Evanildo da Silveira
A liberação da mineração em terras indígenas, como prevê o Projeto de Lei 191/2020, enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Bolsonaro, em 5 de fevereiro, pode aumentar em cerca de 20% o impacto da atividade na Amazônia brasileira e gerar perdas de US$ 5 bilhões em serviços ecossistêmicos. Essa é uma das principais conclusões do estudo intitulado “Legislação para permitir mineração em terras indígenas brasileiras irá ameaçar florestas e seus valiosos serviços ecossistêmicos”, publicado recentemente na revista científica One Earth.
O trabalho foi realizado por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal de Minas Gerais (UFMG) e de Queensland (Austrália) e do Instituto Socioambiental (uma organização não governamental). “Usamos os dados da cobertura florestal da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e dos depósitos minerais da Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ambas bases publicamente disponíveis”, conta a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay, doutoranda da Escola Politécnica (Poli) da USP e autora principal do artigo. “Para perda monetária, utilizamos os mapas de valoração espacialmente explícita do Centro de Sensoriamento Remoto do Instituto de Geociências da UFMG, também de acesso público.”
De acordo com os autores do estudo, as terras indígenas no Brasil cobrem 1,2 milhão de quilômetros quadrados (km²) ou 23% da Amazônia Legal e abrigam 222 grupos nativos, vivendo em comunidades tradicionais e falando um total de 160 idiomas. “O contexto político atual é desfavorável a esses povos e, se aprovadas pelo Congresso, as mudanças de política propostas pelo PL 191/2020 têm o potencial de, não apenas transformar permanentemente a vida dessas comunidades, mas também impactar florestas e os serviços ecossistêmicos que elas provêm”, dizem os pesquisadores.
Segundo Britaldo Soares-Filho, coordenador do CSR, que também participou do trabalho, a mineração provoca desmatamento num raio de 70 quilômetros a partir da mina. “Os impactos são diretos, relacionados às instalações necessárias à atividade, e indiretos, causados pela estrutura de acesso, transporte e prestação de serviços, por exemplo”, explica.
Juliana, por sua vez, explica que a mineração em terras indígenas pode aumentar em 20% a área de floresta afetada, se somada à ocupada por depósitos de minério a explorar fora das áreas protegidas. Se toda área esta fosse explorada, e assumindo impactos indiretos de extensão de até 70 km das minas, 698 mil km² de mata poderiam ser impactados. “Com a permissão de mineração dentro de terras indígenas, no entanto, essa área poderia aumentar para até 863 mil km²”, diz.
O estudo ainda avaliou as perdas econômicas causadas pelo desmatamento. A análise foi feita pelo CSR, com base na valoração de quatro serviços ecossistêmicos providos pelas florestas da Amazônia: produção de alimentos, como a castanha-do-pará, de matéria-prima, como madeira e borracha, redução de gases de efeito estufa e regulação climática. “O valor total dos serviços da Amazônia é imensurável, mas conseguimos precificar alguns deles, por meio de metodologia desenvolvida por nosso grupo, na UFMG”, explica Soares-Filho.
No artigo, os pesquisadores informam que estimaram que as florestas afetadas fornecem mais de US$ 5 bilhões em serviços ecossistêmicos a cada ano para a economia global. “Nossa análise revela consequências particularmente grandes para a mitigação de gases do efeito estufa, atingindo mais de US$ 2,2 bilhões de perdas”, escrevem. “Verificamos que as provisões de matérias-primas de borracha e madeira apresentam aumento de 26% a mais nas perdas monetárias (até US$ 1,4 bilhão) no cenário de implementação da política [aprovação PL 191/2020]. O projeto de lei proposto não contém quaisquer salvaguardas ambientais ou sociais e não diz se a mineração em terras indígenas exigirá uma abrangente avaliação dos impactos das explorações propostas.”
Além disso, o PL 191/2020 não deverá render os frutos econômicos que o governo espera. Para Soares-Filho, a nova lei – se aprovada – não atrairá o interesse de grandes grupos mineradores nacionais e internacionais, cada vez mais preocupados com o risco de prejuízos para sua imagem. “As empresas estão pesando muito o custo-benefício de entrarem em negócios desse tipo”, explica. “Os fundos de investimento globais, que financiam grandes empreendimentos, têm se recusado a apoiar a degradação ambiental.”
De acordo com ele, se a proposta passar no Congresso, vai atrair apenas grileiros e garimpeiros ilegais, que não dão retorno para o país nem para as comunidades. “O projeto de lei não tem a capacidade de desenvolver a mineração e ainda afugenta capitais e fragiliza terras indígenas, que são santuários da sociobiodiversidade”, prevê. “Nenhuma grande empresa séria de mineração vai colocar em risco sua reputação. São necessários 20 anos para desenvolver uma mina. Ou seja, a iniciativa não faz sentido econômica, ambiental e estrategicamente.”
Por isso, os pesquisadores pedem aos envolvidos na elaboração e aprovação do PL 191/2020 que considerem seriamente o impacto que ele pode ter sobre os ecossistemas e as comunidades – não apenas os povos indígenas, mas toda a população, já que os impactos não serão restritos aos limites dos nativos. “Além desses impactos nas florestas e perdas monetárias, que afetariam não apenas as comunidades indígenas local, mas também beneficiários regionais e até mesmo globais, deve ser necessário seguir boas práticas internacionais para garantir a devida avaliação dos estragos ambientais, bem como a consulta prévia, informada e livre aos indígenas”, diz Juliana.