- Metade dos profissionais continua sem receber Equipamentos de Proteção Individual (EPI)
- Mais de 80% dos profissionais de saúde têm algum colega que se contaminou com a doença
- 70% dos profissionais de saúde ainda não se sentem preparados para lidar com a covid-19
Medida importante para conter a disseminação do novo coronavírus, a testagem não tem sido aplicada nem mesmo em profissionais na linha de frente na pandemia. Apenas 35,2% dos profissionais de saúde dizem ter sido testados para covid-19. Até junho, metade destes profissionais continua sem receber Equipamentos de Proteção Individual (EPI), essenciais para sua proteção durante o trabalho. Os dados são de pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em sua segunda fase, a pesquisa “A pandemia de COVID-19 e os profissionais de saúde pública no Brasil” realizou um survey com 2.138 profissionais da saúde pública, de todos os níveis de atenção e regiões do país entre os dias 15 de junho e 1º de julho. Na amostra, 40% eram agentes comunitários e agentes de controle de endemia, 20,8% profissionais de enfermagem, 14,7% médicos e 23,8%, outros profissionais da saúde. Os pesquisadores queriam avaliar o impacto do avanço da pandemia entre esses profissionais diante de um cenário de reabertura precipitada das atividades não essenciais em várias cidades. A primeira fase, realizada em abril de 2020, conseguiu capturar o cenário de impacto inicial da pandemia coletando informações de 1.456 profissionais de saúde de todo o Brasil. Além de ampliar a amostra, nesta segunda etapa os pesquisadores adicionaram ao questionário perguntas relacionadas à saúde mental, assédio moral e testagem destes profissionais.
Em média, 30% dos profissionais de saúde alegaram sofrer práticas de assédio moral durante a pandemia. Para 78,2%, sua saúde mental foi afetada durante o período, sendo que apenas 20% afirmaram receber algum tipo de apoio do Estado para lidar com estes problemas. Segundo a Gabriela Lotta, coordenadora da pesquisa, as condições de saúde destes profissionais podem estar relacionadas à falta de suporte e recursos por parte do Estado. “A falta de suporte cria uma situação muito tensa de trabalho, na qual prevalecem o medo e o sentimento de despreparo. Uma das consequências é o aumento dos problemas de saúde mental destes profissionais, além do adoecimento, afastamento do trabalho e morte”, comenta a pesquisadora.
Falta de preparo ainda preocupa
Passados dois meses da primeira fase da pesquisa, a taxa de profissionais da saúde com medo de contrair a Covid-19 continua estável. O índice de agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemia que sente medo da doença chega a 89%, enquanto atinge 83% dos profissionais da enfermagem, 79% dos médicos e 86% dos outros profissionais das equipes ampliadas de saúde. A percentagem de profissionais de saúde que relataram ter algum colega que se contaminou com a doença passou de 55% para 80% nesta segunda fase da pesquisa.
O nível de treinamento dos profissionais de saúde aumentou 10%, passando de 21,91% para 32,2%, englobando médicos e técnicos de enfermagem. Ainda assim, o índice continua sendo bem baixo. Os agentes comunitários de saúde e os agentes de endemia parecem ser os profissionais menos atendidos em termos de equipamentos e treinamento. Em junho, apenas 32% destes profissionais apontaram ter recebido EPIs. Houve uma pequena melhora com relação ao cenário anterior, já que em abril apenas 19,65% dos agentes comunitários relataram receber esse tipo de equipamento.
Para Gabriela Lotta, “é irônico pensar que, enquanto em vários estados os cidadãos são agora obrigados a usar EPI, há profissionais de saúde atuando em nome do Estado que não recebem equipamentos. Isso coloca em risco a vida deles e a nossa, já que eles podem ser vetores de transmissão da doença”.
Embora haja uma variação entre profissionais e regiões, em média, 70% dos profissionais da saúde não se sente preparado para lidar com a crise da covid-19, número bastante expressivo dado o avanço da pandemia, segundo avalia a pesquisadora Gabriela Lotta. “Esperávamos encontrar um cenário melhor depois de quatro meses de pandemia, mas a pesquisa mostra que os profissionais de saúde continuam numa situação de vulnerabilidade”. Na primeira fase da pesquisa, 64,97% dos profissionais da saúde entrevistados diziam não se sentir preparados para lidar com o cenário, o que demonstra que pouca coisa mudou.
O cenário de falta de preparo dos profissionais é preocupante, segundo avalia Michelle Fernandez, professora da UnB e pesquisadora do NEB. “Os profissionais de saúde estão desprotegidos na realização de suas atividades laborais. Sem treinamento suficiente para atuar na pandemia e sem acesso a testes, colocam em risco a sua própria vida para ajudar pessoas infectadas pela covid-19. Somado a isso está a falta de apoio dos governos. São soldados lutando desarmados em uma guerra perdida”, afirma Michelle Fernandez, professora da UnB e pesquisadora do NEB.
A percepção sobre a falta de suporte governamental continua estável em mais de 50% dos profissionais. A falta de apoio do governo federal sentida pelos profissionais aumentou. Em abril, 67% diziam não sentir que o governo federal os apoia, enquanto que, em junho, já são 78%. O índice é muito maior ao de profissionais que sentem falta de suporte governamental do governo municipal, que chega 58%.
A alteração da rotina por causa da crise do coronavírus tem sido mais percebida pelos profissionais de saúde em relação aos relatos de abril. O índice de profissionais que responderam que a crise alterou suas rotinas, com mudança de rotina, de procedimentos, introdução de novas tecnologias, distanciamento físico, passou de 75% em abril para 95% em junho.
Segundo Michelle, os dados mostram que a crise sanitária imposta pela Covid-19 vai além da doença. “As novas formas de interação entre os profissionais e os usuários dos serviços de saúde imprimem um distanciamento que impacta, inclusive, na qualidade do serviço prestado ao cidadão. Na atenção primária, onde existe uma relação próxima e cotidiana entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, o distanciamento é ainda mais sentido”, completa a pesquisadora.