jornalismo, ciência, juventude e humor
Setembro foi o mês com mais incêndios já registrados no Pantanal
Meio ambiente

por | 30 set 2020

Evanildo da Silveira

Cerca de 6.800 focos foram contabilizados pelo Inpe, que monitora o bioma desde 1998

Foto: Sílvio de Andrade via FotosPublicas

Considerado Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Pantanal é uma das maiores planícies alagáveis contínuas do planeta, com 151.487 km2 – 140 mil km² dos quais no Brasil. Apesar de toda água que contém, está ardendo em chamas. Apenas no mês de setembro foram registrados cerca de 6.800 focos de incêndio, um recorde histórico, 149% a mais do que no mesmo mês do ano passado, quando foram contabilizados 2.727.

Esses dados colocam setembro de 2020 como o pior mês da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora queimadas no bioma desde 1998. No mesmo período, em 2018, foram “meros” 783. Antes, o pior mês havia sido agosto de 2005, com 5.993. Para continuar no terreno dos números, até agosto – último dado disponível – foram queimados 18,6 mil km², quase a área de Sergipe, que é de 21,9 mil km². Como os incêndios devem seguir ainda por algum tempo, é provável que nos 12 meses deste ano a área devastada seja maior que a de 2019, que foi de 20,8 mil km².

É fato que queimadas não são novidades no Pantanal. O que nunca se viu é a dimensão do que está ocorrendo neste ano. “Os incêndios que vemos hoje na região são o resultado de vários fatores em combinação”, diz o biólogo e doutor em ecologia Claumir Muniz, coordenador de pesquisas do Projeto Bichos do Pantanal, do Instituto Sustentar, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). “Podemos destacar as condições ambientais (baixa umidade do ar, longos períodos de estiagem), que tanto são devido a mudanças climáticas como à ação do homem nas florestas. Com o desmatamento da Amazônia, os chamados rios aéreos, que abastecem de chuva, o Centro-Oeste diminuem.”

De acordo com o também biólogo Geraldo Alves Damasceno Junior, dos laboratórios de Botânica e de Ecologia Vegetal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), existem vários aspectos relacionados à origem das queimadas no Pantanal. “Os incêndios podem ser causados por fenômenos naturais como raios ou pela ação humana”, explica. “O uso de fogo no Pantanal é cultural. As pessoas o empregam para limpar o terreno em volta das suas casas e para limpar o pasto dentre outras finalidades.”

Foto: Christiano Antonucci – Secom – MT via FotosPublicas

Para ele ocorrer, no entanto, é necessário condições atmosféricas favoráveis (tempo seco), combustível (biomassa vegetal seca) e ignição. “Nessa época do ano (estação seca) o ar fica muito seco e as gramíneas juntamente com outras espécies do Pantanal se tornam muito suscetíveis a incêndios”, diz. “Esses eventos são potencializados quando existem condições climáticas excepcionalmente secas como é o caso de 2020.”  De acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), é pior estiagem na região nos últimos 60 anos.

Essas condições podem estar, por sua vez, sendo influenciadas pelas mudanças climáticas globais. “Os cenários previstos por elas são de diminuição das chuvas e aumento da temperatura, bem de acordo com o que está acontecendo este ano”, observa Ribeiro. “Além disto, os cenários preveem o aumento da frequência de eventos extremos.”

Felipe Dias, diretor do Instituto SOS Pantanal, uma organização não governamental de Campo Grande, lembra que o regime hídrico no Pantanal é cíclico, com períodos de maior e menor nível de inundação. “Há três anos a tendência de menor inundação está acontecendo”, conta. “Em 2020 foi o menor nível em 47 anos segundo a Embrapa Pantanal. Acredito que as alterações no clima estejam potencializando o problema na região.”

Além das causas naturais, não se pode esquecer da ação humana, seja acidental ou intencionalmente. De acordo com uma investigação da Polícia Federal (PF) iniciada em junho, parte dos incêndios teria começado em algumas fazendas na região de Corumbá (MS), nas quais os proprietários teriam colocado fogo na vegetação para transformação em área de pastagem.

Segundo Muniz, que também é professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), estudos recentes apontam que o ser humano é o responsável por mais de 90% dos focos de calor nos ambientes naturais. “As condições do clima são responsáveis pela extensão dos incêndios, a rapidez com que ele se propaga e até mesmo a quantidade de vegetação seca disponível para o fogo”, acrescenta o pesquisador e doutor em ecologia Danilo Ribeiro, da UFMS. “Mas a grande maioria das queimadas tem causa humana, seja acidental ou intencional”, afirma.

