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Voltada aos jornalistas, a Agência Bori é ferramenta inovadora para disseminar a ciência brasileira
Jornalismo

por | 10 fev 2020

Resultado do olhar estratégico e da notável persistência de duas jovens, mas brilhantes e experientes profissionais, Sabine Righetti, 38 anos, e Ana Paula Morales, 35, será lançada nesta quarta-feira, 12, em São Paulo, a Agência Bori, uma iniciativa com potencial para elevar a divulgação do conhecimento científico produzido no país a um novo patamar, se – e aí está o grande “x” da questão – os cientistas, em especial os que trabalham fora dos principais centros de pesquisa do país, rebaixarem sua desconfiança em relação aos jornalistas e aderirem de fato ao projeto. O nome é uma homenagem a Carolina Bori (1924-2004), importante cientista brasileira da área de psicologia experimental, primeira mulher presidente da SBPC (1986-1989) e uma pioneira em muitos aspectos.

Resumidamente, à semelhança de respeitados serviços internacionais que os jornalistas de ciência conhecem muito bem e usam há bastante tempo, como Eurekalert e Nature Press, a Agência Bori é um portal para jornalistas que vai articulá-los em larga escala a cientistas brasileiros, com a intenção de ampliar em bases sólidas a visibilidade pública do conhecimento produzido em todos os cantos do país.

Mais precisamente, a Bori vai colocar ao alcance do jornalista, cerca de uma semana antes da publicação em revistas científicas brasileiras, artigos relevantes de pesquisadores das várias áreas do conhecimento. Como de praxe nesses serviços, o profissional deve se cadastrar previamente no portal e terá que respeitar as datas de suspensão do embargo para notícias e reportagens sobre cada artigo. Releases, ou seja, textos que resumem o artigo segundo uma abordagem claramente jornalística, acompanharão os textos científicos, assim como dados de contato direto do autor ou autores principais do artigo e da assessoria de imprensa da instituição ao qual estão vinculados.

Sim, porque a ideia é que os jornalistas não apenas leiam previamente artigo e release, com tempo confortável para elaborar seus relatos, mas também procurem falar com os cientistas antes de os publicarem. E sim, a ideia é que os cientistas atendam cordialmente os jornalistas, respondam suas perguntas, esclareçam suas dúvidas, não se exasperem com o que tantas vezes tacham de ignorância dos repórteres (eles não são nem têm que ser especialistas em cada assunto de artigo científico que pode gerar notícias ou reportagens) e compreendam que esse falar é parte intrínseca, fundamental, da atividade de cientista. Vale, aliás, confirmar isso com colegas dos países mais desenvolvidos. É, na verdade, ao mais legítimo interesse público que esse falar visa.

Antes de contar um pouquinho como a Agência Bori veio à luz – com a garra de suas criadoras e apoios vitais da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Instituto Serrapilheira –, registre-se já que, em larga medida, ela desdobra e leva para outro espaço os objetivos declarados para o brasileiríssimo, apesar do nome em inglês, ScieLo (Scientific Eletronic Library Online), ainda em 1996.

Ali, quando Rogério Meneghini e Abel Packer ainda detalhavam as bases do projeto, o primeiro pela Fapesp e o segundo pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme, na sigla original, ligado à Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde, OPAS e OMS, respectivamente), já estava proposto que o ScieLo investiria na visibilidade da ciência brasileira e contra o que W. Wayt Gibbs, um ano antes, em artigo na Scientific American, nomeara como “Lost Science in the Third World”.

De fato, em pouco mais de 20 anos, o ScieLo tornou-se uma sólida e poderosa base eletrônica com mais de 300 revistas científicas brasileiras indexadas e é dela que a Agência Bori vai se nutrir, com a escolha, até aqui, de 80 revistas (e propósito de chegar a uma centena) que serão o grande manancial de seu importante trabalho de divulgação científica.

Ou seja, se o ScieLo coloca em circulação na comunidade científica parte considerável da produção científica brasileira, via seus artigos, sem entretanto disseminar isso mais amplamente para a sociedade, a ABori deve fazer exatamente com que parte significativa desse conjunto, finalmente, chegue de forma adequada aos jornalistas para que, pelo trabalho deles, atinja o conjunto da sociedade.

