Muito além da brincadeira e da piada, os comentários e as postagens na internet podem influenciar o sucesso de um programa de televisão ou mesmo exigir a sua mudança. Basta abrir o facebook e deparar com vários “memes” cheios de imagens dos seriados americanas, novelas brasileiras e personagens de programas de auditório. O que seria da televisão hoje sem as redes sociais para divulgá-la? Essa relação é o tema do livro “Curtir, Comentar, Compartilhar – Redes Sociais Virtuais e TV no Brasil”, que reúne pesquisas de Breno de Paula Andrade Cruz, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A obra, lançada em junho, traz uma análise sobre o poder das “postagens” em redes sociais como termômetro de audiência para a televisão brasileira.
Em uma linguagem coloquial Breno traz dois conceitos centrais: a Social TV, que é a inclusão de conteúdo da televisão nas conversas virtuais, e a netnografia, que é o método de coleta de registros da cultura de um determinado povo, ou seja, uma etnografia feita a partir de dados da internet. Breno foi um dos primeiros pesquisadores a abordar esse fenômeno. “Minhas pesquisas com o Social TV começaram com a novela Avenida Brasil [2012], que fez com que as pessoas iniciassem, em grande escala, a pautar seus comentários nas redes sociais baseados nos programas de televisão”, diz o pesquisador.
O trabalho é resultado de estudos realizadas de 2012 a 2015 no grupo de pesquisa ‘Consumo e Redes Sociais Virtuais’, parte do Programa de Pós-Graduação e Mestrado Acadêmico em Administração (PPGA/MA) da UFRRJ, do qual Breno é professor. “Fiz perguntas sobre o meu grau de inovação ao abordar uma novela na Administração, um campo de conhecimento conservador”, diz o autor. “Foram os debates com outros estudiosos interessados nesse fenômeno que me fizeram acreditar que seria possível abordar televisão, Social TV e novelas do ponto de vista da gestão.”
Bombando nas redes
O Social TV surge no Brasil, segundo Breno, durante a ascensão da classe C no início dos anos 2000, junto com o aumento do número de pessoas com acesso à Internet. A partir daí Breno analisa o fenômeno das celebridades da web, que provoca uma interação ainda maior entre os internautas e faz surgir os bordões de internet. Paralelo a isso, o pesquisador também lembra da política como outro assunto que também aumenta a interação dos internautas na rede.
Mas Breno estava curioso mesmo era com relação às novelas. Para ele, o aumento do poder aquisitivo das camadas mais populares obrigou essas atrações a mudar seus cenários e personagens: surgem as favelas e os subúrbios em lugar das mansões e da alta sociedade; negros, homossexuais e transexuais são frenquentes em programas de humor; a linguagem é feita para criar bordões populares e descontraídos. Embora seja possível questionar se esses grupos periféricos se sentem representados ou não por aqueles retratos televisivos, o livro registra o esforço da TV brasileira em dialogar mais com a “realidade da população”.
“É uma relação de ‘Ganho eu, ganha você!’ – ganha a emissora ao ter um termômetro quase imediato da percepção dos telespectadores em relação ao seu conteúdo; e, ganha o telespectador que se sente ouvido e empoderado ao reclamar de conteúdos que não lhes satisfaz”, declara Cruz.
Finalmente, o livro destaca outro importante aspecto dessas interações: o boicote. Uma ferramenta ponderosa nas mãos dos internautas e que pode “obrigar” as emissoras a reformularem suas produções. Para Breno, a Novela “Salve Jorge”, que foi exibida em 2012 e 2013 pela Globo, foi alvo de protestos de evangélicos fundamentalistas devido ao nome da atração e ao conteúdo “mais progressista”. Segundo ele, com a queda na audiência, a emissora resolve fazer ajustes e capítulos foram reescritos para tentar reconquistar esses telespectadores.
O pesquisador lembra ainda que o mesmo foi observado em outros programas da emissora, fato que é ponto de partida do autor para a análise de boicotes a produtos em geral por meio da divulgação de experiências negativas em redes sociais. “Nesse sentido, a Netnografia se apresenta como um método adequado para entender o ambiente virtual e as relações de consumo.”
Mais informações sobre o grupo de pesquisa que originou o livro podem ser obtidas em: https://cursos.ufrrj.br/posgraduacao/ppga/