- Pesquisadores de mais de 31 países criam diretrizes para a ética da pesquisa com DNA antigo
- Trabalho envolve política e ancestralidade de povos destas comunidades
- Regulamentações locais e particularidades de diferentes regiões do mundo precisam ser levadas em conta na pesquisa
Para trabalhar com DNA antigo de populações humanas, arqueólogos, antropólogos, curadores de museus e geneticistas devem seguir todas as regulamentações locais e se engajar e respeitar os interesses das comunidades onde foram coletados estes materiais. Essas são algumas das diretrizes éticas globais propostas por um grupo internacional de pesquisadores de diversas instituições, entre elas, a Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado na revista Nature na quarta (20).
O grupo de mais de 60 pesquisadores das áreas da genética, arqueologia e antropologia, de 31 países, percebeu a necessidade de se criar diretrizes globais para a ética da pesquisa de DNA antigo. Com dados de sequenciamento de genoma crescendo a cada ano e mais de 6 mil indivíduos pesquisados, ainda não havia um debate ético específico sobre como conduzir esse tipo de pesquisa levando em conta as particularidades de cada local. Ao acessar esqueletos, múmias e outros remanescentes humanos, esse trabalho envolve política e ancestralidade dos povos locais.
Hoje, grande parte da literatura sobre o assunto se concentra nos Estados Unidos, onde todos os remanescentes de indígenas americanos que são mantidos em instituições financiadas pelo governo estão submetidos à Lei de Proteção e Repatriação de Sepulturas de Nativos Americanos (NAGPRA). Ela exige que as instituições consultem e busquem transferir os remanescentes de indivíduos antigos para grupos indígenas. “Apesar do modelo estadunidense ter ajudado a pensar em diretrizes para lidar com remanescentes humanos, ele nem sempre é aplicável ou até mesmo benéfico para a pesquisa em outros países”, explica a pesquisadora da USP Mercedes Okumura, co-autora do artigo.
Ela comenta que as relações entre governos e comunidades locais são diferentes dependendo da região ou país, o que faz com que os pesquisadores tenham que adotar abordagens específicas caso a caso. “No Brasil, por exemplo, materiais arqueológicos são bens da União. Ao mesmo tempo, não existe um mecanismo legal para que os grupos indígenas tenham voz no destino dessas coletas dos seus ancestrais, o que prejudica o engajamento de tais comunidades”, explica Okumura.
As diretrizes éticas propostas pelo grupo podem ser aplicadas de maneira global, respeitando as particularidades dos diferentes contextos. A proposição de um maior diálogo com comunidades locais se soma à preocupação em minimizar os danos aos remanescentes humanos, que deve ser acessado a partir de um plano de estudo detalhado.
O documento também orienta os pesquisadores a disponibilizarem os dados da pesquisa após sua publicação, para que se possa fazer um exame das descobertas científicas.“A ideia é incluir e ouvir outros grupos de pessoas potencialmente envolvidos na pesquisa de DNA antigo e que não são, necessariamente, cientistas”, destaca Okumura.