A ciência nossa de cada dia

“A Bori não vai difundir ‘hard science”, alerta Sabine Righetti. Não vai tampouco centrar esforços em artigos de pesquisadores brasileiros a serem publicados em revistas científicas internacionais que já dispõem de seus próprios e competentes canais de articulação com jornalistas do mundo inteiro – não é por coincidência, mas como resultado do trabalho por esses canais que se pode ver, em determinados dias da semana, notícias sobre os mesmo achados científicos nos mais diferentes veículos de comunicação do país.

O que estará em cena são artigos que refletem a produção usual de grupos de pesquisa em todas as regiões do país, com vasta diversificação de temas, da pesquisa de câncer a sequestro de CO2, de tabagismo a agro. E em muitos casos, o autor principal dos artigos estará trazendo a público seus achados pela primeira vez. Isso significa que, em lugar de apenas a produção dos cientistas mais reconhecidos e com inserção internacional ter visibilidade, a média, sempre qualificada, claro, do conjunto do conhecimento científico produzido no país poderá vir à tona pela Agência Bori e revelar amplamente um retrato mais fidedigno dessa produção.

Mas, como as idealizadoras do projeto chegaram até esse momento inaugural? Sabine Righetti, muito conhecida por seu trabalho como jornalista de ciência e, em especial, como coordenadora do RUF, o ranking de universidades da Folha de S. Paulo, começou a esboçá-lo vagamente em 2011, 2012, quando era contratada do jornal paulista para cobrir exatamente ciência nacional. “Mas cadê essa ciência? Por que não tem no Brasil um serviço como o Eurekalert?, eu me perguntava”, ela conta. Junto com a atenção aos resultados dos estudos de percepção pública da ciência, sempre a revelar o desconhecimento da população brasileira relativamente à ciência feita no Brasil, essa indagação iria movê-la.

Em 2015, quando deixou o trabalho diário na Folha e aumentou bastante sua concentração nos estudos de percepção pública da ciência, dentro e fora do Brasil, Sabine aliou-se a Ana Paula Morales, ambas a essa altura ligadas ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor-Unicamp), e criaram uma consultoria para batalhar pela criação da agência. Ana Paula é cientista da área de biológicas, especialista em comunicação de ciência, doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp (onde Sabine, aliás, doutorou-se em 2016) e, entre outras atividades, é editora da revista Ciência e Cultura, a cargo do Labjor e ligada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

As duas revezam-se na narrativa do que foi até aqui essa batalha. Ao longo de 2016, botaram o pé na estrada por conta própria para tentar convencer diferentes agências de fomento à ciência de que o projeto era importante e viável. “Foram inumeráveis pitchings, um sem número de viagens”, contam. O primeiro apoio, depois de um intenso trabalho de convencimento, veio da Fapesp, em 2018, no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Pequenas Empresas, o famoso Pipe. E foi como um projeto de TI, não de comunicação, que conquistaram esse primeiro e fundamental suporte.

Em 2018, Sabine e Ana Paula inscreveram o projeto no primeiro edital do Instituto Serrapilheira para projetos de divulgação científica. A competição era intensa. E foi mais uma vitória. Com recursos das duas instituições, ao longo de 2019 foi possível ir resolvendo passo a passo todos os desafios que o projeto inovador apresentava. Já no segundo semestre de 2019, o projeto devia disputar recursos para mais um ano de apoio do Serrapilheira – e conquistou. Agora, com sua concretização, é tempo de disputar novamente apoio do Pipe da Fapesp, para desenvolvimento de produtos já existentes, e começar a buscar outras formas de sustentação da agência, sejam assinaturas institucionais, associação de marcas ligadas ao universo da pesquisa científica ao portal, etc.

A equipe da Agência Bori é constituída, além de suas duas coordenadoras, por um editor, 8 jornalistas em sistema de free-lance, parte deles com larga experiência, 2 profissionais de TI e um estatístico.

Sem desconhecer todo o valioso trabalho de divulgação científica realizado nas últimas décadas por revistas e agências de notícias, e, nos anos mais recentes, por novos canais de mídia eletrônica, com sua multiplicação de podcasts e vídeos e seu poder de difusão nas redes sociais, a Agência Bori pode, seguramente, em meio às ferozes tentativas governamentais de destruição da capacidade nacional de produzir conhecimento, constituir uma inovação de peso para ampliar a cultura científica no país. E isso, entre outras coisas, por colocar ao alcance de jornalistas de qualquer editoria – e não apenas os de ciência –, esses tantas vezes incompreendidos e tão fundamentais intermediários do processo de comunicação social, o conhecimento que o país produz. Mas é preciso que os cientistas concordem com as premissas da proposta da agência.

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