Independentemente das causas, o inevitável é que haverá consequências para o bioma, com impactos diretos e indiretos na flora e fauna. “A vegetação do Pantanal é resiliente, pois o fogo já ocorria mesmo antes da ocupação para a criação de bovinos”, diz Dias. “Mas, mesmo assim, com a intensidade e abrangência dos incêndios, os impactos no bioma são significativos e a perspectiva de recuperação é de alguns anos. As perdas mais importantes estão na fauna, pois aqueles que sobreviveram terão dificuldades de alimentos e a disputa pelo território gera conflitos e brigas entres espécies.”

Ribeiro, por exemplo, cita como exemplo o que ocorre com a onça pintada e a arara-azul. “Em eventos normais de fogo, o felino consegue buscar refúgio em campos alagados, rios e lagoas e dificilmente é atingido pelas chamas”, diz. “Porém, neste ano, devido à seca histórica que o Pantanal vem atravessando, esses refúgios diminuíram muito. Além disso, a grande extensão dos incêndios impossibilita a fuga desses animais, que acabam feridos ou até mesmo mortos. Isso pode impactar a população das onças no Pantanal, que já se encontram ameaçadas e, no pior cenário, aumentar o risco de extinção da espécie.”

Foto: Natália Semaniotto

Em relação à arara-azul, Ribeiro explica que a principal população dessa ave ocorre no pantanal, com 70% dos indivíduos. Ela saiu da lista de espécies ameaçadas no Brasil, devido a esforços de conservação bem sucedidos. “Mas o principal refúgio delas na região foi quase completamente queimado e, apesar desses incêndios dificilmente atingirem as aves, eles destroem as plantas usadas na alimentação como o acuri, que representa 90% do recurso alimentar, e também os locais de nidificação. A arara-azul faz seu ninho no manduvi em 90% dos casos e utiliza para isso árvores velhas, de mais de 70 anos. Essas plantas são sensíveis ao fogo, e muitas morrem depois de queimadas, deixando as aves sem lugar para fazer ninho.”

Apesar das avaliações dos impactos pontuais, ainda não se sabe qual é o custo total da devastação causada pelas queimadas. “Se for considerada a perda de vidas humanas, esse prejuízo é incalculável”, diz Muniz. “São mais de 3 milhões de hectares atingidos pelo fogo, consumindo biodiversidade.”

De acordo com ele, o custo para a reparação ainda deve ser verificado, pois o pantanal continua em chamas. Estudos de valoração econômica devem ser realizados tanto para as perdas de biodiversidade, quanto para serviços ecossistêmicos de produção e regulação, como, por exemplo, a purificação de água e a pesca. “Além disso, também devem ser levadas em consideração as perdas monetárias no setor de turismo”, acrescenta Muniz.

A boa notícia é que o bioma deve se recuperar, embora não se saiba em quanto tempo. Segundo Muniz, o ambiente pantaneiro é em parte resiliente ao fogo, devido a composição da flora ser semelhante, em alguns locais, à do cerrado. “Hoje, ainda não se sabe ao certo o quanto de biodiversidade foi perdido ou comprometido pela ação dos incêndios”, explica. “Se não ocorrerem novas queimadas nos próximos anos, em 10 anos poderemos ter respostas positivas em relação a isso. Não há como afirmar que o ambiente volte a ter as mesmas relações ecológicas e nem forneça os mesmos serviços ecossistêmicos em curto e médio prazos.”

Para Damasceno Júnior, dificilmente alguma espécie será extinta por causa desses incêndios. O que pode ocorrer, de acordo com ele, é a diminuição significativa daquelas cujas populações que são mais sensíveis. “A biodiversidade vai ficar igual”, garante. “Espécies que foram localmente eliminadas podem recolonizar as áreas a partir de banco de sementes ou mesmo de locais adjacentes que não queimaram. Esse processo é rápido em relação ao banco de sementes e pode demorar em relação a áreas adjacentes. É difícil estabelecer um tempo. Entretanto, para alguns locais que estavam há muito tempo sem queimar o número de espécies de plantas pode até aumentar porque o fogo abre espaço antes ocupado por espécies mais competitivas.”

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade