguns milímetros de comprimento preso a um animal de pouco mais de um centímetro”, disse Jamieson à revista norte-americana. “Imagine se você engolisse um metro de corda de polipropileno”.
A presença de plástico em fossas distantes umas das outras indica que essa poluição está muito difundida. “Isso embasa um crescente corpo de evidências que sugere que o fundo do mar, de longe o maior hábitat do planeta, pode muito bem ser o maior reservatório de lixo plástico do planeta”, disse Anela Choy, da Universidade de San Diego, nos EUA, à The Atlantic.
Para garantir que os fragmentos encontrados eram mesmo de plástico – exigência da Royal Society Open Science revista científica que publicou o artigo – a equipe analisou quimicamente o material. Também foram tomadas precauções para assegurar que não eram as sondas da pesquisa que estavam introduzindo plástico no ambiente. As sondas contêm material plástico verde e amarelo, mas não foram encontrados fragmentos dessas cores. Além disso, a equipe só dissecou o último dos vários estômagos dos animais, evitando misturar refeições recentes ao material analisado. Essas dissecações ainda foram foram realizadas em câmaras especiais, onde um fluxo contínuo de ar ascendente impede que fibras dos equipamentos ou roupas dos pesquisadores caiam nas amostras.
Outros pesquisadores já haviam achado plástico na Fossa das Marianas, inclusive uma saco plástico em 2018, mas ninguém tinha demonstrado que os afípodos estão comendo esse material. Bombeando água através de seus corpos, esses animais, comem basicamente tudo que cai nessa região abissal onde a comida é escassa. E também servem de alimento de muitas outras espécies. “Todo o resto come anfípodos – camarões, peixes – e acaba comendo plástico também. E quando os peixes morrem, são consumidos pelos anfípodos, e assim por diante, em círculos”, explicou Jamieson à revista norte-americana. “O que você bota na fossa, fica na fossa, nada que está ndo para lá vai voltar”, acrescentou.
Essa última hipótese poderá ser testada futuramente. Se Jamieson estiver certo, anfípodos em regiões mais profundas terão níveis maiores de plástico no organismo do que os de regiões menos profundas. Mas, como alertou Anela Choy à The Atlantic, “certamente não precisamos de mais décadas de estudos científicos para tornar necessário agora comportamento e políticas mais responsáveis”.