Ilustrações de Nara Lacerda
Estudo do Unicef pode ajudar na formulação de políticas públicas que protejam a população mais jovem
Brasil, dezembro de 2022 – mais de 40 milhões de crianças e adolescentes do país, ou seja, quase 60% deles, estão expostos a mais de um dos riscos climáticos apontados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) num estudo sobre efeitos da crise climática sobre a população mais jovem. São 27,8 milhões de brasileiros abaixo de 18 anos que vivem em áreas com alto risco de exposição a poluição por pesticida e 24,8 milhões expostos ao risco de poluição do ar. Mais: cerca de 8,6 milhões de meninas e meninos estão sob o risco de falta d’água e 7,3 milhões sujeitos a ameaças decorrentes de enchentes.
O cenário assustador das mudanças climáticas leva a pensar que a tradicional pergunta feita às crianças, sobre o que querem ser quando adultas, poderia ser transformada numa interrogação sobre o que o planeta Terra será quando elas crescerem. Afinal, os planos de jovens de todo o mundo estão indo ao encontro de circunstâncias desconhecidas de gerações anteriores: a emergência de alterações irreversíveis na atmosfera e nos biomas terrestres.
Aumentos da temperatura e do nível dos mares, frequência alterada de chuvas, ondas de calor e eventos extremos, como secas intensas, devem ficar mais comuns nas próximas décadas, e fatores como a produção de alimentos, o equilíbrio da natureza e a vida humana serão profundamente alterados. A relação entre meio ambiente, raça e classe acrescenta variáveis delicadas a esse cenário de mudança, no qual as crianças e adolescentes mais pobres, negras, indígenas e quilombolas são as mais expostas às consequências da exploração ambiental. Foi essa conjuntura que levou o Unicef a elaborar o estudo “Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil”, publicado em novembro.
“Está dada a relação entre clima, meio ambiente e riscos de desastres, e a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. A influência humana na alteração do clima global é indiscutível (…). Todos esses fenômenos afetam a vida humana de diversas formas, colocando em risco o bem-estar, o desenvolvimento e a própria sobrevivência de pessoas em todo o planeta. Por estarem em uma fase mais sensível de desenvolvimento, crianças e adolescentes são os que mais sofrem esses impactos”, escreve Paola Babos, representante interina do Unicef no Brasil, na abertura do relatório.
São muitas as razões que colocam a juventude no centro do debate sobre o clima. Ela é herdeira das consequências das emissões de carbono acumuladas nas últimas décadas. Assim, antes do estudo recentemente publicado, o Unicef elaborou em 2021 um Índice de Risco Climático das Crianças, uma primeira análise dos efeitos da crise climática sob a perspectiva das crianças, que lhe permitiu classificar os países com base na exposição das parcelas mais jovens da população a problemas como ondas de calor, enchentes e poluição do ar. O índice permite também medir a vulnerabilidade infantil a esses fatores, reflexo de seu acesso a serviços essenciais como saúde e saneamento básico.
Os dados do estudo seguinte, sobre as ameaças climáticas às crianças brasileiras, não são socialmente neutros. O Unicef afirma que os jovens expostos à marginalização social, econômica, cultural, política, e/ou institucional são especialmente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. “É por isso que esses riscos afetam de maneira desproporcional crianças e adolescentes negros, indígenas, quilombolas, e pertencentes a outros povos e comunidades tradicionais; migrantes ou refugiados; crianças e adolescentes com deficiência; além de meninas”, enfatiza o texto.
Se já estão no centro do debate sobre as mudanças climáticas no Brasil, as crianças deveriam ser preocupação central nas políticas públicas que buscam amenizar ou reverter os danos ao meio ambiente. Mas, depois de analisar três políticas ou legislações que tratam do tema, a partir de critérios que mostrariam atenção especial aos jovens -referências a crianças e adolescentes, base nos direitos das crianças e sensibilidade às necessidades da população menor de 18 anos – o Unicef concluiu que isso não ocorre.
A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), lei 12.187, de 2009, e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, decreto 9.578, de 2018, não atenderam a nenhum dos critérios. Já o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), de 2016, faz referência a gestantes e crianças menores de 5 anos, enfatizando a vulnerabilidade desses grupos aos riscos de desastres como enchentes e secas e à poluição atmosférica, além das doenças transmitidas por vetores, como dengue e febre amarela, e pela água, como cólera e disenteria.
Recomendações para garantir o futuro
O Unicef formulou 15 recomendações ao Brasil para que o país integre o futuro das crianças e adolescentes às suas políticas ambientais. Entre elas, propõe que crianças e adolescentes tenham prioridade na pauta climática e ambiental do país e participem dos debates, decisões e implementação de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente e à crise climática.
Propõe também que nessa participação sejam incluídas populações do semiárido e da Amazônia, comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, ativistas e defensores do meio ambiente, com garantias à sua integridade e segurança.
Constam também do rol de recomendações acesso a água potável e esgotamento sanitário a toda a população brasileira, nas casas, escolas e equipamentos e serviços públicos essenciais, e a promoção de sistemas equitativos e sustentáveis de produção e distribuição de alimentos.
Você pode ler a íntegra do estudo do Unicef no site da instituição.