por Lucas Veloso
Um dos candidatos ao Oscar 2023, a obra ganhou espaço com o público pela identificação com a história de uma família negra de periferia
Deivinho quer ser astrofísico. Esse é um dos principais resumos de ‘Marte Um’, filme do cineasta Gabriel Martins, que concorreu a uma vaga no Oscar de 2023 representando o Brasil. No fim do processo, o longa ficou fora da disputa, o que não diminui sua relevância perante à crítica.
O filme conta a história de uma família negra da periferia de Contagem, em Minas Gerais, que busca seguir seus sonhos em um país que acaba de eleger como presidente um homem de extrema-direita (em determinado trecho do filme aparece a posse do então presidente Jair Bolsonaro). O longa se passa no ambiente familiar onde vive o casal Tércia e Wellington, além dos filhos Deivid, ou Deivinho, e Eunice.
Apaixonado por futebol, o pai do menino faz de tudo para que ele se torne um jogador profissional de futebol. Dentro de suas possibilidades, como porteiro em um prédio residencial, faz de tudo para conseguir uma oportunidade para o garoto. Cruzeirense, chega a conseguir um teste para o filho com o ex-jogador e ídolo do Cruzeiro, Juan Pablo Sorín, mas apesar das investidas, o sonho de Deivinho não está no chão, mas no céu.
No revezamento entre a rotina familiar, os jogos de várzea e as brincadeiras com amigos na rua, o menino joga sua atenção para a tela do computador onde fica encantado com a possibilidade da missão Marte, que pretende colonizar o planeta vermelho. Para conseguir o sonho, o menino deseja ser astrofísico, além disso, pesquisa e assiste vídeos no computador do quarto.
Em entrevista ao Canal Curta!, o diretor também conta a premissa do longa. “É uma família brasileira periférica e negra. Tem o filho mais novo, um grande jogador de futebol, muito habilidoso, e o pai sonha que ele seja um jogador profissional, mas ele tem outro sonho: ele quer ser astrofísico”, diz. “E participar da colonização do planeta Marte em 2030. A missão ‘Marte Um’ que dá nome ao filme”.
Segundo Gabriel, “é um filme sobre essa família no Brasil, final de 2018, após a eleição do Bolsonaro. É uma reflexão sobre a crise de Identidade do Brasil. Tudo que a gente passou no país nesses últimos anos, tudo isso encapsulado dentro de uma família que tem sonhos, tem dificuldades, e tenta aí diante da vida é simplesmente ser feliz, né?”.
Poucos negros na ciência – Em diversas entrevistas para divulgar o filme no Brasil e fora dele, o diretor ressaltou que o longa foi pensado com a possibilidade do sonho, apesar do caos e das realidades que, muitas vezes, assolam os desejos, sobretudo das pessoas negras.
Entre as reflexões que o filme pode gerar, a ausência de pessoas negras no campo da ciência é uma delas, tanto no dia a dia quanto no reconhecimento por suas criações, descobertas e trabalho nesta área.
Professor de Química, escritor, além de colaborador com artigos sobre ciência e medicina para veículos importantes como Los Angeles Times, USA Today, Huffington Post, Marc Zimmer escreveu em um artigo que “nos 119 anos desde que os prêmios Nobel foram dados pela primeira vez, apenas 3% dos premiados em ciências foram mulheres e nenhum dos 617 laureados em ciências foi negro”, escreveu. “A grande maioria desses cientistas-modelo agora famosos são homens brancos”, definiu.
De olho na academia, onde os talentos são formados e preparados, a falta de pessoas negras também é uma questão. A Universidade de São Paulo (USP), uma das principais instituições de ensino superior do Brasil, tem cerca de 2,2% do total de docentes que se autodeclaram negros.
Ao Cine POP, o diretor de Marte Um disse que a recepção do público com a obra foi instantânea pela identificação das pessoas com a história, seus familiares e com a possibilidade de crer nos sonhos. “Tem pessoas que estão tratando como se fosse um filme que elas fizeram. E eu acho isso lindo, maravilhoso”, comentou. “Acho que o cinema brasileiro pode ser isso: uma coisa mais coletiva, de contato do filme com o público. Historicamente, talvez a gente teve um distanciamento entre artista e público, mas no Marte Um, estou vendo isso ser rompido”.
Questionado sobre a relação da obra ficcional com sua própria vida, ele diz que a história não é biográfica, mas que há elementos que interagem entre sua história pessoal e o que está na tela. “Não é baseado diretamente em todas as pessoas da minha família, mas tem muita coisa próximo a mim que está nesse filme, né?”, explica. “O Deivinho é um pouco eu quando era criança. Eu sonhava muito em fazer cinema, desde que eu era criança, e sempre fui muito obcecado com esse sonho de fazer cinema. O Deivinho é obcecado em ir para Marte, participar da missão”.
A gente dá um jeito – Sem caminhar rumo ao Oscar, nas redes sociais, o cineasta responsável pela filmografia escreveu que “com o senso de responsabilidade de tentarmos quebrar esse jejum [de 25 anos sem uma indicação do Brasil], nos aventuramos a fazer campanha, levar o filme para lugares que não o conheciam, pessoas que pudessem ver nele a esperança de um cinema de periferia, de personagens pretos, de gente com sentimento e legitimidade afetiva”.
Inspirado em uma das suas criações, o diretor também pontuou que “de algum modo, nos sentimos como o Wellington [apesar de entender que o sonho do filho era difícil, o pai diz que eles vão dar um jeito de conseguir], dando o nosso jeito, que mesmo que não tenha concretizado aquele sonho que parecia impossível, ajuda na caminhada para que um dia possamos chegar lá!”.
O filme continua em cartaz.