Oswaldo Cruz morreu em 11 de fevereiro de 1917, há pouco mais de 102 anos. Alberto Santos Dumont, quase 87 anos atrás, em 23 de julho de 1932. É absolutamente espantoso, portanto, que os dois, ao lado do astronauta Marcos Pontes, atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, tenham sido os mais citados quando se perguntou recentemente a jovens brasileiros, de 15 a 24 anos, que nomes de cientistas brasileiros eles lembravam. E observe-se: apenas 5% dos entrevistados lembravam-se de algum nome e 95% não eram capazes de citar nenhum.
A pergunta foi feita no âmbito de um estudo pioneiro sobre a percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil nessa faixa etária, divulgado na segunda-feira, 24, e realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Como amostra representativa do grupo visado, foram ouvidos em entrevistas domiciliares no início deste ano 2.200 jovens, em 21 estados e no Distrito Federal.
A metodologia utilizada foi similar à de levantamentos para o conjunto da população acima de 16 anos feitos pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em 2006, 2010 e 2015 – este último dotado de uma preciosa ferramenta que permitia o cruzamento online de uma série de variáveis para investigar visões sobre a ciência e os cientistas por segmentos específicos. Por exemplo, era possível selecionar mulheres do Amazonas, na faixa de 16 a 20 anos, grau de escolaridade médio e verificar o que pensavam sobre os benefícios potenciais da pesquisa científica. E assim seguia-se em cruzamentos inumeráveis, extremamente úteis para conhecer um pouco mais a fundo o que se pensa de CT&I neste nosso país e, e ao mesmo tempo, lúdicos. O novo estudo apresentado em 24 de junho incluiu também uma sondagem qualitativa importante sobre a questão das fake news na divulgação científica.
Mas, de volta ao espanto inicial, se esses raros 5% de jovens brasileiros mais informados só são capazes de identificar como cientistas figuras notáveis que viveram dez, nove décadas atrás – ou seja, num remotíssimo passado dentro do imaginário juvenil –, sendo um deles, de fato, um grande cientista e, o outro, um brilhante, excepcional, tecnólogo/inventor, e também um contemporâneo que, de fato, é um astronauta e não um cientista, algo de muito estranho acontece com a compreensão do vocábulo “cientista” em português. Ou com a capacidade dos jovens brasileiros de estabelecer determinadas conexões entre o que veem e ouvem usualmente e a ideia de cientista/ciência.
Sim, porque na última década, quando os entrevistados em questão transitaram desde os 5 aos 15 anos de idade até dos 14 aos 24 anos, é bem possível que tenham ouvido falar, via meios de comunicação – considerando obviamente aqui redes digitais/sociais –, de robôs, inteligência artificial, de eclipses, buracos negros, de zika, doenças sexualmente transmissíveis, de biodiversidade, mudanças climáticas, sustentabilidade do planeta, etc, etc. E é muito possível que tenham recebido na escola explicações sobre a composição da água, a evolução do conceito de luz, a noção de força, a teoria da relatividade, a ampliação da tabela periódica, a teoria da evolução, as bases da genética e da genômica, os biomas brasileiros, a biodiversidade de Amazônia e da Mata Atlântica, etc, etc.
Não vamos esquecer que vasta fatia da população nem completa o ensino básico. De todo modo, que tudo isso se apresente ao universo mental juvenil sem se ancorar em pessoas, grupos de pesquisa e instituições inclusive de seu próprio país, sem se articular claramente a uma prática cotidiana de trabalho que é a pesquisa científica, largamente facilitada por máquinas, mas posta em marcha por gente, certamente é motivo suficiente para a construção de boas perguntas e consequentes hipóteses: o que há de tão falho no ensino de ciência? E na comunicação e divulgação científicas?
Só para lembrar, segundo a pesquisa, as mídias e plataformas digitais são mesmo as mais usadas pelos jovens para acessar informações de ciência e tecnologia, com grande destaque para o Google e YouTube, usados por 79% e 73% dos entrevistados, respectivamente.
A rigor, estamos desde a década de 1980 medindo a percepção da população brasileira sobre ciência e tecnologia, constatando seu gosto pelos temas da ciência e seu desconhecimento sobre a produção do conhecimento científico no país. Não há dúvida de que nas duas últimas décadas a divulgação científica se ampliou extraordinariamente no país, inclusive do que aqui dentro se faz. E no entanto há uma barreira que não se conseguiu quebrar, esse mais novo estudo o comprova. Por quê?